- Nerd, eu te odeio.

Dizia o garoto com um sorriso no rosto na tentativa de me irritar. Como ele havia passado o dia inteiro repetindo aquela frase, aquilo estava começando a fazer efeito e eu lanço para ele um olhar mortal para que ele ficasse quieto. Ele fica quieto por cerca de meia hora e depois me chama, olho para ele deixando claro que não está a fim de ouvir as brincadeiras. Ele tenta me bater mas rapidamente desvio sem pensar, olho para ele com muita raiva e o encaro.

Os olhos dele me fitavam arregalados, eu via a agonia que eles expressavam, ajoelhado a poucos centímetros do meu corpo ele se retorcia com o corpo curvado para trás, eu conseguia ver cada músculo do seu corpo se estirando ao nível máximo como se estivessem a ponto de se romper. Não era o bastante. Certamente ele estava tendo as mais tenebrosas visões, em um escuro que apenas seus olhos podiam visar, os monstros que ele acreditava viver apenas nos seus pesadelos agora estavam ali, bem a sua volta prontos a devorá-lo lentamente e com muita, muita dor. Provavelmente mais dor do que a que ele sentia agora enquanto seu corpo parecia desfazer-se violentamente. Mas ele não foi uma bom menino... Eu avisei que não era certo mexer comigo... Eu avisei.

***

- Lauren você vai acabar chegando atrasada!

- Só um minuto! - Gritei do quarto.

- Você já disse isso! Há cinco minutos atrás!

Incrível que quanto mais você se arruma mais coisas tem para colocar... Sempre falta uma pulseira ou um brinco que você esqueceu. Prendi meu brinco de raio na orelha direita e dei uma última olhada no espelho, uma ajeitada nos meus cabelos castanhos com mechas azuladas e me certifico que a maquiagem está em ordem. Era meu último dia na escola secundária de Nova Iorque. Quando cheguei à cozinha minha mãe já estava saindo, sempre apressada com mil e uma coisas da maldita empresa que trabalhava, e o que eu mais odiava: o maldito telefone de orelha que estava sempre ligado. Meu pai? Esse eu não via há semanas, era outro que vivia no mundo dos malditos negócios, eles não viam que eu estava ali... Ou talvez eu parecesse muito com os móveis da casa.

Saindo enquanto falava no telefone sem ao menos a dignidade de me dar um até logo, minha mãe atravessou a porta e ficamos ali, eu e a empregada que me servia o café da manhã com carinho, o único carinho que eu recebia dentro da minha própria casa. Eu sentia falta de não ter irmãos e irmãs, talvez assim eu não me sentisse tão abandonada. Ok, isso já está ficando um pouco dramático. Tentei me concentrar na porção de waffes à minha frente e ignorar aquela realidade que me tirava do sério, logo isso não teria mais importância, eu seria mandada para um internato e talvez lá eu soubesse o que é fazer parte de uma família.

Alcancei a rua com meu carro dirigindo ao som de that's what you get e parecia mesmo que era o que eu ganhava por ser filha única, amar os meus pais e não receber nem um até logo ou um boa noite. Foda-se. Aumentei o volume cantando enquanto dirigia, em alguns dias isso não ia mais importar. Felizmente. Estacionei na primeira vaga que encontrei e não demorou muito para Amy e Toni virem ao meu encontro. Confesso que sou péssima para fazer amizade, mas sou fiel até a morte aos meus melhores amigos:

- Olha só, a rainha dos cabelos coloridos acabou de chegar! - Amy falou sorrindo.

- Majestade! - Toni brincou fazendo uma reverência.

- Ah parem com isso... - Falei enquanto ria.

- Como vamos sobreviver aqui sem você hein?

Senti uma estranha ponta de tristeza por ter de ir embora.

- Também vou sentir muito a falta de vocês... Mas...

- Depois de mandar o idiota do Calton para o hospital e entrar em uma das maiores academias da Inglaterra para jovens superdotados é lógico que ela tem que ir. - Toni falou como se completasse a minha frase de uma maneira completamente diferente do que eu faria.

- Você sabe bem que não é por isso... Tirando a parte do Calton... Também vou sentir falta de vocês...

- Certo, agora vamos parar de lamentar o que não tem jeito e ir para aula antes que levemos uma bela advertência! - Amy falou tentando parecer animada.

- Tem razão.

Eu os entendia, eram meus únicos amigos e os melhores que poderia existir... Basicamente eles eram mais família que os meus próprios pais! Ia doer muito ficar longe deles, mas depois do que aconteceu na escola... Não. Não havia como eu permanecer ali, todo mundo já me olhava de maneira diferente, como se tivessem medo de mim. Agora as únicas piadas que eu via estavam nas blusas com frases engraçadas como as que eu estava usando agora. O resto era apenas bullying. Nem mesmo o episódio com o Calton fez meus pais perceberem que eu existo, as vezes eu tinha vontade de torturar a mente deles! Mas eu os amava demais pra isso. Respirei fundo entrando na sala da senhora Salvinor. Química, uma das minhas diversões favoritas.

- Se dobrarmos o número de átomos nas trocas gasosas que ocorrem nessa última ligação poderemos...

- Intensificar o poder do dióxido de carbono sobre a penúltima hidroxila da cadeia fazendo assim com que o composto passe a ser mais resistente em meio acuoso.

- Isso mesmo Lauren. Muito bem!

Ser classificada com um QI 280 não era uma coisa muito boa quando você vive em um meio de jovens com Qis variantes do 93 ao 150... Esse último já sendo considerado o melhor da sala e um gênio para os pais. Encarei os olhares surpresos, mas não agressivos, de Amy e Toni que me sorriram quase orgulhosos. Era bom me sentir acolhida por alguém no meio de uma evidente exclusão.

- Então preparada? - Amy me perguntou animada.

- Pra que? - Perguntei confusa.

- Ué, nossa despedida! Vamos ser bonzinhos hoje e pagar seu lanche no Hostrell!

- Ah é? Pessoas bondosas!

Nos abraçamos e caminhamos até o meu carro, era meu último dia na escola, meu último dia nos EUA, meu último dia ao lado daquelas pessoas tão importantes e especiais pra mim, e mesmo em parte eu estando feliz por ficar longe dos meus pais na esperança inútil que eles sentissem minha falta, eu sabia que essa mudança seria complicada pra mim, meus amigos eram únicos e nunca poderiam ser substituídos.

Eu imaginava como seria no Instituto Charles Davis... Que pessoas eu encontraria lá, mesmo sabendo que eram jovens como eu, imaginava se entre as diferenças também não haveria exclusão.