Matatoa escrita por tonbotticelli


Capítulo 1
O estranho de moto...


Notas iniciais do capítulo

Alguns podem achar certas referências e digo claramente que tem. Procurem por uma edição de Batman e um certo filme com Heath Ledger e encontrarão. De resto, tudo meu.



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É. São dez pras nove, verão, um sábado. Ele chega de moto pela interestadual. Alguns policiais o vêem passar... E ignoram. Para eles, um visitante como aquele não era nada de ruim. Se fosse uma hora mais tarde, quem sabe. Chegou a um motel meia hora depois e alugou um quarto. 313. Riu da coincidência. O dono do motel não entendeu e também não o quis. Cliente pagante era cliente decente, não interessava se estranho ou não.

No quarto abriu a mala. Pegou a anotação que havia feito e a examinou. Com um lápis, riscou algumas frases e verificou o que sobrava. Sorriu malicioso para uma em especial na lista. Deixou a folha sobre a cama e retirou o fundo falso da mala. Abaixo havia um compartimento estofado, onde cabiam uma faca, uma pistola e um frasco contendo um líquido verde-esmeralda estranho. Retirou os três e depositou na cama. Verificou o número de balas no pente da arma, o fio da faca e com cuidado extra a quantidade do líquido. Visto que estava tudo OK, prendeu a faca no cinto, a arma no cós da calça e o frasco em um bolso interno do casaco. Trancou o quarto e saiu.

Na rua, pô-se a filosofar. Pensou em quanto tempo exercia aquele trabalho e em como começara. Lembrou-se da vila indígena que descobrira quando era mais jovem e do ritual que presenciara. A desgraça aconteceu quando ele resolveu ver "mais de perto". A clareira onde os índios pareciam fazer um sacrifício era cercada por uma ribanceira muito inclinada. Por trás da moita ele não pode ver a descida íngreme e rolou. Sempre lhe disseram que ele era azarado, mas nada se comparava a o que ele fez. Tentando fugir das mãos que o tentavam aprisionar, acabou por matar quem seria sacrificado. Ainda via a agonia em seus olhos quando dormia, o que por si só já era raro. Aqueles grandes olhos negros que lhe disseram apenas uma palavra: Matatoa. Aquela droga de palavra.

Já dirigia a moto há algum tempo quando avistou o local desejado. Um velho ginásio, nos fundos de uma escola. Pelo horário, os treinos de basquete que ocorriam ali teriam terminado há pouco mais de trinta minutos. Quase todo mundo teria saído. Quase. Deixado para trás para treinar, um garoto ainda lançava bolas nas cestas. O motociclista escondeu a moto nos fundos e entrou furtivamente no ginásio. Conseguiu ver seu alvo recolhendo a bola que havia escapado da quadra e parado em um dos vestiários. Encarou-o com a calma de um predador em seu habitat natural. Parecia a presa certa. Resolveu brincar com ele. Pegou sua faca de junto do cinto e arremessou-a, se escondendo nas sombras em seguida. A parca iluminação do ginásio, que provavelmente seria fechado pelo jogador retardatário, facilitou para que ele chegasse por trás do garoto, que no momento tentava entender de onde surgira aquela faca que estava a seus pés. O rapaz desacordou.

Minutos depois ele abria os olhos. Atônito, percebeu que estava amarrado de joelhos diante do seu atacante. Examinou a situação. Quem o prendera era alto, forte, usava uma capa e roupas escuras. E apontava uma arma diretamente para sua testa. Situação complicada. Começou a mexer nas cordas que prendiam seus pulsos. Parecia que o atacante, por mais que estivesse em vantagem, não era muito bom com nós. Eles afrouxaram um pouco.

- O que você quer, cara? - perguntou, tentando distrai-lo.

O outro sorriu e, apesar de uma bandana cobrir quase que seus olhos, pode ver surgir ali um brilho diferente. Grandes olhos verdes, profundos e calmos.

- Você. - ele respondeu, de uma forma que o rapaz quase parou graças ao arrepio que atravessou sua espinha.

- Qual é, cara? Você é gay, por acaso?

Agora ele gargalhou, rindo à beça da situação e da frase proferida.

