Fique escrita por Vanessa Fontoura


Capítulo 13
Capítulo 13. Babi


Notas iniciais do capítulo

"Leo me deixava irritada com facilidade, mas me fazia rir feito louca. Pensando bem, acho que ele tem as mesmas qualidades de Gabriel. Talvez seja isso o que mais gosto nele."



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Eu aprendi a gostar da escola.

Geralmente eu era a grande estrela das coversas, e eu não ia mudar isso só que por que o cenário havia mudado. Aos poucos fui me enturmando na turma de Elisa, eles não eram exatamente os populares da escola, mas eram pessoas legais e me acolheram bem. Alguns deles não passaram as férias no internato então tinham histórias interessantes para contar, alguns romances de verão mal resolvidos e tal. De repente não me senti mais sozinha naquele lugar.

A sensação de ter amigos era boa.

Elisa se mudou para meu quarto, eu estava sem colega de quarto mesmo, então o diretor autorizou a troca. Era sexta-feira a noite e estávamos arrumando as coisas dela no armário quando ouvimos estalos de pedras na janela. Fui até o parapeito e olhei para baixo, uma sensação de nostalgia me fez ter um dejavù. Lembrei de certo dia em minha casa quando o cara que eu estava perdidamente apaixonada resolveu aparecer de surpresa na minha janela, caindo que nem jaca do segundo andar. Daria vontade de rir se eu não estivesse tão sensível a ponto de querer chorar.

Elisa me cutucou e disse:

– é o Leo, acho que ele quer falar com a gente.

Pisquei os olhos duas vezes caindo em mim novamente. E abri a janela para que ele pudesse falar.

Ele sussurrou algo que nenhuma de nós entendeu. Ficamos fazendo gestos para que ele entendesse que não tínhamos entendido e então ele começou a escalar a janela. Ah meu Deus. Fechei os olhos sem querer o ver cair e sem querer me lembrar de nada e então ele havia entrado quarto adentro.

Vendo-o passar os dois metros de perna pela janela eu comecei a rir. Como ele era alto. Os cabelos meio louros e os olhos claros o deixavam bonito também, mas a coisa que mais me incomodava nele é que ele me fazia sentir algo que eu não sabia exatamente o que era.

Leo me deixava irritada com facilidade, mas me fazia rir feito louca. Pensando bem, acho que ele tem as mesmas qualidades de Gabriel. Talvez seja isso o que mais gosto nele.

– o que tu quer? – murmurou Elisa.

– vim fazer uma proposta. – respondeu ele. Jogando o topete pra cima.

– uma proposta? – eu reforcei rindo. Ele se aproximou e fez a volta em mim tocando meu ombro.

– sim, uma proposta. Prontas? – nos assentimos. – qual o nível de perigo que tu estava acostumada no Rio de Janeiro?

– atravessa a rua sem olhar para os dois lados. – respondi.

Eles riram.

– é, tu não tem cara de que morava em favela. – disse Elisa.

– na verdade eu morava perto de uma. – revelei, mas eles me olharam debochados. – ok, eu fui assaltada uma vez, no mais, nunca fiquei cara a cara com o perigo, mas o que isso tem a ver?

– eu acho que sei o que é... – cantarolou Elisa, Leo olhou para a irmã cúmplice.

Revirei os olhos.

– falem logo.

– você sabe em que época do ano estamos? Época de acasalamento dos bovinos. – contou.

– uau. Essa eu vou até anotar no meu caderninho. – ironizei.

– hey isso é serio! – disse Leo.

– ta, e o que acontece nessa época mágica para as vacas?

– quer que eu explique ou te mostre? – perguntou com um olhar sedutor.

– eca! – sibilou Elisa mostrando a língua. – fala logo, Leonardo.

– estouro da boiada.

Leo pareceu muito satisfeito quando me contou sobre como eles faziam a boiada sair em disparada pelo campo, eles acendiam fósforo na frente de um jato de aromatizador de ambientes e os bois ficavam loucos com o calor do fogo que se alarmava. Perguntei qual era o objetivo do estouro da boiada. E ele disse “Não tem objetivo, é só diversão, e pra coisa ficar mais legal nós colocamos uma bandeira branca no meio do campo a dupla que pegar ela primeiro vence”. Era uma espécie de jogo, mas realmente parecia divertido e fora da lei.

– te deixo ser minha dupla. – falou Leo

– ah qual é! Te deixo ser minha dupla. – imitou Elisa. – eu não vou fazer isso, tenho muito para arrumar, e é claro que a Babi não vai querer.

Fiquei em silêncio.

– Babi? – ela reforçou, como continuei em silêncio ela estourou – não acredito!

– o que? Parece divertido. – retruquei.

– parece não, é divertido. Tu vai ver. – se animou o garoto.

– e quando vai ser?

Ele pegou minha mão e sorriu meio malicioso. – agora.

Leo pediu que eu calçasse um tênis de corrida e roupas de academia por que iríamos correr, e não saberíamos para que lado os bois, touros e vacas iriam. Descemos pela janela bem devagar para não fazermos barulho e corremos de mãos dadas até os estábulos onde os outros meninos estariam reunidos.

