Capítulo 09 - Imprevistos

  A segunda-feira amanheceu tensa para Diego. Não que estivesse chuvosa ou nublada, mas simplesmente porque o pobre rapaz não conseguia se acalmar de tanta ansiedade. Durante o fim de semana, ele havia enviado uma mensagem para sua amada Bianca, mas ela não havia respondido nada até agora. Sua agitação era muito evidente, inclusive para os olhares observadores de seu pai.

- Diego...pode me passar o açúcar? - perguntou Alberto.

- Claro - disse o rapaz, passando o pote de margarina.

- Açúcar, Diego - repetiu Alberto.

- Ops, foi mal, pai. Hehe! - disse ele, agora pegando o pote de açúcar e entregando ao pai.

- O que aconteceu? - perguntou Alberto, enquanto mexia sua xícara de café - Parece meio nervoso?

- Nervoso? Eu? Por que o senhor acha que eu tô nervoso? - disse o garoto, procurando disfarçar.

- E por que está colocando chocolate em pó no pote de geleia? - reparou Alberto.

- Oh, droga. Desculpa, pai...é que...preciso falar algo importante hoje.

- Você tem que apresentar algum seminário?

- Não...preciso convidar a garota que amo para sair - falou Diego, agora acertando onde colocar a colher cheia de achocolatado.

- Ah, entendo. Também tive dificuldades em convidar sua mãe para sair - comentou Alberto, tomando sua xícara de café.

- Como vocês se conheceram mesmo?

- Eu era um professor recém-chegado na universidade e ela a coordenadora da secretaria do departamento. Começamos a conversar e ela disse que me achou engraçado. Alguns anos depois você nasceu e, bem, dois anos depois ela se foi...

 Alberto não gostava muito de lembrar de sua antiga (e única) paixão justamente porque sempre lembrava da morte dela (e também não gostava de entrar em detalhes sobre este falecimento). Já Diego, não tinha quase nenhuma lembrança de sua mãe.

- Então ela só te achou engraçado? - perguntou o rapaz.

- É...e eu nem sei o que eu tinha de engraçado e...opa, tirinhas do Garfield - disse Alberto, que acompanhava a leitura do jornal enquanto tomava café. É verdade que Alberto tinha um certo carisma que Diego não possuía, sendo assim, ele precisava conquistar Bianca por alguma outra qualidade. Isso se conseguisse convidá-la para sair, é claro. 

- Preciso aprender sobre mulheres..

- Impossível entendê-las - completou Alberto - Era muito mais fácil compreender meus cálculos em física de partículas do que entender a personalidade da sua mãe. 

- É...tem coisas que não dá pra reduzir à Matemática - suspirou Diego.

- É, se tivesse uma fórmula para entender as mulheres, certamente alguém ganharia um prêmio Nobel - completou Alberto - O jeito é investir em outras coisas...estava pensando em começar uma invenção nova, tipo um motor mais eficiente para o carro.

- O senhor já não tentou fazer aquele motor movido à água?

- É, não deu muito certo...água não libera muita energia. Agora estava pensando em algo mais interessante: colocar pedais no lado do carona.

- Pedais?

- É. A pessoa da carona ia pedalando e acumulando energia no motor. Quem pega carona sempre fica na moleza mesmo. Além disso, é importante fazer exercícios, os carros estão deixando todo mundo muito sedentário.

- Tô fora - disse Diego, com preguiça só de pensar em pedalar - Bom, eu já vou. Espero que eu consiga chamar a Bianca para sair.

- E vê se sugere um lugar legal - lembrou Alberto - Não vai chamá-la pra jogar fliperama, né?

- Mas fliperamas são lugares tão legais!

- Eu sei, filho. Mas lembre-se que mulheres são mais difíceis de entender do que física.

- Verdade. Tô indo.

 E Diego foi para a escola, preocupado em o que foi feito de sua mensagem. Será que Bianca leu, ficou constrangida e deletou? Ou será que ela achou ridículo e mandou para todas as amigas, para todas rirem dele? Sua personalidade pessimista sempre levantava as piores hipóteses, mas ele saberia logo. Já estava chegando próximo aos portões da escola e engolia seco o que poderia acontecer. Quanto mais próximo, mais nervoso ficava, mas tomou coragem e entrou. Lá, ainda não havia nem sinal de Bianca. Diego observava todos os cantos, mas pelo que parecia ainda era bem cedo.

- E aí, Diego? - disse uma voz conhecida, fazendo o pobre rapaz quase decolar dos próprios sapatos. Era Vanessa.

- Ai, Vanessa, que susto! - reclamou  o rapaz - Achei que fosse morrer do coração!

- Por que tá tão nervoso? Tá devendo, é?

