Nosso Pequeno Amuleto escrita por Loly Vieira


Capítulo 2
Evite certas aulas, para seu próprio bem




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–Bom dia – eu murmurei. Não espere mais quem um “bom dia” mal humorado da minha parte numa madrugada.

–Quanta animação!

–Não sou eu que recebo mensagens de ‘bom dia, meu amor’ pelas manhãs. – Falei, me referindo ao seu primo (cujo ainda não conhecia), que não somente tinha uma queda e sim um Big Bem inteiro pela priminha.

Emily ficou extremamente vermelha e balbuciou algo como “nem é isso”, mas era sim. Eu ri e ajeitei o capuz do casaco na cabeça.

–Como foi o exame? Precisou de camisa de força?

–Não e ainda ganhei chocolate quente e isso – estendi o braço que ainda tinha o adesivo de dinossauros. Ela gargalhou. Mandou que eu tirasse. – Mas eu gosto tanto de dinossauros...

–Seu queridinho chegou – Falou num tom de voz totalmente mudado. Eu ergui a cabeça em sua direção bem a tempo de ver seus olhos revirados.

Então olhei para a porta e tá, ele não veio de câmera lenta, se é que vocês estão pensando nisso.

Emily não se dava bem com Daniel. Aparentemente ela odiava a forma como ele não me notava, bem a sua frente, debaixo do seu nariz. A garota que, segundo ela, era muito mais areia pro seu caminhãozinho. Mas ela estava enganada. Muito enganada, eu não chegava nem a encher caixinha de gato siamês.

–Não precisa ficar com ciúmes, você sabe que eu te adoro também, né? – Apertei uma de suas bochechas e ela resmungou. – Não fica assim não.

–Eu só não vou com a cara dele, tudo bem?

–Porque não?

Então ela me lançou aquele olhar que só a Emily conseguia fazer. Arqueando uma das sobrancelhas ao mesmo tempo em que mordia os lábios.

–Bom dia.

–Bom dia, Dan.

Ele jogou a mochila duas cadeiras atrás da nossa. Sorriu de canto de boca em minha direção e procurou algo pela sala. Alguém. Esse alguém se chamava Larissa e o que eu mais queria era atropelá-la.

Isso não foi maduro, ok. Então eu daria ré no carro para dar uma conferida se ela ainda estava no chão, certo? Bem melhor.

–A Lari ainda não chegou? – Daniel esperava que EU notasse isso.

Eu ainda estava procurando uma resposta para ele quando Emily me encarou de canto de olho.

–Eu preciso responder sua pergunta anterior? – ela franziu o cenho e voltou a rabiscar seu caderno.

Respirei fundo, apoiei a cabeça na minha mochila. Eu só precisava de mais um cochilo. Daqui à uma hora eu acordo sóbria. Espero que a semana passasse rápido. Tão rápido que eu nem pudesse sentir a dor. Ou quem sabe nem tão rápido, mas que eu ganhasse algum tipo de chocolate quente ou até mesmo adesivos de dinossauros.

~*~

Eu estava atrasada para o colégio. Nossa. Novidade. Era uma sexta-feira e daqui a algumas horas eu comemoraria dormindo como se não houvesse segundas-feiras.

Porém agora eu estava correndo pela casa catando meu material que havia sido teletransportado para cada cômodo da casa.

–Mãe! Vamos!

–Já estou pronta. – Mentira, ela também estava correndo desesperada com a escova de cabelo preso no mesmo.

Cheguei à cozinha e catei o primeiro biscoito que eu achei no armário colocando tudo na mochila.

–Você pode pegar a pasta da Emily lá em cima? – ela berrou da sala, provavelmente procurando a chave do carro.

Eu saí em disparada até o quarto rosa enjoativo da minha irmã. Passando pelo meu rapidamente. Mas dei alguns passos de volta, a porta estava aberta. Mas não foi esse simples fato. E sim porque meus remédios estavam bem... nítidos ali.

Voei até a cômoda e peguei um dos frasquinhos. E se eu voltasse a tomá-los? Eles tinham me feito bem uma vez, faziam os pesadelos sumir. Talvez se eu aumentasse a dose eles voltassem a fazer o efeito que faziam no começo. Eu já tinha feito o exame de sangue e minha mãe nem ninguém notaria que eu voltei a tomá-los.

–Íris! – berrou Emi. Maldita voz aguda de 9 anos. Suas passadas estavam cada vez mais próximas.

