Afastei-me de Heartland andando preguiçosamente. Eu estava cansada, não dormia direito tinha semanas. Meu corpo parecia pesado e frágil. Meus pés se arrastaram na estrada de barro.

Parecia que eu ia desabar a qualquer momento, eu precisava de algo. Comida talvez? Não, toda vez que eu pensava em comida eu quase vomitava e não sentia nenhum pingo de fome. Somente quando o sangue me vinha a cabeça meu estomago gritava por um gole, meus olhos ardiam e minha cabeça doía.

Meu corpo estava fraco e indefeso, precisava comer. Precisava de sangue.

Meus olhos arderam enquanto eu fazia o caminho para o ponto de ônibus. Balancei a cabeça e fechei meus olhos com força. Não, não, por favor, agora não - pedia desesperadamente.

Uma buzina me fez abrir os olhos. Eles brilharam por um segundo antes de voltarem ao normal.

O carro vermelho de Nina estava bem em frente ao ponto de ônibus. Andei mas rápido até elas.

__ Puxa até que enfim. __ Disse Nina assim que entre no carro na parte de trás, Emma estava na frente junto com Nina. __ Que lerdeza. Achei até que tinha desistido.

Ela ligou o carro e fomos direto para a praia.

__ Coloque um sorriso nesse rosto sonolento hem! __ Avisou Emma. __ É seu aniversário!

Grande coisa.

__ Você está com uma péssima aparência. __ Disse Nina olhando pelo retrovisor do carro.

__ Nina! __ Repreendeu Emma.

Sorri sem animo.

__ Obrigada pela sinceridade Nina. __ Ela riu.

Ainda estávamos na estrada de barro quando o clima esfriou de repente. Eu via o ar gélido saindo da minha boca.

__ Uou! __ Nina freou o carro de repente levando nós três pra frente. Estiquei minha mão e segurei no acento de Emma.

__ Ta maluca? __ Gritou Emma com os olhos arregalados. __ Ta tentando nos matar?

__ O que é aquilo? __ Disse Nina olhando pra frente.

__ Aquilo o que? __ Perguntou Emma olhando para frente.

__ Eu não vejo nada. __ Comentei tentando enxergar a estrada escura a nossa gente.

__ Era uma pessoa. Tenho certeza! __ Disse Nina apontando para frente. __ Tava bem ali na frente, e eu quase o atropelei!

__ Nina, não tem nada ali. __ Falei.

__ Tinha sim. __ Ela sussurrou olhando atentamente a sua volta.

__ Deve ter sido algum bicho, algum cervo que correu pra dentro da floresta. __ Disse Emma colocando a mão no ombro de Nina. __ Seja o que for já correu pra longe. Agora, será que podemos sair daqui? Esse lugar ta congelando.

Nina bufou.

__ E você achar que na praia o clima vai melhorar? __ Disse Nina voltando a andar com o carro lentamente. __ Estamos quase entrando no inverno, esse frio vai continuar pra lá. Tenho certeza.

__ Alguém mais ta sentindo uma vontade louca de beijar? __ Perguntou Nina.

Estávamos tirando as coisas do carro para levar para a praia. Nina estacionou o carro no mesmo lugar de sempre, na calçada pertinho da praia.

Pegamos as coisas e descemos à areia.

__ Então vai agarrar alguém! __ Disse Emma rindo.

__ A praia ta deserta, se tivesse algum garoto aqui eu até agarrava.

Nina esticou o pano na areia e Emma colocou todas as garrafas alcoólicas em cima com alguns salgadinhos. Emma correu de volta para o carro e pegou uma embalagem branca grande e quadrada.

__ O que é isso? __ Perguntei assim que Emma voltou. Nina correu para o lado de Emma com um grande sorriso no rosto.

Emma abriu a tapa da embalagem.

__ Feliz aniversário! __ Gritaram as duas. Emma estendeu a caixa com o bolo. Era branco em volta com uma cobertura rosa e estava escrito: Feliz Aniversário Any em roxo.

__ Ah meninas... __ Peguei a caixa e sorri um pouco para elas. __ Nem sei o que dizer. Muito obrigada, de verdade.

__ De nada. __ Disse Nina abrindo uma garrafa.

Sentei-me no pano e deixei de lado o bolo. Só o cheiro já estava me dando enjôo.

