Saracarema escrita por Brenda Paolla


Capítulo 5
Capítulo 5 - Caio, pizza, convite.




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(Sintonize no tempo: 10:30 da manhã - Terceiro dia)

Acabei de acordar. A vó Aixa está no quiosque, mas deixou uma mesa arrumada com pães e mozarelas e leite para mim. E para a surpresa geral, nada do doce de figo! Confesso que estou adorando essa minha nova vó light que faz de tudo para me agradar!

É o terceiro dia que estou aqui e me sinto impecavelmente bem e renovada e pronta para mais um pé na bunda. Brincadeira! Na realidade, acho que para isso nunca estarei...

Hoje faz dezesseis dias que o Caio me largou, foi para beléléu com a sua "Zen" e desde então não o vi mais. Acho que se eu estivesse em Brasília já teria mandando meu equilíbrio para o mesmo lugar onde foram os pombinhos e estaria surtada, seguindo os passos dele e suplicando por uma volta. Ainda bem que estou aqui, "a milhas de distância do meu amor...", que de meu só tem o "ex" e de amor só tem o meu.

Lembro quando ele me disse com os olhinhos mortos, cheios de promessas e esperanças que arriscaria, que o nosso namoro era bacana, mas que precisava viver uma história incompleta. E depois me deu um abraço estremecido e falou que precisava ir e me perguntou se eu estava bem e se eu o entendia. Como estaria bem? O cara da minha vida estava me dando um pé na bunda! E entender o quê? Que ele enjoou de mim porque eu o completava e que ele preferia ser incompleto? Bem, na hora, eu senti vontade de vomitar no prato da estúpida que sentava num banco estúpido próximo, comendo um pão de queijo estúpido e murcho como a cara dela prestando atenção na nossa conversa.

Então eu vomitaria nesse prato totalmente estúpido o meu amor mais bonito e esfregaria a cara do Caio no prato, pedindo que lambe e se lambuze dele porque ele é puro e inocente e sem total jeito e combina com a gente e fez um bem danado à minha pele e faria à dele também! Porque assim como a vó Aixa eu sou dramática e gesticulo de forma exagerada meus sentimentos. E ele sabia disso e ainda achava minha cara. Não que eu seja assim grotesca, só sou natural! – era o que ele me dizia. – Mas em vez de eu fazer tudo isso eu só o abracei também. O mais forte que consegui porque pensei que poderia ser o último abraço. Eu não chorei, mas meus olhos ficaram marejados e eu estava com mais vontade de chorar do que de esfregar a cara dele no prato.

Depois ele deu de ombros e eu corri para o banheiro. E chorei, berrando, gritando, como se estivesse parindo e finalmente vomitei. Não no prato da estúpida de cara murcha de pães de queijo, o que foi uma uma pena! Vomitei no vaso sanitário mesmo. Mas se tivesse um vaso de flor, vomitaria lá também! Porque naquele momento achei que a delicadeza e qualquer outra coisa bonita não compensassem. Imagina! Nem meu amor, que é o mais bonito, ele quis! Deve ser porque sou mesmo grotesca e não natural, como ele tentava justificar. É, vai ver seja exatamente por isso do pé na bunda. Claro! Ele queria uma sonsa e morta que combinassem com seus olhos de peixe morto. E eu sou o oposto disso tudo...

É... bem, acho melhor eu ir para o quiosque. Ficar sozinha me faz pensar demais... eu estava indo tão bem... dois dias sem lembrar da cara do Caio. Isso realmente foi uma vitória! Nem eu sei como consegui! Mas agora, estou de volta à realidade: com a cabeça nele! Se ao menos a vó Aixa tivesse feito o doce de figo, talvez nesse minuto estaria pensando sobre ele e como ela é maluca de achar que alguém gosta daquele azedo que não sai nem como calda de mel. Mas a realidade é amarga e não tem o maldito doce sem açúcar aqui para eu falar e reclamar dele.

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O quiosque está muito movimentado. Deve ser porque hoje é sábado. A vó Aixa e a Tia Briana estão desesperadas aqui. Pedi para ajudar, mas elas não aceitaram. Agora sim, tenho certeza: estão tentando me agradar mesmo! Antes era a maior exploração! Eu passava o dia no quiosque com elas, fazendo suco e escrevendo no mural de preços. Mas confesso que até achava divertido.

Estou sentada numa das cadeiras do balcão. É a mais centralizada e bate um vento muito forte aqui. Está tocando a música Anjo da Banda Eva, me animo e começo a cantar sacudindo a cabeça.