–Já estou indo. – Enfiei o frasquinho na minha mochila sem saber onde colocá-lo antes que ela visse.

–O que está fazendo ai?

–Pegando o caderno de matemática. – Sai do quarto sendo escoltada pelos olhos atentos da caçula. Entreguei sua mochila de rodinhas – Você vai querer se atrasar?

–Não, vamos - E então me puxou pelo punho.

~*~

–MOVIMENTAÇÃO!

Aquele homem estava tirando uma comigo né? Eu já estava quase caindo no chão de tão trêmula e exausta. Eu venho de uma família com problemas de coração, além do meu sedentarismo em jejum. Não dava assim.

–ÍRIS! – Ele gritou.

–PROFESSOR!

–ATENÇÃO NA BOLA!

–É SÓ UM JOGO DE VÔLEI MAS QUE...

Ai, caramba, aquilo estava vindo na minha direção.

Eu mal tinha visto aquele objeto perigoso voando para seu alvo favorito: eu. Mas minhas pernas não se moviam, nem mesmo meus braços ousaram defender meu pobre rosto. Só senti o impacto. Acertando-me em cheio no nariz. Ai! Lá se foram todas as palavras que minha mãe implorava para que eu não dissesse.

–Ís? – Essa era com certeza a Emily. – Ai meu Deus Is!

–Que foi? – berrei desesperada. Ela me puxou pelo antebraço e seus olhos verdes me analisaram de maneira estranha.

Pisquei várias vezes. Desde quando a Emily tinha 6 olhos? E ainda a coitada me perguntou se eu estava bem.

–Is – voltou a chamar, fechei e abri os olhos novamente.

Meu nariz latejava e eu decidi cutucá-lo para ver se eu não tinha virado a versão feminina do Voldemort.

–Acho que eu quebrei – choraminguei. Minha mão agora estava ensanguentada. - Sangue. MEU SANGUE TÁ INDO TODO PRO LADO DE FORA! SEGURA ELE! SEGURA!

–Todos fiquem calmos – veio o Pateta dizendo. Desculpa Pateta, eu quis dizer o professor de educação física. – A Íris está bem, não está?

–LÓGICO – gritou minha melhor amiga. Alguém da um Nobel pra ela. – Você não tá vendo que o nariz dela tá sangrando, que a menina tá quase caindo e...

Emily... – ele murmurou em tom de reprovação.

–Eu a levo pra enfermaria. – Fechei os olhos com força. Minha cabeça estava latejando um pouco mais agora. Eu estava delirando ou essa era a voz do Daniel?

Eu levo – rebateu Emily.

–Deixa que eu levo. – Contradisse ele.

–Hey! – eu berrei. – Eu vou sozinha, tá legal?

–Vão os dois. A garota não aguenta dois passos sozinha. – Viado. Eu vou pegar de volta a bola de vôlei e rumar no lindíssimo nariz do professor de educação física. Ficaríamos até parecidos. Não, pera, o Voldemort não merece ser comparado a ele.

Então lá fui eu rebocada por duas pessoas que se davam tão bem quanto Madonna e Lady Gaga. Comparação ridícula, pode falar.

–Foi a idiota da Larissa que mandou a bola – grunhiu Em enquanto saíamos da quadra. Ela me segurava pelo antebraço como se a qualquer hora eu fosse cair.

–Ela não fez de propósito – defendeu Dan.

–Lógico que uma das melhores jogadoras de vôlei do colégio ia mandar uma bola tão errada assim. – Dessa vez fui eu. Ah vá. Enfia essa paixonite pela Larissa sabe aonde?

–Seu nariz deveria estar doendo demais para que você não conseguisse falar.

–Olha aqui... – Emily quase o puxou pelos cílios depois dessa.

Tá legal que de fato estava doendo. Mas eu não deixaria ele falar assim. Então eu peguei minha amiga pelo punho.

–Deixa pra lá – grunhi. Eu quase estava pirando ao ver meu precioso sangue ser desperdiçado de tal forma. Tipo O negativo não se arranja em qualquer esquina, ok? – Porque você não deixa a Emily me levar e volta pra quadra pra ver se a mão da Larissa não está dolorida dela ter lançado a bola feito uma égua dando coice?

–Is... – ele chamou. Mas eu já puxava o punho da minha amiga comigo pelos corredores vazios.

E eu quase podia ver o olhar vitorioso que ela lançava para ele. Quase como um dedo do meio refletido nos olhos verdes. Quanta maturidade...

