Sams Town escrita por Rennan Oliveira


Capítulo 3
Calor Nos Ossos




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Quinn rompeu pela porta de uma loja de conveniência, dessas que ficam em postos de gasolina, pequenas, mas com as gôndolas cheias do que é mais necessário, e tirou os grandes óculos escuros que usava. Lá fora, a manhã estava bastante quente, porque o sol decidira aparecer muito mais do que nos dias anteriores. Quer dizer, isso era o que Quinn imaginava, já que, desde que começara a trabalhar na seguradora, só conseguia ver o sol pela janela, o que a impedia de senti-lo na própria pele. E, naquele dia, ela estava adorando a sensação. Nunca se sentiu tão livre.

Estava vestida com roupas confortáveis, leves, que trocara naquela manhã, quando Sam a levou para a casa. Short, uma blusa de rendas, sem manga, e aquelas botas com as quais ela já estava acostumada a andar, talvez as únicas peças mais pesadas no seu visual. Carregava uma bolsa embaixo dos braços, uma grande, com alguns itens triviais e de necessidade imediata. Entrara na lojinha porque sentia que precisava comprar outras coisas ainda, coisas que faziam e fariam muita falta depois. Não sabia dizer quais eram essas coisas, mas imaginava que, ao entrar na loja, sua mente fosse clarear e ditar qual o caminho a seguir. A estratégia funcionou.

Quinn sorriu para o atendente do caixa e para o adolescente que repunha alguns pacotes de biscoito numa das gôndolas. Contornou-o, enquanto os dois olhares a seguiam, tão bonita que estava, e dirigiu-se para um dos freezers. Uma embalagem de suco de laranja chamou a sua atenção, e havia tantas gotinhas de água ao redor dela que Quinn sentiu a garganta ficar seca. Pegou duas e as depositou num cesto que andara carregando no outro braço. Em seguida, dirigiu-se às gôndolas dos biscoitos, onde o rapaz ainda estava a trabalhar. Tinha o que beber, mas sabia que precisaria comer também. Pediu licença para pegar, direto da caixa, um dos pacotes que o jovem iria expor.

- Me desculpa – ela disse e procurou. Apanhara o pacote no mesmo instante em que a mão do funcionário decidira agarrá-lo.

- Não é nada – ele respondeu e o sorriso dele pareceu bem mais verdadeiro do que o dela. – Essa bolacha é muito boa. É a melhor que vendemos – emendou.

Quinn olhou para as gôndolas e não percebeu mais do que três marcas de biscoitos por perto. Além disso, não se lembrava de ter visto antes a marca daqueles que acabara de colocar no cesto. Mesmo assim, com simpatia, decidiu dizer:

- Vou confiar na sua opinião, então, e levar mais alguns.

O rapaz sorriu grandemente e, ao fazer isso, pareceu ainda mais jovem do que realmente era. Ver que alguém considerara sua opinião devia deixá-lo feliz, já que não eram muitas as oportunidades de fazer isso num lugar como aquele, tão remoto.

- Dia quente, não? – disse o homem no caixa. Devia ser o dono da loja, por estar bem melhor vestido do que o seu funcionário. Era gordo e sua barriga quase tocava o balcão à sua frente, embora ele estivesse bem distante dele.

- Bastante – Quinn concordou. Abriu a bolsa para apanhar a carteira – não tinha verificado qualquer preço até então – e apanhou os óculos escuros também. Posicionou-os sobre a cabeça. Verificando seu reflexo no vidro do mostrador atrás do homem, percebeu que estava bonita. – Até parece que estamos no verão.

- São essas mudanças no tempo – o homem disse enquanto passava os produtos num leitor, fazendo “bip” a cada novo código de barras lido. – Eles falam que são os carros os principais culpados por isso. Eu acho que são as árvores que eles estão cortando para construir novas estradas.

- Faz muito sentido.

- Tudo deu vinte e cinco dólares, madame.

- Madame? – ela repetiu sorridente, divertindo-se com aquilo. Nunca fora tratada dessa forma. – Muita bondade sua, senhor! – Posicionou trinta dólares sobre o balcão e apanhou as compras, que foram embaladas em pacotes de papel. O homem se preparava para entregar o troco, mas, quando estendeu as moedas na direção de Quinn, ela já partia pela porta de vidro, acionando o sininho que ficava sobre ela.

