Jogos Vorazes - Trigésima Edição escrita por Akasha Korhinny Aylam


Capítulo 1
DJ - XXX


Notas iniciais do capítulo

Essa fic foi composta para um concurso de moderador do facebook e, devido a proposta de tal evento, é meio corrida. Mas espero que gostem.
Boa leitura.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/297072/chapter/1

Dwenn Jordan! Distrito 10, meus amigos! — apresentou-me aquele homem da Capital para sua ridícula platéia. Não, eu não tenho interesse em aprender o nome dele. Nem você.

J V * XXX

A entrevista, minha demonstração para os Idealizadores dos Jogos, a viagem, a colheita, a mentira. Fico me perguntando como eles não notaram a mentira... Meros flashs, passando na velocidade da luz diante de meus olhos, nestes poucos instantes que levo da Sala de Lançamento até a arena.

Me vejo no tubo de vidro. Ignoro a cor de meus olhos, de meu cabelo, de minha pele, para mim tudo é incolor. Não me interessa se eu sou forte ou fraco. Eu não sou uma pessoa, sou muitas, sou... É, devo pensar assim. Sou uma ideia. Ideias não sangram, não sentem dor, ideias não amam, não choram. Elas apenas existem e resistem o máximo que podem para mostrar suas verdades ou mentiras. Mentiras...

Avisto a arena e rio. Não de felicidade, mas de admiração diante da falta de escrúpulos dos cães da Capital. Só de pensar neles e em suas vidas, me causa repulsa. A arena está dividida em treze áreas, cada qual representando um distrito, em menor escala obviamente. Meu distrito está lá e isso me repugna, confrontando-me e comprometendo meu julgamento. Não, não posso cair, estou aqui por uma razão e vou cumpri-la. Não posso falhar.

Não estão arrumados com deveria ser, o que acho estranho, mas como se fossem parte de um círculo, onde a Cornúcópia seria a Capital, em miniatura. As “entradas” são semelhantes a estações de trem. Logo atrás das estações, apresentam esses aspectos — pelo menos ao alcance da vista: os distritos 1, 2 e 8 têm grandes galpões fabris; os distritos 3, 5 e 6 prédios menores, provavelmente centros de pesquisa; os distritos 4, 7, 9, 10, 11 e 12 têm casas nas primeiras partes, embora eu possa ver algumas árvores se erguerem mais profundamente nos territórios dos distritos 7, 11 e 12. Até o Distrito 13 está lá, porém caindo aos pedaços, apenas almotoados de entulho e restos de prédios. Como demonstração de nossa fraqueza e pobreza, os distritos não ostentam cores a não ser cinza. Em contra-partida a pequena réplica da Capital é brilhante como ouro.

Estamos dentro de nossos pratos de metal e faltam vinte segundos para o início do banho de sangue. A Cornucópia está a, aproximadamente, cinquênta metros e é cercada por trilhos de trem, como se fosse uma praça de um grande centro, com saídas para qualquer região do país. Vários trens, um para cada distrito, estão em funcionamento, atrapalhando nossa visão. O pouco que consigo ver é que existem algumas bolsas pretas ao redor do domo que circunda a Cornucópia. Algumas armas estão caídas ao chão: lanças, machados, espadas e mais algumas que não consigo distiguir, só vejo o reluzir do metal ao Sol. Isso não me preocupa. Não inicialmente.

O gongo soa. Eu corro na direção da área do Distritro 2, para longe da Cornucópia, pois sei que Britney e Coren estão mais preocupados em adquirir armas e suprimentos do que me perseguir neste momento.

Enquanto corro em meio aos galpões, tentando me ocultar, ouço o primeiro tiro de canhão. Isso me dói, mas eu espero mais, muito mais.

Depois de um tempo que me parece interminável, embora eu sinta que não passou de três horas, chego aos limites do Distrito 2. A cerca está diante de mim, chiando por causa da corrente que a atravessa. A essa altura ouvi sete tiros de canhão.

— Dwenn. — Ouço Kira me chamar, sua voz vem do outro lado da cerca.