Estávamos perto da enfermaria. Emily usava a estratégia de xingar Larissa para distrair a dor. E ela estava funcionando até agora.

Abriu a porta para que eu entrasse. Que criatura mais legal, vou pedir em casamento, um momento. Ah, espera... Emily ronca.

–Aula de educação física? - perguntou uma voz grave. Ouvi um barulho estranho que depois reconheci ser a risada extravagante da Emily. Emily, não, para. - Pode sentar aqui.

Eu fui guiada até uma pequena maca que tinha no outro canto da sala.

Eu só tinha entrado umas três vezes na enfermaria. E pelo o que eu me lembro, era a Sra. Johnson que cuidava de tudo ali. Uma mulher robusta de cabelos brancos presos num coque apertado, já tinha idade suficiente para a aposentadoria e aparentemente era o que ela tinha feito.

Mas tirando a pobre enfermeira, nada tinha mudado, as paredes continuavam brancas, as cadeiras continuavam as mesmas e o cheiro de remédio e doentio de hospital o mesmo.

–A coisa foi séria mesmo - ele comentou enquanto eu praticamente pulava no ritmo de Sandy e Junior para sentar na maca, o novo enfermeiro estava pegando algumas gazes e outros materiais no armário. - Vocês estavam treinando o quê? Luta livre?

–Ah não, se fosse ao menos luta eu poderia ter revidado. - Resmunguei.

Emily concordou.

–Fique sentada ereta e se incline um pouco para frente, aperte um pouco uma narina e depois a outra.

Eu ia seguindo os comandos.

–Eu tenho que voltar pra aula antes que o professor venha aqui me procurar – revirou os olhos. Aproximou-se um pouco de mim, sussurrando para que só eu ouvisse. – Vai ser bem cuidada tá, amiga. Aproveita.

O novo enfermeiro colocou todos os materiais numa mesinha ao lado da maca. Ficou na minha frente enquanto eu brincava com os dedos, um pouco envergonhada e pensativa.

–Tem certeza que não está passando mal? Eu já estou acostumado com gritos finos. – Ele tirou alguns fios que tinham escapado do meu rabo de cavalo na hora da adrenalina para que conseguisse limpar ou ao menos tirar os vestígios de sangue. Não imagine uma cena bonitinha, pense que minha camisa foi mergulhada numa poça de sangue e recrie a cena.

–Eu vou sair correndo em círculos logo depois que parar de enxergar só vermelho.

Arrisquei olhar pra cima. O que o diretor tinha bebido para deixar um cara assim ser o enfermeiro? As ‘mamãe-quero-ser-do-povo’ arranjariam até dor na unha para ir até a enfermaria.

Seus cabelos negros cacheados estavam no estilo acabei-de-acordar-tomar-banho-e-ficou-assim e os olhos castanhos tinham um tom suave e acolhedor. Estava com o cenho um pouco franzido, concentrado no que estava fazendo. Engoli em seco agradecendo que não tinha nenhum fio para medir os batimentos do meu coração por causa da nossa aproximação.

Os traços dele eram familiares... Ele agia de uma forma cuidadosa.

Olhou diretamente nos meus olhos por um instante e eu me senti corar ao notar que estava o secando. Droga.

–Você lembra alguém. - Falei tentando disfarçar o motivo da minha análise.

–Se você viu algum cartaz de “Procurado” por aí... Não era eu.

–Só lembro cartazes quando oferecem recompensa. – Ele riu e voltou a erguer meu rosto pelo o queixo para que o limpasse. O modo como ele agia era... – Você trabalha em algum outro lugar? – certifiquei-me meio incerta.

Ele franziu ainda mais o cenho e então suavizou como se estivesse lembrando.

–Você é a garota que não gosta nem um pouquinho de exames.

Bem, ao menos ele não mencionou os dinossauros.

–E que gosta de dinossauros.

Deixa pra lá.


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Notas finais do capítulo

E se raios de sol fossem raios de chocolate?

Olha o que o verão tá fazendo comigo.

Muito obrigada as garotas que comentaram no capítulo anterior Rosyangel e a Marina. Vou comprar um panetone pra cada uma. Chega em 2014.

Eu costumava fazer umas brincadeiras com meus leitores na outra fic, pra interagir e ter o que comentar os leitores mais tímidos. Como eu to em clima natalino e curiosa pra vê se alguém bate o meu 'recorde', aqui vamos nós: Qual foi o presente natalino mais estranho que você ganhou?