Morgana viu enormes roxos em seus braços, mesmo que não o houvesse visto, sabia quem os havia feito, sabia que não era certo, mas o cheiro dele exalava de sua pele da mesma forma que exalara depois que ele fora embora naquele dia fatídico, agora tinha em sua pele a marca de suas mãos fortes, a dor lhe sobia pelos barcos onde ele a havia agarrado, mesmo não sabendo o motivo daquelas marcas, sabia que haviam sido injustas.

A porta principal da câmara se abriu e seu agressor passou por elas, sabia que ele viria até o quarto privado e com o pouco tempo que tinha, puxou o vestido tronco acima e amarrou, com dedos desajeitados, seus laços.

- Morgana, sinto muito – ele falou.

- Por que pensa que eu faria uma coisa daquelas?

- Eu não sei, apenas...

- Não confia em mim, nunca vai. – os brilhantes olhos azuis agora se fixavam nos dela, mais opacos que nunca – Não se preocupe, é apenas o tempo dele ter idade e iremos embora, não tenho pretensão de implorar que me ame mais, chega uma hora que mesmo o mais incansável e forte amor se cansa de esperar por uma resposta, então ele acaba, nada alem do normal, nada além do comum.

Merlin se aproximou dela – Sinto muito – as mãos dele foram habilidosas em desatar os laços e sua mão era quente quando retirou o pano de seus ombros e esse caiu levemente, as vezes esquecia como era se livrar de sedas, tão fácil e fluido, os dedos de Merlin corriam levemente sobre seus machucados.

- Não existe mesmo uma ponta de amor por mim em você.- ele a virou para ele, não queria falar, mas desceu seus lábios contra os dela, aquilo não era uma resposta, por mais que alguns pudessem acreditar que fosse a forma dele dizer que a amava, aquilo era uma fuga, ele não queria discutir sobre o que sentia, queria apenas se desculpar e fazê-la esquecer o caso.

Então...

 Acordou de um salto, o suor empapava sua cama e formava uma película fina e pegajosa sobre a pele pálida, o espelho a sua frente refletia uma expressão de simples espanto, ela agradecia a deusa que o treinamento de Aithusa estivesse evoluindo rápido, assim ele iria embora de uma vez e parava de mexer com sua cabeça.

Pela primeira havia acordado inteiramente seco e aquecido, seus olhos encontraram as belas orbes azuis claras de Aithusa pairando sobre si como duas bolas de luz. Merlin se levantou em um salto e o animal se afastou um passo.

- Aithusa!! – ele chamou um pouco apreensivo – O que houve?Morgana lhe maltratou de qualquer forma? – mesmo sabendo que a bruxa não faria isso, precisava ouvir que havia feito, apenas para ter certeza de que não estava perdendo o juízo naquele lugar.

- Não – falou claramente, já havia uma semana que o enorme dragão aprendera a língua humana por completo, mas Merlin ainda não havia sido liberado como o prometido, as escamas do animal ainda eram opacas, apesar dos intensos esforços de Merlin. – Você ira mesmo não?

- Já falamos sobre isso Aithusa, para que você fique bem mesmo, precisa sair desse lugar – ele fez um pequeno gesto sobre as fuças do bicho – Venha comigo para o sul, Kilgharrah  pode lhe ajudar mais que eu.

- Eu não posso, o grande dragão é um monstro Merlin, olhe o que fez a minha senhora – ela também havia parado de chama-los de pai e mãe, agora era simplesmente “minha senhora” e “Merlin”, como se ela fosse algo muito mais importante que ele – E...eu não posso abandona-la, ela definharia. – Merlin abaixou a cabeça, sabia que o dragão estava certo – Já não sei se ela aguentara a sua partida – respondeu o dragão.

- Ela me odeia, Aithusa. – ele respondeu um tanto revoltado, mas apenas o suficiente para esconder sua tristeza.

- Não Merlin – ela falou com os olhos transbordando sabedoria – Você não consegue mesmo ver? Você é o único que pode mudar aquilo que ela se tornou.

- Morgana jamais ira mudar, ela fez a escolha dela, anos antes, você não entenderia – falou tentando se livrar da culpa que sentia, ele havia feito uma escolha.

- Eu com certeza não, mas o grande dragão entendeu, não foi – Aithusa ainda estava calma e cheia de sabedoria. – Apenas tente Merlin, ela precisa de você e você dela.

Merlin se pós a pensar, depois de tantas chances que havia dado a Morgana,o que poderia ser diferente dessa vez? Nada poderia mudar. O sorriso sincero que lhe dera varias vezes desde que chegara invadiram sua mente, “mas aquilo era porque estava enfeitiçado” disse a si mesmo “ela jamais sorriria, jamais seria a velha Morgana novamente, seria para sempre aquele maldito monstro eu havia se tornado”.

- Por minha culpa – ele sussurrou para si, apesar de inconscientemente –Fui que a transformei nisso – seus dedos se fecharam em punhos apertados, fazendo com que os nós dos seus dedos ficassem brancos devido a pressão.

- Sim, eu sinto muito Merlin – ela falou – Mas lembre-se que a mão que tira é a mesma mão que dá.

- Como assim Aithusa? – mas o dragão já havia saído, Merlin odiava isso em dragões, sempre tão enigmáticos, cheios de suas metáforas complexas e sem sentido, o que ela poderia querer dizer com a mão que tira é a mesma que dá.

- Onde esteve? – perguntou quando o dragão entrou em seu quarto – Estive louca atrás de você.

- Outro pesadelo minha mãe?- respondeu da sua forma meiga, às vezes sentia falta de ser chamada de mãe em frente aos outros, mas ainda sim era bom ouvir, mesmo que só na solidão de seu quarto.

- De certa forma – respondeu – Onde esteve?

- Ela lhe machucou de novo não? – Aithusa tinha uma grande ligação com Morgana de modo que sabia exatamente seus sonhos.

- Não deixarei que se realizem se sua preocupação – ela falou – Agora me responda, onde esteve?

- Com ele – ela disse simplesmente.

- Você não deveria ter ido até lá, ele vai convencê-la a ir para o sul.- o medo e a desolação sempre tomavam conta dela quando pensava que Merlin poderia levar seu jovem dragão

- Não, mas talvez eu possa convencê-lo a ficar – ela falou tão simplesmente.

- Eu não quero ele aqui, eu quero que ele vá! – respondeu, Merlin mexia consigo e com seus sentimentos de forma que não podia arriscar.

- Vamos Morgana, sabe como ele é poderoso e sabe também como seria bom tê-lo ao nosso lado – o jovem dragão falou – A senhora com certeza consegue fazê-lo virar para o nosso lado.- Aithusa falou, a imagem no espelho a mostrava uma jovem envelhecida e endurecida pelo tempo e frio, mas talvez o dragão tivesse razão, pelo menos não custava tentar.