Sams Town escrita por Rennan Oliveira


Capítulo 11
Ser Um Homem




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Sam’s Town era uma cidade minúscula, mas Sam não se lembrava mais disso quando deixou a pensão em que estava a fim de procurar outro lugar para ficar. Outro fato que ele devia ter considerado era que, em Sam’s Town, não havia tantas pessoas amistosas assim – pelo menos não se você não quisesse pagar pelo favor pedido a elas. Já caminhava há um bom tempo e ainda não conseguira se alocar. Pensara em pedir para passar a noite na casa de alguém, mas não era tão cara de pau a esse ponto.

Por isso, apenas vagou.

Mesmo que houvesse tantos lugares para os quais ele não podia ir passar a noite, havia aqueles nos quais ele podia ficar sem se preocupar, como, por exemplo, um playground que, àquela hora, estava parcialmente abandonado – ele tinha a impressão de ter visto uma movimentação suspeita atrás de um arbusto. Sentou-se em um balanço e balançou discretamente, não como uma criança que se diverte, mas como um homem que não conseguia mais apoiar os pés no chão.

A sensação de ter decepcionado Quinn não era muito diferente dessa. Querendo ou não, ao mandá-lo ir embora, Quinn roubara o seu chão, o deixara sem estribeiras.

Não que Sam tivesse se dado por vencido inteiramente. Sentado no balanço com as mãos unidas por entre as pernas, como se fizesse uma prece, ele pensava no que fazer agora que o maior erro que cometera em vida fora descoberto.

Ele devia ter imaginado que a tal da Nicki daria com a língua nos dentes. Ela disse que faria isso, não disse? Não que ele tivesse aceitado numa boa ser beijado e apalpado, longe disso. Havia algo na comida que os cidadãos de Sam’s Town comiam que os deixavam fortes, portanto, naquele momento, se a vontade da filha da alfaiate era beijar o turista louro de lábios carnudos, nada no mundo a impediria de ir adiante, nem mesmo seus conceitos éticos, que deviam ser tão fracos quanto Sam fora durante a traição.

Sam ainda se lembrava de ter os lábios massageados pelo toque suave, mas selvagem dos lábios de Nicki. Sentia nojo de si próprio por causa disso.

Como foi que deixara ser levado para o lugar onde os homens brancos dançam, mesmo sabendo da sua história? O senhor que o levara tivera grande culpa nisso, mas não fora o único responsável. Durante a conversa em que a sugestão de passeio surgira, o sr. Throwman mencionara a história do lugar e não deixou de contar um detalhe sequer a seu respeito. Falou sobre os solteiros que iam beijar as mulheres que estavam lá só por diversão. Falou que, hoje em dia, o lugar era usado pelos solteiros e pelos homens comprometidos que queriam esquecer a mulher amada. Mas Sam ignorara tudo isso.

Ficara tão “apaixonado” pela história do lugar, assim como antes se apaixonara por Sam’s Town, que se deixara levar. Era uma oportunidade de passeio que não podia recusar, afinal, um lugar cheio de história sempre é um lugar bom para frequentar.

Sam crescera, se tornara um homem e ainda não sabia tomar decisões como um. Quinn, durante a festa que acontecia, percebera que um lugar como aquele não era uma boa pedida para uma despedida de solteiro, do contrário, não teria saído de lá com aquele ar tão irritado e teria evitado todas as discussões que tiveram no dia seguinte. Quinn era esperta. Sam, por sua vez, não.

Mas agora ele precisava ser. A mulher da sua vida estava prestes a largá-lo, e ele não pensava em deixar isso acontecer tão cedo.

~//~

Quinn não estava pensando em largá-lo realmente. Pelo menos não por enquanto.

Afinal, precisava deixar Sam’s Town de alguma forma, e pedir carona era o que ela não estava a fim de fazer. Se Sam fora homem o bastante para trazê-la até aquele fim de mundo e então traí-la com qualquer uma, ele seria o dobro do que fora para levá-la embora e aceitar que cometera o maior erro da sua vida ao machucá-la daquele jeito. Quinn ganhara uma cicatriz da qual jamais esqueceria, e era bom que ele soubesse disso.