__ Que bebida é essa? __ Perguntei não reconhecendo a garrafa.

__ É um Bloody Mary. __ Disse ela sorrindo.

Emma arregalou os olhos.

__ Você trouxe um Bloody Mary? __ Perguntou espantada. __ Como? Onde conseguiu? Quem te deu?

Nina deu de ombros.

__ Uma pessoa ai. __ Disse por fim.

__ Eu não vou beber isso nem morta. __ Disse Emma. __ Essa bebida é muito forte!

__ Tanto faz. __ Disse Nina colocando dois copos da bebida. __ Sobra mais pra mim e pra Any. __ Ela piscou pra mim.

Eu peguei o meu copo e o encarei. O clima na praia tava muito frio, minhas mãos pareciam congeladas de tanto frio em torno do copo. No alto do céu escuro estava uma lua cheia, grande, brilhante e bonita. Eu a encarei.

Me levantei e caminhei até a beira da paria, a areia entrando no meu tênis. Virei a cabeça de lado encarando a praia vizinha. Estávamos na praia que era bem ao lado de Meygo.

Meygo. Todos os meus sonhos aconteciam ali... Tudo acontecia ali. Será que tinha alguma ligação? Eu me recusava a pensar nisso, mas e se meus sonhos forem tipo um aviso? E se tudo que eu tivesse sonhando tivesse alguma coisa haver com Meygo? Até porque, todos os meus sonhos aconteciam lá.

Virei o copo com a bebida em minha boca bebendo tudo em uma golada. Meus olhos arderam, minha garganta ardeu e minha cabeça deu voltas. Realmente a bebida era muito forte. Mas meus olhos não arderam por causa da bebida, eu sabia disso.

Respirei fundo e senti o cheiro de sangue no ar. Vinha de Meygo. Olhei novamente para o lado, para a direção de Meygo. O cheiro era tentador, me dava água na boca, e fazia meus olhos arderem mais ainda. Eu estava ofegando, sedenta por sangue. O que estava acontecendo? Beber sangue? Nunca! Que absurdo! Porque eu estava pensando nisso?

Havia uma energia no ar, e não eram as das meninas. Era uma energia forte, poderosa, convidativa, obscura. Era sombria, mas eu sentia que estava me atraindo, me chamando para explorara. E o mais estranho, eu queria ir até ela e sentir mais do seu poder.

As árvores que davam o limite para entrar em Meygo se mexeram com o vento forte. O cheiro de sangue me atingiu com mais força. E meus olhos arderam com mais força, mas logo pararam. E eu sabia que meus olhos haviam mudado de cor.

__ Meygo. __ Sussurrei. Ouvi uma risada masculina bem familiar. Algo entre as árvores de Meygo ao longe brilhou. Dois pontos brilhantes. Dois pontos violetas.

“Venha” Sussurrou uma voz grossa em minha mente.

Minha respiração estava a mil, meu coração martelava forte e meu estomago gritava cada vez mais alto pedindo por algo. Pedindo por sangue.

“Venha Any. Essa é à hora. Você está pronta.” A voz começou a se afastar.

Fechei os olhos. Porque eu sentia uma vontade louca de ir pra Meygo? Porque eu sentia que devia seguir a voz? Respirei fundo e dei um passo para o lado, em direção a Meygo. Ele estava me chamando. O homem dos olhos violetas estava me chamando. Eu queria ir? Talvez. Eu me sentia confusa e perdida. Essa vontade louca que estava me dando de correr para Meygo estava me assustando.

Dei mais alguns passos na direção de Meygo. O copo em minha mão escorregou de meus dedos caindo na areia fofa. Meus olhos brilharam com mais intensidade iluminando o caminho que estava seguindo.

__ Meygo. __ Sussurrei novamente. Eu queria ir pra Meygo. Eu queria. Eu quero...

__ Ei __ gritou Nina. Pisquei confusa e olhando para os lados. Nina e Emma estavam correndo em minha direção. Eu não havia percebido o quanto me afastei de onde elas estavam. __ O que ta fazendo? __ Disse ela sorrindo. Ela olhou para as árvores que dividia a praia que estávamos de Meygo. __ O que ta olhando?

