Goku não sabia dizer o que sentia no momento. Na verdade, todo esse negócio de sentir não parecia ser com ele. Claro, havia amor pelos filhos e amigos, mas ele sempre pensou nisso como uma convenção que ele foi aprendendo.

Até mesmo seu casamento foi assim. Ele sabia que tinha prometido e como um homem honrado, cumpriu. Simples assim. Apesar dos momentos aparentemente tranquilos no começo da união, ele nunca teve a oportunidade de meditar sobre aquilo.

Ele sabia que as pessoas dependiam e gostavam dele, só que não sabia o motivo. Será que ela pelo corpo musculoso? Pela força descomunal? Ele nunca soube. Todos diziam que ele era um cara ótimo, mas ele nunca soube o que era ser ótimo. Tentou uma conversa íntima com Chichi uma vez, agora que se lembrava, foi pelo menos uma semana antes desses dias loucos começarem...

“Chichi, você me acha um cara legal?”

“Claro que sim meu amor! Por que essa pergunta?

“ Bom, eu sempre escuto as pessoas dizerem isso, mas eu realmente não sei se é realmente legal matar outros seres pelo bem do resto...eu nem entendo o que é esse tão falado bem maior...Chichi, o que você acha? Eu sou um bom homem?

“ Goku, falando bem sério, bondade é superestimada...e você é um bom homem nos aspectos em que sua bondade é exigida. Agora...nos outros..onde ela tem que ser sentida e querida por você..ela não aparece muito...”

“Como assim Chichi..?? “

“O jantar está pronto...vamos comer?”

Lembrou-se que naquele jantar em especial, Chichi estava muito quieta. Todos estavam na mesa, felizes porque ele tinha voltado, preparando os treinos, pensando quando podia começar, só que Goku não sabia o que Chichi pensava sobre isso, somente porque não se preocupou em saber. Ele sabia que ela tinha uma função na vida dele, sabia que precisava da ajuda dela, só que nunca soube da vontade dela.

Ele nunca pensou que essas ausências, mesmo na presença de sua mulher, pudessem causar tanto desatino. Ela foi embora!!! Ele não sabia como proceder. Será que ele achava que ela era apenas alguém para ajudá-lo a sobreviver? Não! Isso ele já tinha resolvido! Chichi era o desafio mais assustador que ele já tinha enfrentado.

E perdera! Miseravelmente! Perdera quando escolhera abandoná-la em vez de lutar ao seu lado, usando aquela desculpa esfarrapada de “o mal me persegue”. Perdera, quando deixava que ela ganhasse aos gritos, quando permitia que seus amigos a irritassem somente para vê-la mais nervosa. A primeira derrota de Son Goku foi para ele mesmo. Ok, não era bem a primeira derrota, só que ele não sabia o que fazer.

Ele sempre ia treinar mais quando era pra abater um inimigo, só que dessa vez o inimigo era ele mesmo. Ele nunca fez sua parte em relação ao casamento...sempre recebeu, ainda que não merecesse, ainda que ele percebesse que Chichi estava cada vez menos feliz, ele não fez nada para mudar isso. Só que ele queria, mas não tinha ninguém o convencendo ou ensinando como ser um homem casado.

Vegeta era um abençoado. Ele e Bulma com aquele humor dos diabos, se deram bem. Bulma não era tradicional e consequentemente, seus pensamentos sobre relacionamentos eram diferentes. Chichi não podia ser tão dinâmica porque ela esperou por ele. Achou que ele os levaria, mas ela teve que assumir esse papel.

Essa corrente de pensamentos o estava assustando mais que de costume. E ele tinha tempo. Tudo bem que ele sabia seguir o radar do dragão, mas os amigos acharam melhor colocar ele pra descansar, já que o nervosismo dele colocaria tudo a perder.

Então, as almas que se acharam mais aptas, colocaram o rastreador pra funcionar. E chamaram a nuvem e se colocaram para procurá-la. Ele ainda estava com os livros nas mãos, tentava achar uma resposta, mas a mente densa dele não conseguia fazer nenhuma associação relevante.

Foi relativamente fácil achá-la, depois que o localizador apitava sem cessar por causa do carro. O veículo estava ali, intacto. Chichi podia ser vista de onde eles pousaram, mas havia mais uma presença por ali.

Um corvo, o mesmo que tinha saído do coração de Chichi a um tempo atrás estava ao lado do carro, como um guardião protegendo seu bem mais precioso. Só que o bicho, além de grotesco era gigante.

A abordagem mais óbvia foi um kamehameha, que claramente não funcionou. Esse corvo não tem nada a ver com um inimigo físico, excluindo-se o fato que ele podia machucá-la e muito. Goku sentia isso, sabia que aquela criatura estava ligada a ele de alguma forma muito torpe.

Chichi estava dormindo profundamente. Sonhava que dançava com Goku, dessa vez em um terno preto, diferente do casamento deles, eles rodopiavam. Ela, com um vestido vermelho, um decote profundo, sapatos de salto alto. Nunca havia usado essas roupas. Ela queria ficar ali pra sempre. Por ela, dormiria assim...e dançaria com seu amado até o fim da vida...aquele era seu maior desejo. Fazer com que um dia Goku dançasse somente com ela. Nada além e nem aquém.

O corvo disse que Goku deveria mandar os amigos saírem dali, coisa que foi recusada terminantemente. Mas não pelo próprio Goku...mas sim por aqueles que moldaram toda a sua existência.

Goku, em mais um arroubo, mandou que todos saíssem dali. Que aquele era um assunto somente dele, os filhos discordaram, embora soubessem que ele estava certo. Só que não é lá muito saudável enfurecer um sayajin como Goku e até mesmo Vegeta, que grunhia e muito ao admitir, disse para todos se afastarem.

O corvo, em uma alusão clara à esfinge de Tebas, manteve sua guarda ao automóvel e disse as seguintes palavras:

“O que a sua mulher deseja? Um detalhe, se você errar, a alma dela vai embora junto comigo.”

“Como?????? Como eu posso saber o que ela deseja?”

“Você não a conhece? Não são casados a tanto tempo? O que sabe dela?”

Em um rompante de inteligência, Goku pergunta se faz parte da questão, o que o corvo replica que não. Ele pode responder livremente, quem sabe até o ajude nessa missão tão complicada.

Goku começou a meditar...lembrou do casamento...claro..ele não era um ser ignóbil e insensível. Ele se lembrava de alguns flashs....mas teve um detalhe que chamou a atenção. Uma conversa entrecortada entre Chichi e Bulma. Um relance de frase, não chegava a completar uma frase inteira.

Encheu o peito e gritou:

“Chichi quer dançar em um salão, com um vestido vermelho e quer que eu use um terno preto, diferente do nosso casamento. Quer que eu dance com ela sem empurrá-la, sem dizer que preciso treinar e que aquilo não serve pra nada. É isso o que ela deseja.”

E repentinamente...tudo ficou preto como o terno que Chichi sonhava para seu marido.