— Sou eu — respondo e ela aparece de trás de um prédio. — Se esconda, vou até aí. — Ela assente e volta a se ocultar.

Eu subo no prédio mais alto que encontro por ali, indo até o sexto andar e ficando na altura da cerca. Fico sobre o peitoril de uma janela, uma das que está na direção de um outro prédio, este um pouco menor do em que eu me encontro. Moleza.

Desço do peitoril e tomo distância. Não irei prosseguir neste jogo temendo coisas fúteis como altura. Então, sem mais esperar, corro. Usando o peitoril como um trampolim, lanço-me no outro prédio, agarrando-me à tubulação exposta e descendo por ela. Chego ao chão em segurança, meus dedos estão ralados, mas isso é aceitável.

Kira Stokes do Distrito 3 vem ao meu encontro. Verifico rapidamente ao nosso redor, não há inimigos à vista, então tratamos de seguir em frente. Ela me conta que o outro tributo de seu distrito, Crash, foi até a Cornucópia, e que, antes de adentrar a área do Distrito 3, deu uma olhada na situação por lá. Parece que ele conseguiu tomar posse de uma bolsa com alguns artigos de que necessitamos. Digo a ela que não se preocupe, que os teremos na hora certa e continuamos nossa caminhada.

O tempo passa. O Sol vai baixando cada vez mais e eu começo a me preocupar, a água é o motivo. Fomos checando ao longo do caminho os prédios e casas, mas não encontramos água nas torneiras. Kira acha que encontraremos no reservatório. Não discuto e a sigo. A caminhada dura mais umas meia-hora e, como ela havia dito, encontramos água e, junto com ela, problemas.

Puxo Kira para um canto, para trás de uma parede, e lhe peço para se esconder e aguardar. Ela me questiona sobre meus motivos. Volto a insistir e ela acaba concentindo. Retorno às proximidades do reservatório, que mais parece um lago artificial rodeado por uma cerca elétrica. Avisto gotas de sangue no chão, junto a cerca, e escuto, ela não está eletrificada. Escuto mais dois tiros. Agora somos quinze. Já prevendo armadilhas, pego uma pedra e atiro a frente. Duas minas explodem. Jogo mais algumas, cada vez mais longe, até que nada acontece.

Sem pensar duas vezes escalo a cerca e a pulo, tomando cuidado para seguir a trilha deixada pelas explosões. Crash está sentado ao lado da parede da escada que dá na piscina artificial. Ele me vê, provavelmente esperava que eu tivesse me explodido. Vejo que ele tem um ferimento sério no ombro esquerdo. Ele pega a bolsa e põe-se a correr. Pego outra pedra e corro, tomando conta da área segura, pois ele pode estar blefando, fingindo que está indefeso, e atiro a pedra nele, atingindo suas costas e fazendo-o cair. Eu o alcanço, há uma faca em seu cinto. Ele a saca e tenta me cortar quando me aproximo, desvio facilmente e chuto o objeto de sua mão. Ele tenta recuperá-lo, se arrastando, chuto seu rosto, deixando-o tonto e pego a faca.

— Desculpe — murmuro, olhando em seus olhos.

Ele, ainda tonto, tenta se afastar de mim e chegar a bolsa, que caiu um pouco distante dele. Não deixo, pisando em seu peito e, num movimento rápido, corto seu pescoço com a lâmina, fazendo seu sangue espirrar em meu rosto. Pego a bolsa e verifico. Contém as peças que Kira precisa, mais duas facas, um saco de comida desidratada e fósforos. Nada com que guardar água.

Me afasto do corpo, o aerodeslisador chega e o leva. Vou até o reservatório e lavo o rosto, aquele não é o sangue que me interessa. Refaço meu caminho até a cerca e a pulo novamente. Não fui eu quem o matou foi a Capital, penso, chamando Kira para beber água, ela me segue sem fazer perguntas.

