Dúvida escrita por Davi Mello


Capítulo 1
Dúvida




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Ela não sabia onde estava.


Ele também não.


Ela sentia frio.


E ele, fome.


Ela gritava de desespero, abraçando a si mesma.


Ele continuava calado, tentando compreender tudo aquilo.


Ela escondia um segredo.


E ele, uma caixa.


Ela se calou.


Ou melhor, ele a calou tampando-lhe a boca com sua mão.


- Não deixem te ouvir. – sibilou. – Gritar não vai nos tirar daqui.


- Quem é você? – perguntou ela. Sua voz saiu abafada dentre as distâncias dos dedos do rapaz.


- Nomes não são importantes agora. – percebendo que a garota já estava mais calma, tirou a mão de seu rosto. – Me chame de Frio.


- Eu sou...


Antes que a jovem pudesse se apresentar, ele interveio.


- ... a Fome. – disse, sorrindo. – Onde estamos?


Sua pergunta se perdeu na escuridão.


- Você está bem? – perguntou ele, quebrando o silêncio.


- Não. – confessou ela. – Eu quero sair daqui... O que é isso que tanto aperta? - Fome apontou para uma caixa amarela que Frio segurava.


- Lembranças.


- Por que as trouxe?


- Eu sempre as carrego. – revelou ele, ríspido. – As pessoas preferem carregá-las dentro de si, e eu, no interior de algo sólido.


- Posso vê-las?


- Não estou com a chave... Deve ter caído em algum lugar assim que bateram em meu carro.


- Você também sofreu um acidente? – quis saber Fome.


- Pelo jeito aconteceu o mesmo com você... – ele coçou o queixo, seus olhos cinzentos brilhavam na penumbra. – Eu ia visitar minha namorada. Nós brigamos, queria fazer as pazes com ela. Mas bateram em meu carro. Quando dei-me conta, aqui estava. – ele suspirou tristemente. – E você?


- Eu recebi um telefonema... Não me recordo de quem! – Fome resmungou, chorosa. – Só sei que me deixou muito triste, então fugi. Quis sumir por um tempo e, pelo visto, consegui.


A jovem percebeu que Frio sequer lhe dava atenção, pois o mesmo estava com o ouvido colado à parede, pedindo para que ela se calasse.


- Está escutando isso? – indagou-lhe. – Acho que fomos sequestrados.


- Por que gosta tanto de me assustar? – ela dirigiu-se até o local em que Frio estava e fez o mesmo que ele. – Eu não ouço nada.


- Estão falando sobre um acidente. – disse Frio. – Duas pessoas conversam sobre uma batida de carros... Acho que a gente se chocou no percurso de nossas vidas e, por um motivo ainda irrelevante, nos trouxeram para cá.


Fome chamou por Frio.


- Escuta, escuta... Ouço passos. Alguém está vindo nos ver.


A jovem correu para um canto da parede e sentou-se, escondendo o seu rosto entre as pernas. Frio a seguiu e fez o mesmo.


Uma luz incandescente adentrou o recinto, os prisioneiros tentaram ver quem ali entrava, mas não conseguiram. Abaixaram a cabeça mais uma vez.


- Já sabem por que estão aqui? – perguntou um homem dotado de uma voz muito bela.


- E deveríamos? – quis saber Frio.


- Não sei. – confessou o estranho. – Por que não pergunta a esta moça o que ela esconde no bolso da jaqueta? E se for uma peça deste quebra-cabeça?


E então, o desconhecido saiu, trancando a porta e trazendo a escuridão de volta.


- Você conseguiu vê-lo? – perguntou Frio.


- Não. – negou Fome, tristemente. – Ela tateou o bolso de sua jaqueta e sentiu alguma coisa. Ela suspirou, aliviada. – Ainda está aqui! - O desabotoou e segurou o que quer que fosse.


Frio a encarou com suspeitas ao ver o que Fome colocou na palma de sua mão.


- Quando pretendia me contar? – ele parecia nervoso.


- Eu não sabia o que era. Podia ser do meu carro, ou da minha casa, entretanto, depois que aquele homem estranho veio até nós, percebi que era sua... – Fome alisou o ombro de Frio, carinhosamente. – É a chave da caixa, não é?


Frio afirmou com a cabeça.


- Por que não a abre? E se isso nos ajudar a compreender o porquê disto tudo?


- São apenas lembranças... Não vãos nos ajudar!


Fome notou que os olhos de Frio enchiam-se de lágrimas.


Ele foi erguendo a tampa da caixa que tanto estimava, lentamente. Uma bonita melodia emanou-se dali, bem como uma pálida luz.


- É um presente de meu avô. – revelou Frio. – Quando pequeno, eu só conseguia dormir se a luz da caixinha estivesse acesa. Eu me lembro que um dia ela se queimou. Eu acordei muito assustado, estava imerso ao breu infinito... Nunca senti tanto medo!


- E estar aqui, preso sem saber o porquê, ainda mais com uma desconhecida, não lhe assusta? – as lágrimas já escorriam pelo rosto de Fome.


- Não... – balbuciou Frio. - E então, finalmente abriu a caixa, deparando-se com fotos, cartas e pequenos soldadinhos de plástico. - Você já fez tantas perguntas e eu quero lhe fazer apenas uma... – ele retirou uma foto dali de dentro e a entregou para Fome. – Por acaso eu te conheço?


- E-essa da foto sou eu? – gaguejou a jovem. – Como... como...


O quebra-cabeça começava a ser resolvido.


- Não reconhece minha voz? – Frio revirou a caixa com brutalidade, retirando dali dezenas de fotos suas com a garota ao seu lado.


- Foi você que me ligou! – exclamou Fome, surpresa, folheando as fotos que lhe foram entregues. – Seu gênio estúpido me fez parar aqui! Por sua causa peguei o meu carro e...


- ... e? E bateu em meu veículo? – gritou o moço.


- E-eu... Eu não sei o que dizer!


Os dois se abraçaram, aos prantos, pedindo desculpas um ao outro


- O que é este ferimento em seu peito? – ele afagou os seios da amada. – Você está sangrando.


- Você também... – ela apontou para a nuca do rapaz.


Desconfortavelmente, ele levou as suas mãos até o local indicado, e quando as trouxe de volta, estavam ensanguentadas.


- Nos ferimos no acidente, querido. – Fome roçou o nariz nos lábios de Frio, e desceu com a cabeça até ao seu peito, levantando abruptamente.


- O que houve?


- Acho que não sobrevivemos ao acidente, meu amor. – falou Fome, soturna. - Não ouço o seu coração. – Ela levou a mão do amado até seu peito.


- Nem eu o seu. – confessou ele, melancolicamente.


Inexplicavelmente, uma pequena peça de quebra-cabeça caiu no meio dos dois. E logo, muitas outras caíam do teto, como se o mesmo estivesse se desfazendo.


Antes que o clarão pudesse adentrar o recinto pela última vez, o casal de abraçou.


Ela sentiu Frio.


E ele sentiu Fome.


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