Gostei do sentimento que estava surgindo ali, uma espécie de adrenalina e medo. Leo não largou minha mão por nenhum segundo enquanto um garoto chamado Jonatas explicava as regras do jogo. Eu senti minha mão tremer várias vezes durante esse tempo, mas Leo a apertou para que ela parasse e eu o olhei agradecida. 

Jonatas fazia par com Aline, sua namorada, e ela parecia muito satisfeita por estar ali. Havia outras duplas, mas só reconheci uma delas: Amanda e Marcos.

Caminhamos até a cerca de arame que dividia o colégio de uma propriedade que ficava atrás, eram os bois da escola, provavelmente eles nem notariam a agitação. Ficava longe dos olhos do diretor que morava do outro lado da estrada. E pelo jeito aquela era a brincadeira de boas-vindas dos alunos do colégio todo ano.

Aline se aproximou de mim rindo.

– uau, uma carne nova. – disse ela.

– parece divertido.

– é mais do que divertido, na hora tu vai sentir a adrenalina pulsando mais forte que teu sangue. – falou gesticulando, quase senti a sensação.

Sorri fraco.

Ela estendeu a mão para mim – boa sorte. – apertei e desejei o mesmo a ela. A mão de Aline fora substituídas pela mão de Leo nas minhas novamente. Não estavam entrelaçadas. Ele me segurava como se eu fosse uma criança indefesa atravessando a rua.

Cada dupla (dez, no total) foram distribuídas em lados opostos do campo, a bandeira estava bem no meio da boiada, me pergunto como eles a colocaram ali. Uma figura de preto estava posicionada perto dos bois com o aromatizador e o isqueiro na mão.

– qual é o prêmio? – sussurrei.

– reconhecimento. – respondeu Leo e então me pulamos a cerca.

Perto de nós estava Amanda e o seu acompanhante. Ela estava vestindo uma calça colada e uma blusa preta que ia somente até o umbigo. Leo olhou para ela um instante e senti no brilho dos olhos dele que ele a desejava. Fiquei momentaneamente com ciúmes e mordi os lábios com força.

Alguém começou a contar regressivamente a partir do número cinco.

Cinco...

Quatro...

Três...

Dois...

E houve uma pausa maior para...

Um.

Leo me puxou com muita força e de repente me largou. No momento em que ele largou a minha mão me senti nervosa, desnorteada e com muito medo. O céu ficara mais escuro por que uma nuvem estava tapando a lua e eu perdi a visão de tudo a minha volta, tudo o que vi fora o fogo que dançava no ar e o estridente mugido das vacas.

Passos, muitos passos, eu não sabia para onde correr.

Um jogo perigoso. Pensei.

Mantive os pés em movimento quando vi outro fogo perto de mim. Pelas chamas reconheci Jonatas e Aline, correndo juntos. Eles tinham um isqueiro nas mãos e afastavam as vacas dessa maneira.

Leo havia saído. Ele me deixara ali.

Parei por alguns segundos, meus joelhos doíam, quando ouvi os passos. A nuvem descobriu a lua e de repente vi o rebanho todo correndo como loucos para minha direção. Um grito desesperado saiu da minha garganta e meus pés se desgrudaram do chão com uma leveza desconhecida, comecei a correr em disparada.

Mas os passos se aproximavam cada vez mais.

Onde deveria correr sangue, havia adrenalina. Ouvi o coração nos tímpanos claramente acelerado enquanto eu corria com os braços grudados ao corpo. Os mugidos altos atrás de mim.

Corri mais algum tempo até que tropecei em uma lomba que caia até o açude. Desci rolando e ouvi claramente os passos quando alguém parou na minha frente e apertou o aromatizador fazendo o fogo se alastrar e as vacas desviaram o rumo. Fechei os olhos e tapei os ouvidos depois disso.

– tu ta legal? – ele tocou meu ombro. – me desculpa, cara, eu pensei que tu estava logo atrás de mim.

– Leo, não larga minha mão, não larga nunca mais. – eu gritei com ele, apavorada, minhas pernas tremiam e meu coração estava batendo forte nos ouvidos novamente. Ele abraçou minha cabeça e me levou para perto do seu peito. – você me abandonou. Me deixou sozinha. Não me deixa sozinha.

Lágrimas começaram a sair. Agarrei sua cintura e fiquei presa nele igual a carrapato, eu nunca estivera com tanto medo, nem mesmo a violência do Rio me deixara tão nervosa.

Certa vez, eu estava no carro de uma amiga quando a mãe dela parou no sinal e assaltantes entraram no carro, por um pequeno descuido as portas não haviam sido travadas, falha mecânica ou humana e eles entraram apontando a arma para nós, eram dois.

Fizeram a mãe dela dirigir até uma rua deserta e depois nos jogaram para fora do veículo o levando embora, lembro que eu não fiquei nervosa naquela hora, eles eram previsíveis, não iriam nos matar. Mas aqueles bois, só Deus sabe o que eles fariam se tivessem continuado correndo, talvez eu estivesse morta e pisoteada.

De repente ser imprudente só por diversão não fazia meu gênero. Pobre Leo, devia estar se sentindo a pessoa mais horrível do universo. Me recompus e me afastei dele. Quando ergui a cabeça ele envolveu meus ombros com um pano branco. – ganhamos. 


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