J V * XXX

A noite chega, nós acampamos num dos prédios do Distrito 3, num com três saídas, duas grandes e uma por um alçapão, para o caso de uma fuga inesperada. Comíamos uma parte de nossa comida desidratada, quando o hino começou a tocar. Nos aproximamos de uma janela para ver. Dez mortos no primeiro dia. Crash do Distrito 3, o garoto do Distrito 5, a garota do 6, a garota do 7, o garoto do 8, os dois do 9, o garoto do 11 e os dois do 12.

Fui o primeiro a dormir, Kira ficou trabalhando.

J V * XXX

Seguimos uma linha de raciocínio lógico. Mesmo que isso pudesse ser óbvio, o fato dos tributos conhecerem seus distritos dá uma falsa sensação de vantagem. Logo, seria muito provável que os tributos restantes estivessem nas áreas de seus respectivos distritos, fora, talvez, os Carreiristas. Exponho este pensamento a Kira, ela concorda comigo, então migramos para a área do Distrito 4.

Nada de especial acontece, nenhuma inteferência dos Idealizadores dos Jogos, logo estamos perto de outros tributos. Não me engano, não demora e escuto sons de risos e pés correndo. Os Carreiristas estão por perto e perseguem uma vítima. Estamos numa região próxima da praia e logo os passos somem, porém os gritos estão mais próximos. Nós vamos para a praia e ficamos entocados dentro de um barracão que havia por ali. Não demora e avistamos os tributos emissores dos sons. Os tributos do 1, Tom e Dafine, os do 2, Britney e Coren, e os do 4, Matthew e Zoey, perseguem uma garota, não me recordo do nome. Todos carregam armas: uma espada, uma lança, um machado, três facas à vista, um arco e uma aljava cheia — é provável que estes ainda não tenham sido utilizados.

— Marta Evans, Distrito 11 — sussurra Kira em meu ouvido. Agora eles estão muito perto. — O que fazemos?

— O que temos que fazer — sussurro de volta. — Liquidá-los antes que nos liquidem. — E olho para um buraco na parede do barracão. — Me dê aquilo.

Espero que eles estejam perto do barracão e atiro mais uma pedra, chamando a atenção dos Carreiristas, a garota do 11 é esperta o suficiente para não parar, e atiro uma das pequenas bombas que terminei de montar ontem a noite, mesclando os detonadores de choque construídos por Kira e alguns de meus conhecimentos pessoais. Corro para a passagem na parede e preciono o botão do detonador remoto. Ouço as explosões.          

Saio da faixa de areia o mais rápido que posso, voltando aos estaleiros. Encontro Kira e tratamos de fugir. Ouço três tiros de canhão. Três Carreiristas a menos. Três tributos a menos. Quando já pensamos ter despistado todos os que pudessem, eventualmente, estar atrás de nós, tomamos um susto com o som de algo caindo ao chão. Saco a faca e espero, fitando as casas ao nosso redor. Ela sai de um beco. Está toda suja e veste uma expressão de medo. Baixo a faca. Kira diz que está tudo bem, que não iremos atacar e a convida a se juntar a nós. Não reclamo, mas peço que seja breve. Ela corre até nós e saímos juntos do Distrito 4.

Encontramos uma pequena fonte de água no território do Distrito 5, Marta tem uma garrafa, então a enchemos. Há sangue perto da fonte. Ela conta como os Carreirista a encontraram. Diz que foi quando encontrou a fonte, esta era uma armadilha, pois a garota do 5 estava caída bem ali, de bruços. Havia um ferimento grande no meio das costas dela. Provavelmente, decorrente da lança. Parabenizo Marta por ter conseguido chegar tão longe estando com tantos em sua cola. Ela agradece, tímida. Recomeçamos a caminhar, encobrindo o máximo de nossos rastros.

Fico um pouco aborrecido por não encontrarmos comida, o pouco que tínhamos acabou mais cedo quando dividimos entre nós três. Foi um erro ter saído do Distrito 4... O tempo passa e ouvimos um barulho, agora parece som de animas. Bestantes, penso, torcendo o nariz. Não me engano. São estranhos pássaros que, ao invés de bicos, têm um focinho semelhante ao de um tamanduá. Não são capazes de voar. Corremos atrás de um deles e conseguimos cercá-lo, eu o mato com a faca. Pegamos mais três deles e os guardamos, amarrados num fio de cobre. Fechamos todas as janelas e portas de uma das casas, usamos os fósforos para acender uma pequena fogueira e assamos uma das aves. Não é a melhor medida, mas é satisfatória. Comemos e tratamos de sair daquele lugar.

