Sonhos Perdidos - Contagem Regressiva escrita por Adriano Noé


Capítulo 5
Capítulo 4 - Como nos velhos tempos


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura.



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Como me vingar daquela garota? Atrasar-me o máximo possível, demorar o máximo que eu conseguir, achar uma lista ridícula de coisas para fazer antes de sair de casa, qualquer coisa que deixasse ela irritada, mais ou menos como estou me sentindo agora. Domei o ninho negro de cabelo, ao invés de penteá-lo de uma forma mais adequada. Prendi-o em um experiente rabo de cavalo, coloquei uma blusinha rosa que estava no canto do quarto, escolhi-a porque é uma das minhas preferidas, vesti meu jeans escuro e um All-Star convencional. Agora precisa ficar bonita. Meu inconsciente sussurrou como uma víbora em meu ouvido. Mordi o lábio. Sorrateiramente entrei no quarto da minha mãe, que estava impecavelmente organizado, peguei seu estojo de maquiagens da gaveta, fui ao banheiro e comecei fazer uma combinação estranha de cores, parei quando eu mesma me assustei com o resultado. Puta merda, nasci pra ser feia.  Banhei o rosto com uma torrente de água e voltei ao espelho.

          -Oi coringa. –a maquiagem persistira, mas desta vez esfumaçada cobrindo todo o rosto, como uma cara de palhaço assassino. Fiz uma careta para o espelho. Esta foi a vez da toalha de Helena, branca e virgem, após estupra-la com meu rosto, senti-me mais satisfeita, minha mãe ia me matar, mas se o pano está sujo, meu rosto devia estar limpo, só preciso escondê-la e quando chegar lavo-a, e coloco no mesmíssimo lugar.

          -Ai meu Deus! –O blush escalou meu rosto enquanto a sombra resvalou até as maçãs de minha bochecha formando uma nuvem de coloração vermelha e acinzentada.

...

          -Que raiva, que raiva, QUE RAIVA! –eu estava espancando o travesseiro. –Qual é o seu problema garota? – Fulmino o objeto com os olhos –Você querendo me deixar louca, é? –bati mais e mais no travesseiro, tentei sufoca-lo apertando-o contra a cama, batendo ele de um lado para o outro e no final atirando o longe, com um grito de vitória. –VACAA!!!

          -Está tudo bem, Ana? –Mamãe chega atônica em meu quarto.

          Enrubesço.

...

          O táxi me deixou na frente do Shopping Central. Ela disse que ia me esperar na praça de alimentação. Entrei, subi pela escada rolante e fiquei esperando-a, de pé.

          Durante uma hora.

          Parece que a vadia descobriu meu plano, quer dizer eu cheguei meia hora atrasada, e agora faz uma hora e meia desde o nosso combinado... E ela não esta aqui

...

          Olhei de um lado para o outro, procurei por Dara em todo o setor do shopping, e não a achei. Estava quase indo embora quando a escuto atrás de mim.

          -Desculpa pela demora Bella, – diz olhando pra mim - é que eu tive que ajudar meu pai a resolver alguns assuntos pessoais, e acabei chegando um pouco atrasada.

          -Hum.

          -Então, já comeu alguma coisa?

          -Já –minto, queria terminar com aquilo o mais rápido o possível.

          -Ah Bella, um sorvete, por minha conta e por conta dos velhos tempos. –sorriu.

          Ela não é um demônio Anabella, pare de vê-la assim, deixe de ser criança, ela é tão amiga do Léo quanto você, e vocês não têm nada juntos.

          -Bem que eu queria...

          -O quê? –ela volta o olhar pra mim.

          -Nada, nada. –suspiro.

          O shopping estava quase vazio, apesar de ser uma sexta à noite.

          Ninguém vai ao shopping sexta à noite, às nossas jovens sextas-feiras não são gastas em shoppings, menos ainda com uma amiga velha de infância que quer por as mãos no seu namorado. –Namorado?

          -Aqui está bom Bella. –Ela colocou minha bolsa e a dela na cadeira ao lado. Sua bolsa era de um vermelho vivo, a minha preta. Vestia uma camiseta azul-claro, um short jeans e um All-Star branco de couro.

          -Um milk-shake, de morango, por favor. –Dara sorri agradavelmente para o garçom. –Então Ana, você tem namorado?

          A pergunta me pegou de surpresa, o que eu digo para ela?

          -Ãh... Tenho... Eu... Acho. –digo olhando para baixo, meio confusa. Acho que ela não acreditou. Sempre fui péssima para mentir.

          - Como assim acha, tem ou não tem garota. –ela ri, pega o milk-shake rosa, agradece acenando com a cabeça. Mira os orbes azulados em mim. –Se você acha é por que você não tem, estou certa?

          Enrubesço.

          -Ora não há vergonha nenhuma, afinal uma garota tão dedicada aos estudos como você, não deve ter tempo para essas coisas... Sinto inveja de você... –o olhar ainda fixo-Sinto a ironia pairando ao redor da mesa. –Então como vai a vida lá na casa dos Domingues? –ela já desfoca a atenção de mim e começa a brincar com o canudo do milk-shake.

          -Está tudo normal Dara, onde você está morando mesmo? –agora o garçom trouxe meu suco, também o agradeço e largo o copo na mesa, no meio de nós duas.

          -Estamos no centro, em um apartamento barato e pequeno, mas é por pouco tempo, papai tem planos. –ela mira-me intensamente por um segundo, sinto-me quase violada. -Ele está planejando comprar uma casa maior. –ela desiste do canudo e começa a mexer na sua mecha ruiva que inteirava a clássica franja que sempre teve, cobrindo toda a testa, só que vermelha. –Mas ele ainda não conseguiu arranjar um emprego na cidade.

          -Entendo.

          O silêncio perdurou quase um minuto, tentei amenizar minha agonia com o suco, dragando-o vorazmente do copo. Dara parecia que só tinha usado aquele tempo pra me observar.

          - Sinto muito por seus pais Ana, sei que você está passando por um período difícil e que...

          -Não estou passando por período algum Dara. –falei alto, encarando-a séria e apontando um sorriso, para apresentar um pouco mais de convicção. –Passaram-se três anos e por incrível que pareça, não consigo lembrar direito o rosto de meus antigos pais. –bati com os punhos na mesa, olhei para baixo frustrada.

          -Verdadeiros pais.

          -Ambos são verdadeiros, recebi amor de ambos, da mesma forma, mesma intensidade pelo que eu me lembro. –tomei fôlego.  -E os Domingues não tinham necessidade alguma de me adotar! –senti-me como se tivesse a finalizado em um ringue de luta.

          - É verdade, você poderia estar em um orfanato agora. –parece que a ideia de eu não ter pais divertia a garota. –Enfim notei que você não está usando mais óculos... Já consegue enxergar direito?

          -Sim consigo enxergar direito. Com minhas lentes.

          -Hum, legal, - diz sem prestar muita atenção. –fala aí garota, e o Léo?

          Nesse momento nós duas levantamos os olhos e nós encaramos, ela me fitando com olhos de águia, esperando um mínimo deslize para me pegar, segurando o riso como uma profissional. Pego meu suco de laranja para disfarçar, mas com a mão trêmula e suada ele cai sobre a mesa, vira, e vira em mim.

          -MERDA! –grito e o shopping todo parou para me assistir. Tentei ficar invisível. Não adiantou. Merda.

          Dara tentou prender a mesma risada com uma força sobre-humana, mas não teve êxito. Cacarejou uma risada que se propagou por todo shopping, e assim procederam-se os próximos minutos, ela rindo de mim e o shopping rindo de nós. Trocamos um olhar.

          -Vem vamos comprar uma roupa nova pra você.

...

          -Não ficou boa... -Estava vestindo uma nova calça jeans azul-claro e uma camiseta preta com a estampa de uma caveira roxa.

          -É, não ficou boa mesmo...

          Experimentei mais dois looks e nem um me agradou, menos ainda a Dara, que era bem mais exigente do que eu.

          Ela revirou os olhos –Vem aqui garota. –me puxou forte pelo braço. –Eu vou te ajudar a escolher uma coisa descente. –E assim ela foi me guiando por entre os setores da loja em busca de alguma coisa que fosse do agrado dela.

          -Você ficou bem eufórica quando falei do Léo. –ela voltou no assunto.

          -Como assim? –digo como se estivesse sofrendo amnésia.

          -Anabella, vamos, você atirou o suco para o ar como se estivesse louca,  no exato momento que eu mencionei o nome dele... E eu vejo o jeito que você olha para ele. –eu fico quieta, abaixo a cabeça, merda ela tá ganhando o jogo. –Pensa que eu esqueci de tudo que você me disse, fiquei um pouquinho mais velha, mas não burra, você escrevia cartas para ele, rabiscava “Léo” e um coraçãozinho torto no fundo do seu caderno... Duvido que toda essa grande massa de sentimento reprimida tenha passado...

          Continuo quieta. Ela abre um sorriso demoníaco.

          -AI-MEU-DEUS. VOCÊ O AMA. –fico vermelha como nunca fiquei na vida. –Ai meu Deus, você realmente gosta dele, ficou muda, estatelada, paralisada, só de pensar no menino, seu coração bateu, batendo mais forte, consigo escutar ele daqui.

          -Ãh...

          - Não precisa dizer nada, não diga nada que você já se entregou, mas pode ter certeza que seu segredo vai ser bem guardado, ninguém vai saber de nada. –Ela me cutuca com o cotovelo e me da uma piscadela confidencial –muito menos o Leandro.

          Não aguentei mais cinco minutos naquela loja, nem na presença dela e daquela calça apertada, só queria ir pra casa, ficar no meu computador. Ver o Léo. Meu inconsciente com a voz semelhante a de Dara canta ao meu ouvido. Merda.



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Notas finais do capítulo

Gostaram? Comentem, por favor.
:D



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