Quinn manteve-se forte enquanto esvaziava os gaveteiros e enxia suas malas com as roupas que trouxera. Tomara o cuidado de dobrá-las, pois sabia que, quando voltasse a Ohio e pedisse o emprego de volta, ela não teria tempo para deixar tantas peças de roupa na lavanderia. Não sabia nem se teria dinheiro para isso. Estava guardando uma calcinha – a que usara na primeira vez em que fizera amor com Sam em Sam’s Town -, dobrando-a como dobrara as demais, quando desatou a chorar.

E soluçou alto.

Levou ambas as mãos ao rosto e jogou-se na cama. A sensação de humilhação era tão grande que ela sentia raiva de si própria por ser tão fraca. Como deixara aquilo acontecer? Sua vida em Ohio, trabalhando naquela empresa medíocre que dera a festa em que ela voltara a ver Sam, estava bem melhor do que a situação na qual ela se metera. Deveria ter previsto um final daquele tipo. Não é como as pessoas dizem?

Se uma pessoa não te ama agora, ela não vai te amar depois, não é?

E Quinn e Sam já tinham separado uma vez, comprovando que a relação entre os dois era um erro. Quinn se achava esperta, mas agora percebia que se enganara completamente. Incrível como pequenos erros podem rolar montanha abaixo até se tornarem grandes erros... Quinn aprendera muito com aquela viagem.

Aprendera que, por mais lindo, sincero e amável que um homem fosse, ela não podia confiar nele, em cem por cento dos casos. Dizer que um homem é perfeito é uma frase tão errada que devia ser proibida em lei.

Quinn chorou em posição fetal por pelo menos meia hora. Quando se acalmou, respirou fundo, voltou a se sentar e ajeitou as roupas no corpo, que amarrotaram um pouco durante sua crise de choro. Como pensava em ir embora naquela noite ainda e queria fazê-lo o mais rápido possível, decidiu vestir a primeira roupa que encontrou – o vestido verde, com algumas rendas, que ela usava agora – e não pensava em trocá-lo tão cedo. Talvez só o trocasse quando já estivesse em Ohio, depois da longa viagem que estava prestes a fazer.

- Srta. Fabray? – perguntou alguém às suas costas.

Quinn virou-se no lugar e reconheceu a mulher à porta: era a senhora camareira que cuidava dos quartos quase sempre inabitados daquela pensão.

- Precisa de alguém para conversar?

Quinn apoiou ambas as mãos sobre a cama, encurvou-se para frente e voltou a chorar.

- O que está acontecendo? – a senhora perguntou. Pelo que se lembrava, a mulher esbelta, de rosto forte e cabelos negros que acabara de entrar se chamava Rose.

- Vocês e essa droga de Sam’s Town! – Quinn respondeu. Não tinha vontade nenhuma de conversar com aquela mulher, por mais agradável que ela parecesse ao falar. Mesmo assim, sua vontade de desabafar e contaminar alguém com a sua raiva era ainda maior.

- Como assim? – a mulher perguntou e teve que afastar algumas peças de roupa de Quinn sobre a cama para poder se sentar ao seu lado. A proximidade em um momento como aquele era importante.

- Sam’s Town parecia uma cidade linda quando cheguei aqui. Parecia tão acolhedora, tão tradicional, tão... mágica... Talvez ela seja tudo isso. Talvez eu não tenha tido uma impressão errada. Mas há pessoas aqui que... – Quinn fez uma pausa pra limpar as lágrimas.

- Você quer dizer alguns moradores de Sam’s Town?

- Sim! As pessoas são maldosas!

- O seu marido te traiu?

Quinn apertou os olhos com fúria na direção da mulher.

- Se você consegue supor o que aconteceu, imagino que traições desse tipo aconteçam com muita frequência, então – disse.

- Acontecem – a mulher confirmou. – Principalmente quando há turistas por perto.

Quinn sentiu ainda mais nojo de Sam.

- Sam’s Town é um lugar bastante procurado por casais, principalmente nessa época do ano – Rose prosseguiu. – Vocês vêm, tomam uma casa, passam alguns dias, descobrem a traição um do outro, brigam, se separam, desistem da vida feliz e nunca mais voltam a se ver.

- Por que meu ex-noivo me trouxe até aqui, então? Ele dizia que me amava quando sugeriu essa viagem.

- Os pais de muitas crianças vêm aqui nessa época do ano.

- O quê?!

