2010

“…when I met you girl, my heart went knock knock, now the butterflies in my stomach won’t stop stop”

– Ah, que ótimo jeito de começar o dia! – revirei os olhos e sentei na cama, esfregando meus olhos. Assim que os abri novamente, minha irmã, Júlia, colocou a cabeça para dentro do quarto, deixando apenas seu belo rosto e seus longos cabelos à mostra, como se não tivesse corpo.

– Talvez seu dia ficasse um pouquinho melhor se você parasse de resmungar tanto, Bella. – ela deu uma risadinha e aumentou o som, o que me fez bufar.

– Desliga isso, Júlia! Estou tentando dormir. Será que você não pode ao menos fechar a porta do meu quarto e tentar não me acordar, por favor? – sorri ironicamente.

– A intenção é exatamente acordar você, Bella. A mamãe está nos chamando. Disse que tem um comunicado importante.

Dei uma espiada no relógio. 7h48 da manhã. Franzi as sobrancelhas, pensando em que tipo de comunicado poderia ser esse. Certamente era algo importante, caso contrário minha mãe não pediria para me acordar em plena madrugada.

– Está bem, diz pra ela que eu já estou indo, e... – olhei em direção à porta, mas Júlia já não estava mais lá.

Passei minhas pernas para a borda da cama, fazendo com que meus dedos quentes encostassem no chão gelado. Encaixei-os dentro da pantufa e suspirei, levantando-me aos poucos. Perto da porta do banheiro, à direita, pude enxergar de relance minha mala, que estava pronta. Sorri assim que me lembrei do que era o dia de hoje: hora de voltar ao Brasil!

Ok, deixem-me explicar melhor. Eu moro no Brasil, mais precisamente em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. Minha família sempre vem passar o início das férias de verão aqui no Canadá, pois uma parte de nossa família mora aqui – e, como tradição, voltamos sempre na véspera de Natal, como hoje.

Assim que entrei no banheiro, olhei para o espelho e observei meu reflexo por alguns segundos. Percebi que meus grandes olhos verdes estavam cansados, devido ao horário. Meu pequeno nariz, que arrebitava na ponta, estava com a marca do travesseiro – assim como minhas bochechas, que também eram marcadas por minhas sardas. Prendi meus longos cabelos ruivos em um coque desarrumado, no alto da cabeça. Alguns fios caíram para fora, e eu logo os espantei com um sopro.

Lavei o rosto e, depois, fui até meu quarto, abrindo o guarda-roupa e observando minhas roupas. Sem saber o que fazer, fui até a janela e a abri, sentindo o vento gelado e cortante invadir meu quarto. Observei a neve caindo lá fora e várias crianças, que mal conseguiam se mover devido à quantidade de roupas, fazendo bonecos de neve. Suspirei. Eu sentiria falta do Canadá, admito – mas nada supera o calor e a hospitalidade do Brasil.

Fechei a janela, para que meu quarto não virasse um freezer, e comecei a pegar o máximo de blusas quentes possíveis. Quando já estava devidamente vestida e agasalhada, fechei o guarda-roupa e me encaminhei para a cozinha, onde toda minha família já se encontrava reunida.

– Até que enfim, Isabella! Achei que tinha congelado. – minha mãe falou e começou a rir, sendo acompanhada pelo meu pai como se fosse a piada mais engraçada do mundo. Troquei um olhar com Júlia, que me entendeu e deu uma risadinha de canto.

– Há, há, há. Está legal, me digam o que tem de tão importante para me acordar a essa hora. – após abraçar meus pais, sentei-me em uma cadeira ao lado de Júlia, ficando frente a frente com eles.

– Meninas, tomamos uma decisão e sei que não será tão fácil para vocês. Seu pai e eu decidimos que queríamos um natal típico, assim como o natal do Canadá, e...

– Legal! Isso significa que iremos pendurar nossas meias na lareira e esperar que o “papai Noel” nos traga doces, e ir dormir logo depois da ceia e só abrir os presentes pela manhã? Yay, vai ser um típico natal canadense, mas sem a lareira acesa e a neve! – quando Júlia estava prestes a continuar suas reflexões, meu pai a interrompeu.

– Bom, na verdade, o natal típico inclui a lareira acesa e a neve, Jú.