As cercas elétricas não representam mais um empecilho para nós, as pequenas bombas de Kira dão jeito nelas facilmente. Atrevessávamos o centro do Distrito 6, que não é diferente do restante dele, apenas o Edifício da Justiça se destaca, maior dentre os pequenos prédios, quando ouvimos aqueles sons.

— Tem alguém gritando! — diz Marta, assustada. — Quem será?

Kira e eu nos entreolhamos. Se nossa teoria estiver certa, trata-se do garoto do 6. Me ajuda! Pede ele, gritando. Decido ignorar, seja lá o que o ataca, não é da nossa conta, não precisamos de problemas. A voz vem de algum lugar a esquerda do Edifício da Justiça, então pegamos a direita.

Avançamos por entre os prédios e avistamos o primeiro deles, parado no meio da rua com os dentes à mostra. Ele é negro, as patas da frente são da espessura de um jaguar normal, porém alongadas, as de trás tem o triplo da espessura das dianteiras e tamanho semelhante (só os membros devem ter por volta de um metro de comprimento), a cabeça seria como a de um tigre, se não fosse pelas orelhas grandes e os dentes grandes saíndo da boca e passando do queixo.

Me ajuda! Escuto, quando ele abre a boca. É absurdo. Essa criatura tem a mesma habilidade dos gaios tagarelas de reproduzir o que escuta. Escuto o mesmo chamado vindo de mais ao longe e não é emitido por um único ser, são vários. Se não sairmos daqui agora, não teremos nenhuma chance de sobreviver. Isso não é aceitável.

— Corram — sussurro para as garotas, mas não adianta. A bestante escuta e reproduz.

Corram! E dispara em nossa direção. Corremos, tentando nos ocultar entre os prédios. Corram! Corram! Corram! Ouvimos mais ao longe. Eles têm uma audição afiadíssima. Isso pode ser a única forma de escaparmos.

— Continuem correndo. Vão para o 7 — digo as garotas e estendo a mão para Kira. — Me dê alguns deles.

Ela mexe na bolsa e me entrega o que peço. Coloco nos bolsos e paro. Elas se afastam. Tenho apenas duas das três facas e os detonadores de energia em meu bolso. Ele me alcança poucos segundos depois e avança sobre mim. Não saio do lugar, tenho as duas facas, uma em cada mão, e isso me basta. Três problemas imediatos: os dentes e as garras de ambas as patas dianteiras. Só tenho como me livrar de dois. Já me decidi.

Movo o corpo um pouco para o lado no momento que ele acerta as patas em mim, saíndo de sua investida direita e cortando seu focinho e pata esqueda. Acabo sendo atingido no peito pelas garras desta pata. Ele cai e tenta me acertar, mas está desorientado. Enterro as facas nele, uma em seu crânio e a outra no pescoço, matando-o. Meu peito sangra mais não corro perigo de vida. Continuo ouvindo os sons dos outros se aproximando, não demorarão muito.

Passo a mão no sangue que sai do pescoço da bestante e passo sobre o meu ferimento. Não posso me arriscar a ser farejado pelo sangue. Me afasto depois de jogar alguns dos detonadores de energia, e os explodo, já correndo na direção que as garotas foram.

Meu plano é usar as audições aguaças deles para despistá-los, desorientando-os por causa do estrondo das explosões. Ouço rugidos à distância, cada vez mais distantes e respiro aliviado. Alguma coisa me pica e novamente. Na terceira espetada eu vejo que têm alguns disparadores presos às parades das construções. Consigo desviar de quase todas as investidas seguintes, apenas mais um deles me atinge e eu encontro a cerca e salto pelo buraco deixado pelas garotas. Desabo no chão, minha garganta queima, minha visão escurece, não consigo sentir meu corpo, tudo está nebuloso. Desmaio.

Quando acordo, as meninas estão junto a mim. Marta ri e diz que eu tenho bastante sorte, me mostrando uma pequena vasilha. Pego-a e vejo que contém quatro pílulas. Kira me oferece a garrafa d’água, pego-a e engulo uma pílula e bebo da garrafa, bastante. Minha garganta estava muito seca. Elas me contam que já passou um dia desde que desmaiei. Vejo que o ferimento em meu peito está amarrado com tiras de roupas e já não doe tanto. Pergunto se mais alguém morreu, elas dizem que fora Dafine do 1, os dois tributos do 4, a garota do 5 e o garoto do 6, todos mortos ontem, nenhum tiro foi ouvido. Ninguém morreu. Só restam nove competidores agora. Três Carreiristas, o garoto do 7, a garota do 8, Patience Fackller do meu distrito e nós três.

Estamos sós no Distrito 7. Marta aproveitou enquanto eu descansava para colher algumas plantas e frutas nas florestas do Distrito 7. Digo que já estou bem e recomeçamos a caminhada. Chegamos até o Distrito 8 antes do cair da noite. Não encontramos ninguém.

Acampamos na réplica do Edifício da Justiça do 8. O hino começa. Marta já dorme. Kira prepara mais detonadores e me interroga sobre meu ataque aos Carreiristas ontem e o que eu fiz com as bestantes. Digo não entender do que ela fala, que só usei suas criações. Ela desiste da conversa. Não há nenhum morto hoje. Sou o último a dormir.

J V * XXX

Mais um dia se passa. A trevessia do 9 é tumultuada devido a presença de algumas armadilhas, que identifico como sendo feitas para roedores. Uma coisa semelhante a mandíbolas cheias de dentes feita metal enferrujado. Aquilo poderia decepar uma parte do corpo de alguém com muita facilidade. Uma quase pega o pé de Kira, mas consigo salvá-la a tempo. Somos bastante cautelosos depois disso.

Um enxame de insetos voadores, verdes, do tamanho de meu dedo médio nos ataca, enquanto descansamos. Felizmente, nos tocamos de sua aproximação com antecedência, graças a uma pequena armadilha que Kira havia feito, uma espécie de sensor de movimento, e saímos de lá, sendo picados por poucos. Ficamos nos coçando durante algumas horas, até que Kira recebe uma dádiva, aparentemente o público da Capital está gostando das criações dela. É uma pomada, que ela divide conosco, nos livrando da conceira, restando apenas alguns calombos vermelhos.

Chegamos ao território do Distrito 10. Paramos e comemos algumas das frutas, enquanto passa por minha cabeça a ideia de que, talvez, todos estes ataques sejam direcionados para mim, mas a ideia se vai como veio, rápido. Voltamos a caminhar depois de comer.

As meninas me perguntam se tenho algum objetivo. Digo a elas que ficar muito tempo num lugar é perigoso, ainda mais por que ainda existem Carreiristas vivos. Elas concordam comigo. Nada acontece na travessia do 10, a não ser que encontramos uma fonte de água pequena num campo de pastagem e enchemos nossa garrafa.

Estamos atravessando o 11 quando escuto um som alto e sinto as vibrações. Terremoto. Felizmente, ou melhor, infelizmente, não é próximo de onde estamos. Provavelmente é para matar, ou aproximar algum competidor que se afastou muito dos outros.

— Apressem-se — digo a elas e prossigo.

Os tremores não cessam, pelo contrário, aumentam e nenhum tiro é ouvido. Está se aproximando, penso quase entrando em pânico, ainda não havíamos saído dos domínios do Distrito 11.

Estamos nos arredores do 12, quando o terremoto nos atinge, abrindo fissuras no chão e quase nos fazendo cair nelas. Felizmente, a parte na qual estamos tem casas feitas de um frágio material, são só cabanas. Costura, me lembro do nome. Ouvimos um grito e vemos Patience logo atrás de nós, pendurada na borda de um buraco. A cerca que divide os distritos não está muito longe e não parece haver tremorem no próximo território. Tomo uma decisão.

