Fogo e Gelo escrita por Débora Falcão
Uma festa infantil, inocente. Alguma criança fazia aniversário. Um menino, talvez. Sheba inspirou o ar. Sim, um lindo garotinho. Sentiu todas as emoções do local e testou as amizades, a alegria, todos os sentimentos bons que vinham do salão. Pequenas fendas se abriam por sua pele, mostrando o fogo infernal dentro de si querendo rompê-la. Inspirou novamente acalmando-se.
Entrou no salão. Humanos felizes, com suas crianças correndo e brincando. Olhou para si mesma. Estava vestida como uma das animadoras da festa. Mas suas roupas tinham fibras de couro de serpente, que incitavam à malediscência, fofoca e confusão mental. Seus olhos perscrutavam o ambiente à procura de casais felizes.
Encontrou um. Concentrou-se. "Andrew." Chamou. Viu-o olhar de um lado a outro, com a impressão de alguém tê-lo chamado.
Andrew estava com sua esposa, acompanhando seu filho de sete anos à festa de seu amigo da escola. Então, sem quê nem mais, começa uma discussão entre eles.
"Mas você não o levou à escola ontem." reclamou Barbra, sua mulher.
"Eu estava ocupado. Alguém tem que trabalhar e providenciar o sustento da casa."
"O que quer dizer? Que eu não faço nada? Eu lavo e passo suas roupas, cozinho sua comida, e você ainda acha ruim?"
"Não faz nada além do que lhe é próprio fazer."
Aquilo feriu Barbra de modo aterrador. E Sheba sorriu intimamente. Com aquele casal não precisava mais se preocupar. Olhou em volta. O que fazer? Uma criança talvez. Concentrou-se no aniversariante. Feliz, cheio de amigos. E se as crianças resolvessem brigar, todas juntas, com ele? Ele não suportaria a dor de, em sua própria festa de aniversário, ser ignorado por seus coleguinhas de turma. As crianças quando brigam sabem ser cruéis, ponderou Sheba.
Foi quando ela sentiu algo chicoteá-la. Olhou em volta, mas não viu nada além do que os humanos. Então, sentiu de novo. E foi impelida a sair da festa.
Do lado de fora, o cheiro fortíssimo de enxofre a invadiu. Procurou mas não viu ninguém. Uma risada alta e sarcástica fez os cabelos da nuca arrepiarem. E então, ela surgiu.
"Jezebel."
"Ora, ora, Sheba. Está novamente com esse passatempo idiota? Destruir festinhas bobas? Você nunca será promovida a demônio de casta superior desse jeito." E riu novamente.
A figura de Jezebel se movia informe, apenas seu rosto tinha alguma forma no meio daquela névoa cinzenta. Seus chifres de ônix brilhavam como se tivessem sido lustrados.
"Eu faço o que tenho vontade. E isso não tem nada a ver com você."
"Hum... parece que a garotinha está com problemas emocionais... será que uma demônia está sentindo saudades de um certo semi-anjo?"
"Isso não é da sua conta!"
"Sheba, querida, pode se abrir comigo. Eu sou uma demônia de palavra. Não se preocupe, querida, eu vou ajudá-la. Posso trazê-lo até você, se quiser."
"Fique longe de Gabe!"
Ela sorriu amargamente. "Gabe, Gabe. Então, está tão íntima assim com seu semi-anjo? Gabe... Gabe... Gabe..."
"Cala a boca!"
Com uma risada sarcástica, a névoa foi sumindo, e o nome Gabe ainda pode ser ouvido por Sheba ao longe. