505 escrita por A L Souza


Capítulo 1
Um - Era uma vez no colégio...


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem das mudanças. Resolvi prolongar um pouco mais o encontro dos protagonistas.



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— Não acredito nisso! — Isabele começou a rir sem parar do que acabara de ouvir Anne confessar — Você e Emily são tão inocentes, ainda cheiram a leite. Pobres virgens inocentes!

— Mas é verdade, Kevin pensou que eu iria transar com ele na picape — Anne pegou o suco de laranja e bebeu um gole, pensando se foi uma boa ideia contar aquilo para Isabele.

Emily ficou encolhida na mesa presa em seus pensamentos. Na última prova de Física na qual tinha medo de ter perdido, mesmo levando em consideração que ela já estava com seu boletim transbordando de notas boas. Ela ajeitou os óculos demoradamente e decidiu então prestar atenção na conversa que rolava entre suas duas amigas. Riu quando as duas riram, mesmo sem achar graça da situação, mas pelo menos para parecer estar por dentro. Ajeitou os cabelos loiros e ondulados atrás da orelha e arrumou o suéter de cashmere azul-marinho que ganhou da mãe no natal.

— Está preocupada com algo? — Anne esticou o braço sobre a mesa e segurou fortemente a mão da amiga chamando a atenção de Emily.

Anne fazia o máximo para ser atenciosa principalmente com Emily que era um caso “especial”. Ela era considerada “O Patinho Feio” do colégio Saint Dennis e todos de lá sabia de sua tentativa de suicídio. Mesmo só tendo dezesseis anos, o divórcio dos pais, o bullying que sofria dos colegas, suas notas começaram a cair. A perfeição começou a se dissipar. Aquilo abalou Emily de tal forma que a única maneira que achou viável, foi dar um fim naquilo tudo. Numa tarde foi encontrada pela mãe, mergulhada na banheira. O sangue se espalhou por toda a água. Por pouco não acabava morrendo. Passou todo o verão no hospital e depois por várias consultas no psicólogo.   

Isabele se maquiava olhando para o minúsculo espelho a sua frente. Penteava os cabelos longos, negros e cacheados com os dedos. Examinava as pontas tingidas de um roxo vivo a procura de alguma ponta dupla que sabia que não existia. Isabele cuidava melhor do cabelo do que dela mesma. Emily saiu daqueles pensamentos e preocupações fazendo que não com a cabeça respondendo a pergunta de Anne que as vezes enchia o saco dela com toda aquela atenção.

— Quando foi que colocou isso no nariz? — Emily apontou direto para o piercing que atravessava o nariz de Isabele, mas na realidade não tinha a mínima curiosidade só queria jogar algum assunto em cima das duas amigas.

Isabele sorriu e começou a mexer na argola do nariz. O piercing lembrava aqueles anéis colocados nos focinhos dos porcos para se comportarem.

— Obrigada por ter percebido isso! — ela sorriu para Emily e olhou de soslaio para Anne — Coloquei semana passada, meu pai pirou quando viu, mas depois de algumas horas olhando para o piercing se conformou e voltou a assistir a seu jogo de futebol como sempre.

Isabele revirou os olhos e começou a lixar as unhas. Emily limpou a maçã na sua mão e deu uma mordida. Olhou por sobre o ombro de Anne e de repente parou de mastigar paralisada com aquilo que via. Era real? Será uma miragem? Os raios de sol banhavam o pátio com aquela visão esplendorosa. Quem era aquele cara? Emily ficou por certo tempo sem respirar. Anne que estava sentada de frente para Isabele ficou curiosa e se deu o trabalho de virar e olhar para o garoto que atravessava o pátio.

Cabelos castanhos brilhavam ao sol e dançavam com o vento que passava. Óculos escuros, costas largas, calça jeans, camiseta branca revelando poucos vestígios do corpo definido. Andava majestosamente pelo pátio e todos os olhares se encontravam no garoto. Ele se virou e Anne pôde perceber o rosto quadrado e singular, nariz reto e fino, lábios bem desenhados, praticamente um modelo de revista. Os detalhes ficaram mais nítidos e só assim Anne percebeu a aproximação repentina do garoto. Só um tempo depois ela notou a acompanhante, quem o garoto segurava pelo braço parecendo ser guiado. Aquilo chamou sua atenção por um tempo, mas depois uma voz irrompeu o momento.

— O QUE FOI AQUILO? — Isabele disse pausadamente enquanto se entreolhavam.

— Será novo aluno? — Anne sugere sem jeito olhando em volta, tentando disfarçar a situação.

— Deus lhe ouça querida! E quem será a loira que acompanhava ele?

Dúvida no ar.

— Tenho de ir estudar, acho que fui mal na última prova, vou revisar o assunto e ver o que errei!

Emily levantou-se lentamente, pegou os livros sobre a mesa, passou um braço numa das alças da mochila e acenou com a mão livre para as amigas.

— Acha que ela já está melhor? — disse Anne após ter certeza que a amiga estava longe para ouvir algo.

Isabele olha em desdém para ela e revira os olhos, realmente era boa em fazer aquilo.

— Já faz cinco meses!

— Eu sei, mas tenho medo que ela faça besteira novamente.

— Fique tranquila, — Isabele pegou o que restou da maçã e arremessou errando a lata de lixo próxima da mesa — já tinha me esquecido. Vai rolar uma festa na casa de Adrew hoje à noite, os pais dele vão viajar. Vamos! Por favor! Prometo que vai ser legal. Você me deve uma.

— O que eu te devo?

— Nada, mas só disse para fazer um draminha.

Anne pensou um tempo e lembrou que não tinha nada para fazer a não ser ficar em casa observando a velha rua abandonada ouvindo as mesmas músicas e lendo os mesmos livros, várias e várias vezes. Enquanto os gemidos dos vizinhos que faziam orgias todas as noites e os gritos do outro vizinho que tinha problemas psicológicos a enlouqueciam. Sair um pouco não faria mal nenhum. Ela fingiu pensar por um tempo.

— Não garanto, mas vou fazer...

Antes que pudesse terminar Isabele já estava abraçando ela fortemente.

— Às oito horas! Estou atrasada! Tchau!

Isabele levantou-se, o pátio já estava vazio e só assim Anne percebeu que o sinal tocou sem ela perceber. Caminhou para sua aula de Literatura, antes que entrasse no prédio algo chamou sua atenção. A senhora Madison. Na frente do portão. Parecia olhar diretamente para ela. Era a sua vizinha. Uma velhinha baixinha, e como sempre, estava segurando seu gato preto. Anne nunca teve coragem para enfrentar aquela figura. Resolveu que não seria aquele dia que iria acontecer isso.

Tomou coragem e correu para o prédio. Atravessou os corredores vazios e chegou à sala de aula abrindo a porta com força e rapidez chamando a atenção de todos.

— Algum problema senhorita Campbell? — perguntou o professor na frente do quadro.

As sobrancelhas dele estavam arqueadas enquanto risadinhas e comentário percorriam a sala diante do que Anne acabara de fazer.

— Desculpe. — foi à única coisa que ela disse antes de ir para sua carteira e prestar atenção na aula.


A aula de Literatura corria e depois de um tempo alguém bateu a porta. Era o diretor. O garoto de cabelos negros, ainda de óculos escuros, o acompanhava, segurando seu braço da mesma forma que o da garota. Anne parou de escrever ao perceber que o diretor iria dizer algo.

— Bom dia pessoal, este será o novo colega de vocês, Patrick Weiss, espero que o ajudem a se acostumar com o novo colégio — o diretor olhou para o garoto que não movimentava a cabeça para nenhum lado, olhava diretamente para a parede do fundo da sala — quer dizer algo Patrick?

O garoto fez que não com a cabeça. O diretor caminhou lentamente com ele até a carteira ao lado da de Anne. Só com isso ela percebeu algo de diferente nele. Patrick Weiss era cego.

O diretor saiu em seguida e o professor começou a fazer perguntas ao garoto. “Está bem?” “Precisa de alguma coisa?” “Tem certeza de que está bem?”. Anne percebeu o garoto apertar o punho sobre a mesa. Todos pararam o que estavam fazendo quando Patrick disse:

— Sou cego, não retardado!

Todos da sala olharam para o garoto que não demonstrava nenhuma indiferença na feição.

O professor ficou sem graça e nada disse. Voltou a escrever o assunto no quadro em silêncio enquanto risinhos ecoavam pela sala após a situação inesperada. Patrick se esticou procurando a sua mochila no chão e o aluno atrás dele chutou-a para longe. Anne fulminou o garoto de trás, com o olhar, por tamanha infantilidade. Ela levantou-se e pegou a mochila do novato entregando-a.

— Obrigado! — disse Patrick olhando para frente e sorrido para quem quer que fosse que tivesse o ajudado.

Tirou uma pequena máquina de datilografar da mochila e colocou sobre a mesa. Antes que Anne pudesse se sentar sentiu uma mão segurar a sua. Era o novato. Ele a puxou até poder colocar a boca próxima do ouvido dela.

— Pode me ditar o que ele está escrevendo no quadro?

Anne lentamente puxou sua carteira e colou-a bem ao lado da de Patrick.

— Qual é seu nome mesmo? — ele perguntou enquanto tateava e colocava a folha na máquina em braile de datilografar.

— Anne! — ela sorriu olhando para ele.

— Obrigado por me ajudar. Anne!

— Por nada.


Ele era tão gentil que Anne teve a maior paciência para ditar palavra por palavra. Entre as várias palavras os dois trocavam conversas alheias. A garota que trouxe ele era sua irmã, Ashley, eles foram para aquela cidade pelo custo de vida alto que tinham em Nova York que não podiam mais sustentar. Ir para um lugar mais tranquilo seria a forma mais viável de administrar o dinheiro deixado pelos pais. Eles morreram no atentado de onze de setembro. Estavam em um dos aviões invadidos por terroristas que explodiram as torres gêmeas. Ainda eram crianças na época, a tia deles cuidou dos dois por certo tempo. Depois que Ashley, completou a maior idade, pôde ter acesso ao dinheiro que os pais deixaram e o direito de cuidar de Patrick, que era dois anos mais novo que ela.

A aula de Literatura se tornou algo fútil com a história que Anne escutava o garoto contar, como ele podia se abrir tão facilmente com uma desconhecida que nem ele mesmo via? Quando se deram conta à aula já havia acabado e só eles continuavam lá na sala. Antes dela se levantar Patrick fez um pedido.

— Quero lhe pedir uma coisa, caso não seja incômodo...

— Claro que não. O que é? — Anne coloca os livros na mochila e coloca a sua carteira de volta ao lugar.

— Como minha irmã está no trabalho novo e já que não conheço o colégio, tem como você me guiar, para não me perder?

Anne deu um risinho baixo ao perceber o rosto dele corar depois do pedido. Ela não disse nada. Caminhou até ele, passou um braço por dentro do dele que estava erguido como de um cavalheiro a moda antiga a sua espera. Patrick era muito mais alto que ela, devia ter um e noventa mais ou menos. Anne sentindo o braço forte dele colado no dela ficou curiosa.

— Você pratica algum esporte?

— Natação.

— E como é o lance de nadar sem saber para onde? — Anne tentou não parecer preconceituosa com sua pergunta.

— Nadando desde os oitos anos de idade me acostumei. Diga-me quantos metros tem a piscina eu saberei quando estiver chegando ao outro lado. Quanto a direção que devo seguir já é automática. Nunca perdi o caminho ou desviei.

Olhares curiosos acompanhavam os dois pelos corredores. Anne já está pegando o novato? Rapidinha ela, em? Os tipos que comentários que rondavam os corredores. Anne não era lá popular, mas também não era introvertida. Gostava de fazer novas amizades e por este motivo conhecia todos do colégio e todos do colégio a conheciam, não por ser líder de torcida ou fazer parte de algum clube importante, mas pela pessoa legal que era. A próxima aula de Patrick era justamente natação.

— Acho que fico por aqui. O vestiário masculino é logo à frente.

Anne deu um leve empurrãozinho ao perceber o treinador se aproximando da entrada.

— É o novo aluno. — ela disse enquanto Patrick acenava ainda de costas para ela e o treinador começava a conversar com ele dando o braço ao perceber que seu novo aluno era cego.

Ela estava perto da saída do ginásio onde ficava a piscina quando alguém gritou seu nome do outro lado. Era Brand, irmão de Isabele. Ele sempre teve uma queda por Anne e nunca faz questão de esconder isso dela. Convidou-a para sair nove vezes e os nove convites foram recusados. Brand estava de sunga e todo molhado indo na direção dela, ela até aceitaria sair com ele se não estivesse namorando o Kevin.

— Quem é o cara novo? — ele perguntou tirando a toalha de cima do ombro e enxugando o cabelo.

— É Patrick Weiss, o novo aluno — depois uma ideia brotou em sua mente — queria pedir para você me ajudar com ele. — uma interrogação ficou no ar e antes que Brand fosse precipitado com o que acabara de ouvir, Anne apressou-se nas palavras — Patrick é cego e precisa de uma ajuda para perambular pelo colégio, queria saber se tem como você ajudá-lo a me encontrar depois daqui, eu levarei ele até a irmã que vem buscá-lo mais tarde.

Ele deu de ombros e sorriu para Anne.

— Obrigado Brand!

Ela o abraçou que ainda estava um pouco molhado e saiu de lá correndo para não chegar atrasada na aula de artes. O que eu não faço por essa garota? Pensou Brand.


— Obrigado por tê-lo ajudado, eu assumo daqui! — Ashley parecia um pouco hostil ao por um braço em volta de Patrick guiando-o para o carro.

Anne ficou meio sem graça.

— Tchau Anne, até segunda-feira! — Ele acenou para o nada e entrou no carro.

Ashley caminhou até o outro lado e fulminou a garota espertinha que quis se aproveitar de seu irmão por ser cego.

O pneu do carro derrapou um tempo no asfalto do estacionamento até sumir ao dar a curva na esquina da rua do colégio.

— Olá Anne — a voz masculina fez Anne sobressaltar no mesmo instante.

Era Kevin atrás dela. Depois da última noite em que os dois discutiram já que Anne disse que não transaria naquele carro imundo dele, Kevin era a última pessoa em que queria ver. Ela virou o rosto e passou por ele ignorando-o. Antes disso Kevin segurou seu braço.

— Quero só dizer uma coisa antes de você ir embora! — a voz de Kevin assumiu um tom mais sério.

Ela ficou curiosa e virou o rosto para o namorado.

— O quê? — perguntou, se soltando da mão dele e cruzando os braços.

Quatro palavras apenas foram ditas para que toda a raiva de Anne desaparecesse dando lugar à notícia.

— Acho que devemos terminar. — curto e grosso, as palavras saíram da boca de Kevin destruindo Anne de uma vez só.

— Está terminando comigo por não ter transado com você? — Anne estava furiosa agora.

— Não é isso... é que encontrei uma outra garota.

Eu levando um fora desse babaca, pensou Anne.

— VÁ SE FUDER KEVIN! — Ela o empurrou e saiu do estacionamento com os olhos marejados.

Tirou sua bicicleta da trava enquanto olhares curiosos acompanhavam seu rosto encharcado de lágrimas que caíam sem parar. Subiu na bicicleta e pedalou até onde Kevin ainda estava parado. Arrancou o colar do pescoço e jogou nos pés dele. O pingente de coração brilhava com o sol da tarde.

— E META ESSE COLAR NO SEU...! — as palavras saíram entre soluços, mas a mensagem foi dada antes dela sair do estacionamento pedalando o mais rápido possível.

As lágrimas corriam pelas laterais do rosto enquanto pedalava a todo vapor e só pensava em uma coisa: Chorar no seu quarto sem parar até essa dor terrível passar.  



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Notas finais do capítulo

O que acharam? Algo precisa ser melhorado? O que mais gostou? Deixem seus comentário por favor!!!