- Os pais do seu noivo devem ter feito o mesmo.

- Você quer dizer que...?

- Esse é um lugar muito tradicionalista. Seu noivo deve ter vindo aqui quando criança, ou pelo menos ter ouvido o pai mencioná-lo, e achou que fosse uma boa ideia vir até aqui.

- Você quer dizer que, na verdade, é o pai dele que é o traidor?

- Tenho quase certeza disso. Seu noivo é um rapaz bom, jovem e, se me permite dizer, um tanto leigo. Não deve conhecer metade das lendas a respeito de Sam’s Town, então anda por aí sem nem se dar conta dos perigos disso.

Quinn não estava totalmente convencida.

- Nós, moradores dessa cidade, temos os olhos treinados para reconhecer um traidor assim que o vemos. Acredite em mim quando digo que o seu homem te ama. É algo que sentimos assim que olhamos para ele, e isso causa inveja em muita gente.

Quinn olhou de relance para a camareira.

- Causa inveja em muitas mulheres, principalmente – disse Rose. – O amor verdadeiro é algo difícil de encontrar em uma cidade tão pequena. Meninas e mulheres mais novas estão sempre à espreita para o caso de quando um turista aparece.

- Você diz, então, que a culpa dessa traição é da filha da alfaiate?

Rose inclinou a cabeça em confirmação.

- Além do mais, vocês cometeram um erro – prosseguiu. – Jamais deviam ter ido ao lugar onde os homens brancos dançam. Isso é um mau sinal. O homem que os levou até lá deve ter pensado que as intenções do seu noivo eram tão ruins quanto às de todos os homens que vieram aqui um dia. Por isso o levou até lá.

- E o Sam não prestaria atenção nos sinais negativos em um passeio como esse nem se desenhassem para ele.

- Seu noivo é um homem ingênuo e bondoso.

- Isso ainda não justifica o fato de ele ter beijado a boca daquela garota e, ainda por cima, ter transado com ela. A culpa com que ele me levou pra cama ontem exalava do seu corpo, de tão grande que era!

- Eles não transaram.

- Mas se beijaram, e isso, para mim, é traição suficiente.

- Você se considera uma mulher forte, Quinn?

- Já fui mais. Por quê?

- Você sabe como uma jovem que nem você é forte quando quer realizar um desejo. A Nicki, filha da alfaiate, queria muito o seu noivo. Nem se corresse o mais rápido que pudesse ele seria capaz de fugir das suas garras.

Quinn sabia o que era esse sentimento. Conseguira todos os homens que um dia desejara da mesma forma, com insistência.

Mas ainda sentia nojo de Sam, e não sabia o que fazer para consertar isso.

- É difícil voltar a olhar no rosto de um homem, ou sequer perdoá-lo, depois de saber que ele beijou outra – disse Rose.

- Você não sabe o quanto.

- Sei. E digo que não é impossível consertar isso.

Quinn franziu o cenho. Tinha medo de que a mulher dissesse que, antes de qualquer coisa, ela precisava querer perdoar o Sam, pois isso ela não queria fazer de jeito nenhum.

- Mas ele precisa ser homem o suficiente para conseguir isso – disse, no entanto.

Quinn levantou os olhos na direção do rosto da mulher e sentiu uma confiança que ela não sentia por mais ninguém.

- Se ele é o homem da sua vida, ele vai voltar aqui e pedir perdão pelo que fez – disse Rose. – Mas ele não vai fazer isso como um garoto, e sim como um homem. Conquistar e ouvir o coração de uma garota é difícil, e ele deve saber disso. Onde quer que esteja agora, deve estar pensando em uma maneira de reverter essa situação. Desistir, nesse caso, nunca é uma opção.

- Você acha que eu ainda posso conseguir amá-lo.

- É o primeiro caso de amor verdadeiro que surge em Sam’s Town. Há pessoas aqui torcendo para que vocês não se separem. Uma relação assim é inspiradora e acompanhada com bons olhos por boas pessoas.

Quinn sentiu uma única lágrima quente escorrer pela face direita. Diferentemente das outras, entretanto, aquela não era uma lágrima de tristeza.


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Notas finais do capítulo

Pedir desculpa pela demora ainda é possível? rs
Provas de faculdade e trabalhos imensos acabam com as pessoas :( Como é que vocês conseguem? hahaha