O Fred chega de fininho e coloca as mãos molhadas de quem acabou de sair do mar nos meus olhos e pede para que eu adivinhe quem é:
– Oh! Que complicado! As mãos parecem enrugadas... hum... é a bisa Oriana!? – digo brincando, fingindo que não faço ideia.
Ele ri e senta do meu lado: - As ondas estão maneiras hoje. – ele diz buscando um assunto.
– Uh! Parecem mesmo agitadas... – respondo analisando o mar e tentando controlar o meu cabelo esvoaçante.
– Por isso é que estão maneiras! – ele pisca e depois ri. - E aí curtiu ontem? – continua.
– Claro! Foi demais! – falo toda enérgica e empolgada.
– É! – ele dá uma pausa e fica lendo o cardápio de picolés. – Sah, você tá ficando com o Ramon, de novo? – diz prestando mais atenção nas figuras dos picolés do que no que posso responder.
– Não! - eu acho graça. – Por quê? – faço cara de que isso não tem nada a ver e pego um cardápio também.
– Porque ele veio ontem. – ele fala nem ligando, procurando com o olhar a vó Aixa ou a Tia Briana, provavelmente para pedir alguma coisa. E essa coisa, com certeza é um picolé!
– Ah... pois saiba que somos só amigos! E, aliás, não sabia que você lembrava que a gente tinha ficado... – digo também já nem aí, só para “encher o saco” e quem sabe puxar um papo ou continuar esse mesmo.
– Claro que lembro né Sah, eu gostava de você na época! – ele diz como isso fosse óbvio.
– O quê? Você só tinha nove anos, safado! – Digo rindo e dando um cheiro nele.
– Mas na época eu era criança. Agora tem outras na área! - fala todo galã, fazendo pose de homem maduro.
– Fui trocada! É... tá legal! Tudo bem, Don Juan! – digo rindo meio que zombando e achando divertido.
A tia Briana finalmente passa e o Fred pede um picolé de chocolate e eu aproveito e peço um também, só que de morango!
– E falando do Ramon... ele me disse que vocês falaram de mim ontem, hein! - falo como quem não quer nada e na realidade talvez não quisesse nada mesmo. Ou vai ver estivesse louca para não ficar calada, no silêncio e assim, o pensamento voltar a ser o mesmo do café da manhã...
– Falamos... ele quis saber se você estava namorando. – ele fala atento na Tia Briana pegando os picolés.
– Sério? – Fico curiosa e encucada.

Ele balança a cabeça e a tia Briana chega entregando os picolés e pergunta onde a gente estava pensando em almoçar. Eu digo que para mim tanto faz, um sanduíche natural com alface sem gosto ou mais um picolé... já o Fred conta que marcou de ir na pizzaria com o Selmo e mais uns amigos e me chama também. Tia Briana acha uma boa ideia e eu aceito sem pensar! Desintoxicar dos legumes, frutas e ervas da vó Aixa será ótimo! E antes que ache alguma coisa, ela não é vegetariana. Somente não gosta de industrializados, agrotóxicos, enlatados e nada que seja assim: delicioso!

Corro para me arrumar enquanto o Fred fica se esbaldando com os picolés. Eu dei o meu para ele porque costumo exagerar... não, deixa eu usar outra palavra, essa quer tomar realmente conta da minha vida. Pois bem, como eu estava a dizer, eu costumo comer demais em restaurantes, ainda mais de massa, que é minha paixão. Então prevendo algumas centenas de calorias, dispenso o picolé. Ser largada já é o suficiente para mim. Agora ser gorda e largada, não dá!

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(Sintonize nos tempo: 13:30 da tarde.)

Agora estou aqui sentada na rede vermelha da varanda. Localizada bem atrás de uma enorme pedra que me impede de ver a praia. Já estou pronta e morta de fome só esperando o Fred chegar. A Ângela, minha melhor amiga da universidade, me ligou agora a pouco, mas a ligação caiu nos dois primeiros minutos. Achei bom porque assim não deu tempo de eu fazer besteira e a encher de perguntas sobre o Caio.

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O Fred chega com a Tia Briana no jipe cor de bronze e antigo da família, que é o máximo de andar. Passamos na casa da bisa Oriana para buscar o Selmo, que, por acaso, chegou todo perfumado e com camisa social devidamente esticada e limpa. Claro que tem uma namoradinha na área...

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Aqui de frente à essa pizzaria que mais parece uma cabana, espero com o Fred a galera chegar. A Tia Briana voltou para a correria no quiosque e disse para que voltássemos a pé, porque a vó Aixa usaria o carro para fazer compras. O Selmo já está lá dentro, sentado em uma mesa no canto, com a Sol – a sortuda que fez meu primo surfista ficar sério e burguês –. Eu olho e acho a cena linda e fico brega. Penso na primeira vez que sai com o Caio e me vem um estralo nas costelas, porque a gente junto também era uma cena linda...

O restaurante está quase vazio e sem música. O que consigo ouvir daqui de fora é só um casal adulto de no máximo quarenta anos, tentando fazer com que uma criança, provavelmente o filho deles, coma o resto da pizza que foi colocado no prato. Além deles e de nós, não há mais nenhum cliente.