— Corram! — digo, apontando a cerca. — Eu alcanço vocês daqui a pouco!

As duas vêem a situação e obedessem, correndo aos trancos e barrancos. Eu retorno até Patience. Quando eu estava a menos de cinco metros dela, a fissura na qual ela estava fechou-se com assustadora velocidade, prendendo-a da cintura para baixo. Saiu sangue de sua boca. Ela chorava.

Um pára-quedas cai bem entre nós. Corro até ele e encontro um pote pequeno de comida, batatas cozidas e caldo verde e um saquinho de sal, com o número 6 nele. Rio, sai lágrimas dos meus olhos. Pego minha faca e a olho, pondo novamente no cinto e murmuro perto do rosto de Patience:

— Vá em paz. — E segurando seu rosto molhado, sussurro algo mais em seu ouvido e dou fim a seu sofrimento depois disso.

O terremoto diminui, pelo menos onde estou. O canhão dispara. Eu corro para a cerca. Kira e Marta estão mais adiante. Junto-me a elas e nós avançamos pelo território do Distrito 13, ou melhor o que sobrou dele.

As meninas estão ofegantes, sugiro uma parada, elas concordam. Preparo o almoço, oferecendo minha dádiva a elas também. Nós comemos. E elas adormecem logo depois.

Mexo na bolsa de Kira, pego a de Marta e saio dali, fazendo uma caminhada pelo distrito morto. Tudo está em cinzas, destruído, arrasado pelo poder da Capital. Rio, me sinto vazio, mas já esperava por isso. Algumas horas se passam.

Como mais alguns pedaços do pássaro sem bico e ouço mais vozes, mais sons de passos. Entro no que deve ter sido o Edifício da Justiça e vou até a parte mais alta remanecente. Avisto os três Carreiristas, Britney, Coren e Drustran, vindo do lado do Distrito 1. Os três têm machucados, mas parecem em condições de lutar. Da direção da Cornucópia vem o garoto do 7. Ele manca e parece bastante debilitado. Vindo da única parte inexplorada por mim, ou seja, da direção mais distante da Cornucópia, aproxima-se a garota do 8 correndo, desesperada. Tem ferimentos em suas mãos e braços. E ouço sons de rugidos. Ótimo, mais bestantes e dessa vez assassinas... Assobio para ela, que me vê e faço sinal para que siga a esquerda. Ela segue meu conselho. Realmente deve estar fugindo de algo terrível, mais terrível do que outro tributo.

Desço do Edifício, mas não antes de atirar uma parte da sacada no garoto do 7, que vinha andando devagar por causa da perna. Ele tem um machado e me olha com ódio, apressando-se, na medida do possível, para mim.

— Venha me pegar! — grito para ele, parando na vista dos Carreiristas e corro de volta para o prédio onde deixei as garotas.

Ouço um berro de mulher e um tiro de canhão. A garota do 8 está morta. Continuo correndo. Chego ao prédio, elas ainda dormem. Passo por elas e vou para a outra saída. Corro o máximo que posso.

Paro a dois quarteirões, ocultando-me atrás de uma parede, sobra de uma casa. Escuto gritos vindos do prédio e aciono o detonador. O prédio vai pelos ares.

Me deixo cair, começo a chorar. Todos se foram.

Ou quase.

O machado cravado em meu braço me diz isso. Ele grita, quase urrando, está a uns três metros de mim, e diz:

— Obrigado por me dar a vitória.

Eu rio, me repugna a satisfação dele, e digo:

— Não, eu que agradeço por não ter caído sem lutar.

E o frito com o pequeno detonador de energia que Kira fizera ontem, um com pequenas roelas como rodinhas. Desmaio em seguida.

J V * XXX

Me recupero no hospital do Centro de Treinamento, sou obrigado a assistir aos Jogos junto com todos aqueles doentes, recebo a coroa da desgraça das mãos do presidente Snow, que sorria, mas tinha olhos perfuradores, e sou conduzido até sua mansão para o Banquete da Vitória.