- Madame, o seu troc...

- Tenha um bom dia! – ela respondeu de volta.

A temperatura do lado de fora logo cobriu o seu corpo. Estava tão quente que o calor parecia palpável. Baixou os óculos sobre os olhos, o que facilitou sua visão, e esquadrinhou o redor. Encontrou o que procurava rapidamente, não muito longe dali, e então apressou o passo.

- Comprou muita coisa? – Sam perguntou assim que a percebeu.

- Não – ela respondeu enquanto circulava o carro do homem. Abriu a porta do passageiro de trás e jogou os pacotes e a bolsa. Sam havia estacionado em frente a um dos postos enquanto abastecia o carro com gasolina. Já estava pagando a conta quando Quinn tomou o banco de passageiro ao lado do motorista. – Só comprei algumas coisas para comermos no caminho. Nada muito pesado.

- Que pena – Sam respondeu, parecendo à beira de um ataque de risos. – Achei que a gente ia comer tudo o que tivesse direito durante essa viagem...

- Não, Sr. Evans, porque você prometeu que me levaria para jantar num lugar lindo essa noite, não se lembra? – ela disse, sorrindo sugestivamente.

- Claro que lembro – Sam disse, embora não se lembrasse de nada. Essa era a forma que Quinn arranjava de impor sua vontade, sem parecer que exigia algo. Aquilo divertia e muito rapaz.

Sam tomou o banco do motorista, ajeitou espelhos, marcha e tudo mais e virou-se na direção de Quinn. O sol estava tão forte que, entrando pela janela, fazia parecer que a mulher ao seu lado tinha uma aura clara ao redor do corpo, como se tivesse brilho próprio. Tal imagem o deixou imensamente alegre.

- Aperte os cintos, Srta. Fabray – aconselhou assim que ligou o motor.

- Apertar os cintos? Mas as placas dizem que não podemos passar de cem quilômetros por hora...

- Não há fiscalização nessa rodovia. Quem disse que precisamos ir conforme as regras?

Quinn escancarou a boca numa risada empolgada e dobrou-se para frente, sobre o porta-luvas. Ao voltar, prendeu o cinto e tornou a encarar Sam.

- Não me faça querer desistir dessa empreitada, Sam.

- Se depender de mim, essa será a melhor experiência da sua vida, algo que você nunca vai se arrepender de ter feito! – ele disse e acelerou.

O carro partiu pelo que as pessoas mais próximas costumavam chamar de Estrada de Volta, já que não eram muitas as pessoas que a usavam para ir a algum lugar, uma vez que não havia nada de muito interessante para elas no final. Entretanto, aquele era o caminho que Sam e Quinn fariam naquele dia, e, como era de se esperar, eles não teriam muita companhia.

Sam havia convencido Quinn a partir com ele ainda naquela manhã. Nus, no quarto de hotel, eles conversaram por muito tempo sobre as implicações que uma viagem como aquela poderia ter na vida eles, que eram tão jovens. Quinn, por exemplo, achava um absurdo ter que deixar a vida que construíra até então para viajar como uma jovem que não tivesse grandes objetivos na vida. O trabalho que conquistara e a casa que alugara não foram conseguidos com muita facilidade, então deixar tudo isso de lado para viajar parecia uma ideia absurda, inconcebível.

Pelo menos durante um tempo.

Quinn estava tão envolvida com o fato de ter Sam Evans de volta que, por um momento, deixou de pensar com razão e se deixou levar pelas emoções. Tentou mensurar que estragos uma viagem como aquela acarretaria, mas nenhum deles, como perda de emprego e amigos, assim como o abandono de uma casa, pareceu importante o bastante para fazê-la pensar em desistir da oferta. Mesmo assim, ainda sentia medo. Nunca fizera nada de muito grandioso durante a sua vida, além de fazer parte de um coral que, mais de uma vez, vencera os campeonatos dos quais fizera parte, então o medo do desconhecido, do que poderia vir a acontecer assim que deixasse sua casa para uma viagem que não tinha data para acabar, ainda a assolava. Ela só precisava ouvir as palavras certas para que fosse totalmente convencida de que aquilo era o certo a se fazer e talvez fizesse suas malas naquela manhã para partir com aquele que, agora ela percebia, amava mais do que nunca.