Pisquei mais algumas vezes. Quando olhei em volta novamente, meus olhos subiram ao céu e encararam a lua.

__ O que houve com seus olhos? __ Perguntou Nina. __ Estão... Brilhando.

__ Deve ser o reflexo da lua. __ Disse Emma. __ Vamos voltar para nossa reunião. __ Emma puxou meu braço, mas eu não saí do lugar.

A lua estava linda hoje. Ela estava me chamando... Eu sentia que ela queria que eu fosse pra Meygo. Ela me pedia isso.

“Venha” a voz em minha cabeça sussurrou mais baixo. “Venha Any” a voz vinha de minha cabeça, mas eu sabia que a pessoa que falava estava entre as árvores de Meygo.

__ Eu preciso ir. __ Sussurrei.

__ O que? __ Perguntou Nina chegando mais perto.

__ Ela disse que precisa ir. __ Falou Emma. __ Mas por quê? Acabamos de chegar.

Os olhos violetas entre as árvores brilharam e os meus brilharam juntos.

__ Minha nossa. __ Sussurrou Nina dando um passo para trás. Ela levou às mãos a boca e olhava atentamente para mim. __ Any... __ Sua voz falhou. __ O que ta havendo com seus olhos? Isso não é o reflexo da lua...

Emma estava ao lado dela me encarando com a boca aberta. Mas eu não prestava atenção nelas, meus olhos estavam no homem entre as árvores que me chamava. Sua aparência era a mesma de sempre. Sua boca continuava cheia se sangue e vê aquilo me fez salivar. Meu estomago doeu novamente, minha respiração estava a mil como se eu estivesse corrido uma maratona de dez horas sem parar.

O homem dos olhos violetas riu em minha mente.

“Posso sentir sua fome de longe. Isso é bom. Significa que você já esta no processo... Tantos anos de espera e finalmente você esta se tornando quem deveria sempre ter sido desde que nasceu.” Disse ele. Entre as árvores eu o vi sorri mostrando seus dentes sujos de sangue. Minha língua passou pelos meus lábios. Engoli em seco.

“Venha Any. Vou lhe dá o que precisa. E muito mais.” E então desapareceu para dentro de Meygo.

__ Eu vou. __ Sussurrei para ele sabendo que ele me ouviria. E então corri para Meygo.

__ Any! __ Emma e Nina gritaram.

Eu não ia voltar. Eu não podia... Algo em mim dizia desesperadamente para entrar em Meygo. Talvez eu descubra o propósito dos meus sonhos afinal. Eu só queria algo para calar meu estomago. E também queria respostas.

__ Any! Para! O que ta fazendo? Ta maluca! __ Emma gritou.

Atravessei as árvores e sentir o cheiro forte de sangue. Fechei os olhos desfrutando da sensação. Assim que abri meus olhos eles iluminaram novamente meu caminho. Atrás de mim eu escutava as tosses das meninas e seus passos se aproximando.

Elas haviam entrado em Meygo.

__ Any volta! __ Gritou Nina. Ela e Emma taparam o nariz por causa do forte cheiro de sangue e começaram a tossir. __ Any... Não deveríamos entrar aqui. Aqui pode ser perigoso!

A lua parecia mais brilhante, mais cheia e parecia até mesmo que ela estava mais perto. A energia que eu senti ao entrar em Meygo me fez sentir mais forte. Meu corpo fraco, cansado e dolorido parecia agora novo em folha.

__ Finalmente. __ A voz grossa não vinha mais de minha mente, e sim da minha frente.

Eu estava encarando o homem que atormentava os meus sonhos há anos... E seus olhos não estavam mais violetas. Estavam negros.

Ele sorriu pra mim com a sua boca suja de sangue e levantou sua mão direita me estendendo alguma coisa.

Uma coisa que tinha um forte cheiro de sangue e que fez meu estomago da voltas e meus olhos arderem brutalmente. Deixei escapar um gemido de dor e pisquei sem parar, o que fez o homem a minha frente sorri mais e estender para mais perto seu braço em minha direção.

Por um instante achei que ele estava me oferecendo a mão. Mas não...

Tinha algo em suas mãos, algo que cabia na sua mão inteira.

Algo vermelho...

Uma carne...

Um coração.