Lá, recebo vários parabéns das criaturas nascidas naquele lugar e, em meio a isso tudo, chega um pedaço de bolo. Um pequeno papel está sob ele e diz:

Vá até a maior sacada. Olho em volta a procura desta e a encontro na parte sul do salão. Caminho até lá como se não houvesse nada de errado.

Encontro o presidente lá, sorrindo para mim, ele me convida para admirar a paisagem com ele e eu me aproximo.

— Como está se sentido, garoto? — pergunta-me.

— Feliz, é claro — minto. — Quem não estaria depois de escapar daquele inferno?

— Sim, quem não estaria... Sabe, eu fiquei bastante instrigado com seu desempenho na arena. Todas aquelas explosões! É realmente chocante ver isso por parte de um tributo do Distrito 10.

— Foi Kira Stokes. Ela criou as bombas. Eu só as usei a meu favor — falo, dando um sorriso. Ele me olhou nos olhos e sorriu de volta.

— Dwenn Jordan, um garoto sem sorte e sem família, sem ninguém para dar falta... — diz ele e volta-se para a paisagem. — É realmente difícil de encontrar os vestígios de cada gado que cai nos trituradores, mas não impossível.

Ele aponta para um prato sobre o peitoril da sacada, está cheio de carne nele. Eu suspiro e rio, já não tenho mais motivos para perder a cabeça, tudo esta amortecido.

— Como descobriu? — pergunto. Ele ri novamente.

— A garota tinha medo de ir para arena e contou em troca de ajuda. A única coisa que você não cosiderou em seu plano.

— Como vai me matar?

— Não sei do que fala, só queria lhe oferecer este prato — diz, com uma cara de estranhamento e sorri novamente, pondo a mão em meu ombro. — Boa noite — E se vai.

J V * XXX

Quando volto para meu quarto, tem um bilhete em minha cama, mandando-me ligar a tv. Sento na cama, pego o controle remoto, ligo a tv e vejo o que certamente será exibido algumas horas mais tarde.

Há um garoto entrando no andar de seu distrito junto com sua equipe de preparação. Um vaso de vidro é usado com arma no início. Depois os talheres da sala. Foi uma chacina. Ele ri, como eu fizera muitas vezes na arena e fazia agora, e, usando peças dos aparelhos do apartamento, constrói algo que, no Distrito 3, talvez, poderia se chamar de detonador de energia, como os que Kira contruiu na arena. Ele os distribui pelo lugar e vai para o quarto, sentando onde eu estou. O controle remoto que está em minhas mãos poderia facilmente ser confindido com o objeto que ele carrega. Olhando para mim e rindo, ele aperta o botão. A tela apaga.

O silêncio reina em meu quarto até que a imagem se abre novamente e Patience Fackller aparece, dizendo estas palavras:

— Eu nunca vi aquele garoto! Eu sei que ele não é Dwenn! Vocês têm que acreditar em mim!

A imagem muda para quando eu fora tentar salvá-la e a cena final:

— Vá em paz. E, a propósito, sou Stephan River...

A imagem apaga, cortando o que eu ia dizer. Me vejo no espelho da parede ao lado da tv, ignoro a cor de meus olhos, de meu cabelo, de minha pele, para mim tudo é incolor. Não me interessa se eu sou forte ou fraco. Eu não sou uma pessoa, sou muitas, sou uma ideia. Ideias não sangram, não sentem dor, ideias não amam, não choram... Eu chorei na arena.

Eu lembro dos flashs que vislumbrei quando entrava na arena. A entrevista, minha demonstração para os Idealizadores dos Jogos, a viagem, a colheita, a mentira. Fico me perguntando como eles não notaram a mentira...

Invadir um distrito, matar um dos adolescentes e me oferecer no lugar do tributo escolhido, fingindo ser ele. Os doentes da Capital nem mesmo haviam se dado ao trabalho de verificar se eu era Dwenn Jordan pelo sangue... Eu só tinha que vencer e, posteriormente, esperar um ano para agir, explodir a sede deles.

Tudo parecia certo... Eu quase consegui...

Rio.

— Distrito 13 — eu murmuro e tudo explode.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Jogos Vorazes - Trigésima Edição" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.