Observo meu rosto, percebendo que faz algum tempo que ele perdeu alguma coisa, talvez um pouco de vida. Debaixo das grossas camadas de maquiagem que eu faço questão de usar, olheiras e outros sinais de cansaço se acumulam, fazendo um rosto por muitos considerado perfeito perca aos poucos sua beleza. Esse é um preço que não só eu, mas os outros 4 envolvidos tem que pagar pelo uso de algo tão perigoso quanto o Death Note, mesmo que seu uso se limite a matar criminosos.

Ainda me refiro a 4 outros integrantes dessa espécie de sociedade, pois Near também pagou caro por nossos objetivos: com sua vida, seja tirando-a por culpa, ou vendo ela se esvair de seu corpo, sendo levada por um shinigami ou um outro possuidor do Death Note querendo por lenha na fogueira e nos ver desconfiados uns dos outros. Afasto o pensamento sobre Near, o que já foi nunca mais vai voltar, e penso se o que nós estávamos fazendo realmente era certo: Será que tínhamos o direito de tirar as vidas das pessoas, mesmo que elas fossem más? Será que não estávamos sendo pior que eles? Então, me lembro do melhor argumento que eu sempre uso para brigar com minha consciência: Li. Vendo minha amiga tão feliz agora, nem lembra a menina perturbada que ela virou quando aquele professor desprezível quase a abusou. Se não fizéssemos nada talvez ele tivesse tentado novamente, não só com ela, mas com outras garotas.

Me desligo dos meus pensamentos quando ouço uma batida na porta. Seria uma coisa normal se eu não soubesse muito bem quem estava lá, já que eu reconhecia tudo que estava relacionado a Raito Yagami. Cumprimento-o com uma voz feliz e animada, e ele entra em minha casa, abandonando sua bolsa e qualquer lugar, sentando-se praticamente me chamando pra ser abraçada, mas sem deixar seu jeito frio e distante de lado. Eu entendia muito bem que aquele era o seu jeito então me aninho junto ao seu corpo esperando que o conforto tire as preocupações da minha mente.

Nosso relacionamento tão longo era um completo mistério para todas as pessoas a nossa volta. A maioria pensava que era por causa da minha beleza ou simplesmente porque ele tinha pena de mim, como o Mello disse uma vez e eu abri o berreiro na rua, quando sabia muito bem que não era isso. Por algum motivo que eu não conhecia, embaixo de sua perfeição, Raito precisava de mim. O rastro de beijos que ele deixa em minha pele agora, fazendo meu corpo queimar como duas brasas ferventes e meus lábios darem pequenos suspiros, talvez demonstre que seja por que sente algo por mim afinal.

Será que isso poderia ser um relacionamento com amor? Eu nunca tinha o ouvido dizer que me ama, apesar de ter algumas provas sobre isso. A verdade é que nossos reais sentimentos um pelo outro não são o que realmente importa no momento. Nos gostamos e pronto. Só estou tentando achar problemas imaginários pra desviar minha cabeça, melhor ainda, desviar minha consciência da minha decisão: Sim, o uso que estamos fazendo do caderno é certo, e sim eu vou continuar nisso até o fim. Mesmo que isso acabe me dando o mesmo destino de Near. O fato é que não estamos usando o Death Note para ganhos pessoais, e sim para ajudar as pessoas. Estamos evitando que muita gente seja traumatizada como minha melhor amiga foi, e mesmo que isso aconteça, estaremos evitando que a situação ruim se repita. Sei que essa é a mesma conclusão que os garotos chegaram, e que assim como eu eles estão dispostos a sacrificar tudo pelos outros.

-Misa, você está bem? Parece tão distraída. -Ouço a voz de Raito, novamente me desligando de mim mesma.

-Estou ótima, só pensando em uma liquidação ótima que vai ter amanhã no shopping.

Em seus olhos passa compreensão, como se aquilo tudo fosse bem normal, então ele apenas me abraça novamente. Afinal de contas, era isso que eu significava para o mundo: uma garota fútil e superficial? Mas quem eu era de verdade? A única coisa que sei é que essa não é a hora adequada para pensar nisso, então apenas aconchego mais em Raito, e deixo que o conforto do corpo dele perto do meu me faça dormir.