- Não consigo tirar a Bianca da cabeça - disse ele - Até agora ela não me respondeu.

- Não mesmo, é? Que estranho...bom,  talvez tenha acontecido alguma coisa...nesse caso, é só ir lá e perguntar para ela.

- Perguntar pra ela? - disse ele - É...pode ser...terei que falar com ela, né?

- E se ela não leu, é só convidar pessoalmente.

- Hmm....talvez seja melhor. Mas aí terei que falar pessoalmente o que estava escrito no e-mail.

- E daí? Se fizer alguma bobagem é só tentar de novo, lembra?

- É. Eu sei, mas...

- Mas o quê?

- Se o que eu escrevi no e-mail foi uma bobagem, o Mind Clock só consegue voltar um dia atrás. Eu mandei a mensagem no sábado, hoje é segunda. Não daria pra mudar esse passado. Acho que já cometi uma besteira. Tsc.

- Relaxe. Apenas espere a Bianca e converse calmamente com ela.

- Tá. Vou fazer isso!

 O problema é que o primeiro sinal tocou e nada da Bianca chegar. Diego começou a ficar preocupado.

- Já estamos na primeira aula e ela ainda não chegou! - reclamou Diego com Vanessa, em voz baixa, já na sala de aula - E agora?

- Todo mundo pode se atrasar alguma vez, né? Fica tranquilo!

- E se ela tiver faltado? E se tiver acontecido algo com ela e por isso ela não respondeu? Ai, Senhor!

- Quer se acalmar? - disse Vanessa - Você é mesmo pessimista. Mesmo que ela tenha faltado, ela simplesmente pode ter ficado doente, não?

- E se ela faltou para não se encontrar comigo porque o e-mail era ridículo demais?

- Em que mundo você vive? Aquele e-mail não tinha nada demais...eu lembro o que você escreveu.

- Mas...

- Você sempre fica nervoso assim quando as coisas começam a escapar do seu controle, né? Calma, logo, logo ela deve dar notícias.

 Diego ainda estava ansioso, quando, finalmente, Bianca deu as caras na segunda aula.

- Ela chegou - disse Diego para Vanessa.

- Viu? Ela só chegou atrasada.

 Bianca chegou para a segunda aula junto com um outro aluno. Pelo que Diego ouviu ela conversando com as amigas, parece que seu carro havia tido um problema no meio do caminho e ela chegou quinze minutos depois do sinal da entrada, fora do limite de tolerância e teve que esperar até a segunda aula. Menos mal. No entanto, Diego teve que esperar o sinal do intervalo para ter uma chance de falar com Bianca. Era hora da verdade!

- Tá legal, Vanessa - disse nosso magricelo e paranoico amigo - Agora eu vou descobrir o que aconteceu!

- Bom ver que está confiante - falou Vanessa - Aproveite o intervalo e fale tudo o que tiver que falar para ela.

- Ei, também não é assim - disse ele - Preciso primeiro convidá-la para sair....depois, com o clima certo, eu direi meus sentimentos...e me prepararei para voltar se for preciso.

- De qualquer forma, vai ter que falar com ela agora, não? - disse Vanessa.

- Sim, sim. Vou atrás dela - falou Diego - Se bem que...

- O quê?

- Ela já desceu - falou ele - Vou ter que procurar no pátio.

- Ah, sem problemas. Nossa escola não é tão grande assim - consolou Vanessa.

 Diego e Vanessa desceram para o pátio, mas estavam com uma certa dificuldade para encontrar Bianca. Na cantina, não estava. Com as meninas que costumava estar, também não estava. Onde ela poderia ter ido?

- Talvez tenha ido ao banheiro - disse Vanessa - Se for isso, é fácil. Vou dar uma procurada.

- Ah, vai lá.

- E trago ela pra você inteirinha - disse a amiga.

- Ei, não vai falar nenhuma besteira antes de eu falar com ela, heim?

- Relaxa. Já viu eu falar besteira alguma vez na vida?

 Diego ficou em silêncio. 

- Eu já volto, Diego. 

 Enquanto isso, o rapaz continuou procurando no pátio. De repente, ele viu um vulto de cabelos muito parecidos com Bianca, em um canto mais isolado do colégio. Seria ela? E estaria sozinha? Ele precisava chegar mais perto e foi o que fez. Após se aproximar, sua visão não foi das melhores. Bianca não estava sozinha. Na verdade, estava acompanhada de um garoto e o clima entre os dois não parecia ser apenas algo amigável.

- Então, o que você queria falar comigo, Ciro? - foi o que Diego ouviu Bianca dizer.

 "Ciro?", questionou Diego, "Esse cara não é da minha sala...o que ele quer?"

 Quem seria esse cara?