– Como assim? Vocês não estão pensando em contratar aquela empresa com a neve artificial de novo, né? Aquele troço não parecia neve nem aqui e nem na China, e ainda lembro daquele cheiro horrível infestando meu quarto. – fiz uma careta, ajeitando-me na cadeira.

– Não, meninas. Sem neve artificial. Iremos ter neve de verdade, e, para isso, ficaremos aqui no Canadá. Não passaremos o natal no Brasil.

– O QUÊ?!?!?! – eu e Júlia gritamos juntas.

Simplesmente não aceitava o fato de que não poderia passar o natal no Brasil! Isso acontecia desde que eu tinha cinco anos, e todo ano desde então fazemos a mesma coisa: comemos a ceia com toda a nossa família e, quando o relógio marca meia-noite, brindamos com champanhe e começamos a distribuir os presentes. Isso não podia mudar! Além disso, eu já tinha combinado com todas as minhas amigas brasileiras que faríamos um amigo secreto, e eu havia comprado um kit da Chanel para minha amiga, Victoria – e, acreditem, isso não me custou barato.

– Pai, mãe, vocês não podem fazer isso! Tradições não podem ser mudadas, caso contrário elas não são tradições! E eu combinei com as meninas de fazer um amigo secreto, e já vai ser o segundo ano consecutivo que eu falto! Se vocês querem ficar, ótimo, mas eu vou para o Brasil. – atirei meu corpo para trás, fazendo minhas costas chocarem-se com o encosto da cadeira, e cruzei os braços.

– Sinto muito, Isabella, mas já tomamos nossa decisão e cancelamos as passagens. Você pode pedir para que o amigo secreto seja feito outro dia. Além disso, natal é um feriado para se passar com a família, e não com as amigas. Mesmo assim, nada te impede de ir para o Skype e ficar conversando com elas, enquanto a neve cai lá fora, os convidados se divertem e o Justin Bieber se apresenta bem aqui, na nossa sala.

Revirei os olhos e franzi as sobrancelhas, coisa que sempre fazia quando estava irritada. Eu simplesmente não podia acreditar que meu natal dos sonhos estava, realmente, apenas em meus sonhos. Esse era meu feriado favorito justamente devido às nossas tradições, que haviam sido cruelmente excluídas de nossas vidas. Eu não poderia passar o feriado no Skype com minhas amigas, pois não era a mesma coisa! Aliás, mesmo estando na festa a neve cairá lá fora, e o Justin Bieber... Peraí. Justin. Bieber?

Olhei para Júlia, que continha uma expressão igual à minha. Parecia que a ficha havia caído para nós duas ao mesmo tempo. E, em seguida, tudo o que pude ouvir foram gritos.

– AH, MEU DEUS, EU NÃO ACREDITO! PAI, MÃE, VOCÊS CONTRATARAM O JUSTIN PARA CANTAR NA NOSSA FESTA? OH MY BIEBER, EU SABIA QUE NEVER SAY NEVER ERA UM LEMA REAL E QUE REALMENTE SE CONCRETIZAVA! – após praticamente sufocar nossos pais, Júlia saiu correndo para seu quarto, já discando vários números no seu iPhone. – CAROL, VOCÊ NUNCA VAI ADIVINHAR EM QUEM VAI SER A ATRAÇÃO PRINCIPAL DA MINHA FESTA DE NATAL!

Quanto à mim, também ocorreram gritos... Mas um tanto diferentes.

– COMO ASSIM VOCÊS NÃO VÃO ME PERMITIR IR AO BRASIL E AINDA VÃO ME FAZER ATURAR O JUSTIN BIEBER CANTANDO A MESMA MÚSICA A NOITE INTEIRA?

– Sem gritos, Isabella. Não importa se você está de acordo ou não, isso vai acontecer e ponto final. E, aliás, o Justin não tem só uma música. Você já parou para ouvir o CD dele? O menino não é só Baby, não. Como a Júlia disse, ele já ganhou mais de 100 prêmios, e...

– Tá, mãe, tá legal. Não estou nem um pouco interessada em saber da biografia completa desse garoto. Aliás, vou seguir a dica que vocês me deram e me trancarei no quarto a noite inteira, conversando com as minhas amigas pelo Skype.

– Isso se eu não tirar seu computador antes – minha mãe sorriu cinicamente, quase igual a mim, e começou a retirar o café da mesa.