A turma finalmente chega. Dois de bicicleta, outro no patins e mais um no skate. Na ordem: Chantal, Yuri, Angélico e Pablo. Escolhemos uma mesa próxima à entrada, porque além de ser a maior também é a mais distante do casalzinho, cujo rapaz exigiu privacidade e nenhuma gracinha! Tudo bem, senhor Selmo, dessa forma será!

Depois de nos acomodar e fazer uma enquete com que sabor de pizza escolher, ficamos com uma de metade calabresa e metade quatro queijos, e outra toda de sorvete de baunilha com granulado e morango, desejo da lombriga do Fred. Vou até o Chefe, que estava no balcão, para fazer o pedido. Ele pergunta o que eu quero e eu fico tentando me lembrar de onde o conheço, depois respondo encucada e ele anota na maior paz de espírito. Penso que é loucura da minha cabeça e volto à mesa. A turminha é divertida, fala manso e são tantas as gírias que me consagro velha e desatualizada. Não disse que estou uma tia aqui? No auge dos meus dezessete anos e já me sinto perdida e antiga! Deve ser por isso que dizem que me pareço com a Tia Briana. A diferença é que ela é desligada porque é tão apaixonada na lua que resolveu viver por lá. E eu, é porque sou careta mesmo.

Cinco minutos e a pizza chega. Quentinha e com cheirinho de fome. Pego um pedaço da de calabresa para mim e quando vou dar a primeira garfada, eis que aparece na porta, com uma camisa cavada branca, bermuda verde-limão, cachinhos despenteados e jeito confiante, simples e todo dele, Ramon. Eu quase não acredito. Ver ele ali, despreocupado se o verde é arregalado demais ou se a desordem do cabelo está demais, é estranho, porque desde que voltei para Saquarema, o vejo todo santo dia. E isso é legal.

Ele vai até o Chefe e conversa com ele. Não parece fazer um pedido, é mais um papo leve de amigo. O Fred o vê e o chama. Ele vem e cumprimenta a gente. – Senta aí, cara! – diz o Chantal, um dos amigos do Fred que também é amigo do Ramon. Ele fala que seria “maneiro”, mas que não dava, que foi lá só para cumprimentar o tio dele – sabia que o conhecia! - e que estava a caminho da praia e que havia combinado uma roda de capoeira agora. E antes de ir embora e levar todo o mistério que veio com ele e essa pizzaria voltar a ser gelada e sem graça, ele passa por mim, sorri e diz que curtiria me ver hoje ainda. Eu sorrio de volta e vejo a parede amarelada ficar cinza e a pizza deliciosa, enjoativa, com a sua saída...

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Depois de comer, ainda conversamos e rimos por vinte minutos, mais ou menos, tempo suficiente para fazer a digestão. Já na calçada da praia, indo para o quiosque, ouço abafado, alguém me gritando, a uma distância de no máximo dez metros. Eu me viro e vejo que é o Ramon. Vou até ele com uma súbita e estranha alegria.
– Oi! – dou um beijo na bochecha dele e cumprimento o pessoal da capoeira que nos assistia sentados na calçada.
– Estávamos te esperando. – ele fala passando a mão no cabelo e espremendo os olhos devido ao sol forte.
– Sério? – sorrio. – Pensei que chegaria a tempo de te ver dançando capoeira. Acho que enrolamos um pouco lá...
Ele ri.
– E tem algum motivo especial para me esperarem?
– Tem! É que temos um convite pra te fazer, Safira Fedra de Salí.
– E, olha! Então sabe do meu nome completo, Ramon Ari Magnólio?
– Claro. – ele sorri de canto. – Uma honra que você também lembre do meu... – diz erguendo as sobrancelhas. – Afinal, não temos nomes comuns.

A gente ri.
– Estou curiosa com esse convite... não vai me contar?
– Ah, é! Então, faz tempo que a galera está organizando passar a noite no Camping Voo Livre e achamos que seria bacana se você fosse também... – ele dá uma pausa curta e continua: – Me responde, sem complicações, o que acha disso...
– Seria ótimo, claro!! Quando será?
– Hoje. – ele enruga a testa, preocupado com a minha resposta.
– Hum... – agora é eu quem enrugo a testa. – Não sei... quer dizer, eu quero muito ir mas não sei se a vó Aixa deixa, você a conhece, tem que avisar no mínimo quatro semana antes pra ela já se organizar nos horários e dep...
Ele interrompe. – Show! 18:00 horas passo pra te buscar.
– O quê? Calma, como eu disse, eu tenho q...
– Já está tudo resolvido, Safira. Só faltava sua resposta. – ele sorri manso.
– Ahn? – digo, não entendendo nada.
– A Dona Aixa topou. Havia conversado com ela mais cedo. Sem complicações, lembra?
– Você só pode estar brincando! Não acredito!!! – Num impulso de euforia, abraço o Ramon apertado, deixando-o sem graça mas achando graça.


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