- Gay? Hoje em dia é tão fácil não é? Existem heteros e gays nada mais. - ele comentou, sem desviar os olhos do rapaz.

Faltava pouco, um pulso já soltara.

- Bom você só pode ser gay, pra dizer que me quer, depois de ter me amarrado. Se fosse um assassino eu nem teria acordado. Se fosse um ladrão já teria fugido. Então, você é um maldito estuprador homossexual não-assumido.

O outro não riu mais. Ele ficara silencioso, apreensivo. Será que tinha percebido o erro? Teria visto os braços se mexendo? Ou apenas ficara zangado pela brincadeira? O encarou como ele o encarava, os dois em um pacto de mudez absoluta. Por algum motivo, o outro tirou a bandana e ele finalmente notou as marcas. Por todos os cantos, onde havia pele, ele possuía desenhos, em uma tinta verde-esmeralda. Eram marcas tribais esquisitas, que brilhavam na pouca iluminação que tinha no ginásio. Ou seria na grande tenebrosidade? De repente, como se movido por outra vontade, ele o socou, com tanta força que caiu, já com os braços soltos, de lado. Atordoado abriu os olhos, esperando pelo próximo golpe que não veio. Percebeu então a faca ainda presa a centímetros do rosto. Com a agilidade adquirida nos treinos a pegou e levantou contra o atacante. Este abriu um enorme sorriso.

- Agora estou vendo um homem que não sabe só falar. - ele disse a apontou a arma para algum ponto atrás da cabeça do garoto, algum ponto em que a cabeça dele ficava bem no caminho. - Pode vir.

Ele nem pensou. Sabia que se não se movesse ele atiraria. Com toda a fúria partiu para cima dele o atravessou. Só quando a lâmina saía por detrás das roupas do outro ele se deu conta de que a pistola estava caindo no chão, sem ter tentado atirar. Junto dela um pente, solto há algum tempo. Ergueu o rosto e viu a felicidade no rosto e as lágrimas que escorriam.

- Graças a Deus... Acabou. - e caiu ao chão.

O jogador caiu também, por causa das amarras em seus pés, mas de joelhos, descrente. Matara alguém, a sangue frio. O que estava acontecendo, diabos? Não entendia mais nada. Não havia sentido nessa história.

- Garoto... Não se atreva a chorar... Você fez bem. - disse o quase morto, metendo a mão dentro do casaco e tirando de lá um par de chaves, o frasco do líquido e uma carta - Tome, pegue isto e leve com você. Tudo é seu. As chaves são da moto que está lá atrás, escondida de todo o resto do mundo, e do motel onde eu deixei minhas coisas. A carta tem as instruções. O líquido... Você vai entender. Matatoa, garoto.

Morreu. Os olhos fecharam, o brilho esmeralda cessou. O corpo começou a murchar e sumiu, virando pó. No lugar apenas o que ele havia lhe deixado. Sentiu o corpo arder, como se tivesse ficado com febre, quarenta, quarenta e cinco, cinqüenta graus. Desmaiou. Acordou com a cabeça em frangalhos. Muitas informações novas pareciam surgir. Pegou a carta e a leu, uma, duas, três vezes. Entendeu. Pegou tudo, enfiou nos bolsos, jogou as roupas no lixo, só levou a capa. Montou na moto e partiu.

Sentindo o vento, sentindo o poder, tudo isso o fez pensar que estava completo. Em todos os seus dezessete anos de vida estava completo.

...

Uma hora depois partia. Tudo estava explicado na carta, se bem que o conhecimento havia entrado em sua mente sem precisar fazer nada. A sua missão? Encontrar pessoas que mereciam morrer pela pistola amaldiçoada que carregava. Se encontrasse alguma que valesse a pena, deveria deixar que o matasse com a faca sagrada que recebera. As almas de suas vítimas o ajudariam na empreitada. Teria séculos para achar alguém assim e quebrar o feitiço que estava em si. Seu antecessor precisou de dois e trezentos e treze vítimas para tal feito. Ele esperava que o seu legado durasse mais tempo. Achava que ia se divertir com isso. Matatoa, velho, matatoa.


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