E Sam sabia que palavras eram essas.

Ver os lábios de Sam dizerem o quanto ela era importante para ele e o quanto ele percebia que não conseguiria mais viver com ela fez Quinn se derreter no lugar. Não fazia parecer que ele era um homem pedinte e insistente, que não desistiria de uma mulher enquanto não a convencesse a ficar do seu lado, mas apenas um homem que dizia o que sentia, alguém que, diferente da maioria, sabia expressar o mais profundo dos seus pensamentos. Aquilo, na opinião de Quinn, era algo admirável. Ela não podia deixar que um homem desse fugisse da sua vida novamente.

- Tem certeza de que não quer vir comigo? – ele havia dito, o rosto tão próximo do dela que a respiração do homem quase parecia um fator influenciável naquela conversa. – Você não quer voltar a sentir os meus ossos nos seus ossos?

Aquela frase havia soado um tanto estranha para Quinn, mas ela sabia que Sam, por mais que naquele momento estivesse parecendo um homem maduro e sedutor, algumas vezes se perdia nas suas ideias. Será que ele não está querendo dizer pele ao invés de ossos?, pensou e teve que morder os lábios para não gargalhar.

Mas se fosse esse o caso, ela tinha a resposta na ponta da língua: sim, queria sentir os ossos de Sam novamente, e de preferência por muitas mais vezes, durante todos os dias em que fizessem amor.

- Você não quer nadar comigo e sentir a mim em você? – ele ainda havia dito, depois de um longo momento de silêncio.

- É claro que eu quero – Quinn respondeu prontamente, mesmo que seus olhos não transparecessem tanta felicidade quanto sua frase pretendia mostrar.

Mesmo assim, ela se sentia feliz sobre sua escolha, embora não soubesse como demonstrar isso. De qualquer forma, fizeram amor mais uma vez naquela manhã. Depois disso, tiveram tempo apenas de passar no apartamento de Sam e na casa de Quinn para arrumar algumas coisas antes de partir. Partiram ainda cedo e já viajavam naquele carro há algumas horas.

Em nenhum momento Quinn pensou em desistir. Nunca estivera tão certa de que era aquilo o que queria fazer.

- Está tudo bem? – Sam perguntou de repente, fazendo com que Quinn acordasse de um devaneio.

Até então, ela estivera apenas olhando o oceano que margeava a estrada, a cabeça apoiada na janela, enquanto repassava tais memórias na cabeça. O mar era lindo, parecia inclusive jamais ter sofrido intervenção humana, o que fazia Quinn se perguntar do porquê de não ter ninguém por perto. Era um lugar tão inspirador que, se pudesse, ela tinha certeza de que construiria uma casa pequena, uma cabana, por ali, apenas para ter uma vista como aquela e um mar para nadar quando tivesse vontade, em dias de calor como aquele.

Mas por que esse é um lugar tão abandonado...?

- Estou bem – ela disse, ainda longe. – Só estava pensando em algumas coisas...

- Algumas coisas?

Quinn mordeu os lábios novamente, porque sentia que estava prestes a gargalhar.

- Eu estava me lembrando das coisas que você disse hoje de manhã.

Sam foi de White Chocolate para um vermelho que se assemelhava muito à regata que estava vestido. Quinn não teve como evitar a explosão de risadas que teve em seguida, algo que inclusive a obrigou a se contorcer no banco enquanto as lágrimas rolavam.

- Vou ter que aprender a conviver com isso, então? Com os momentos em que, do nada, você começa a rir de mim? – ele disse tentando parecer sério.

- Pra você vai ser fácil! E eu que vou ter que aprender a conviver com o fato de que, a qualquer momento, posso explodir num ataque de risos?

Sam ficou ainda mais vermelho, mas riu junto com Quinn, assim que ela voltou a gargalhar.

- Eu te amo muito mais do que achei que amasse – ele disse por fim, fazendo com que ela ficasse séria.

- Eu também – Quinn disse e fez uma longa pausa antes de repetir: - Eu também.


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Notas finais do capítulo

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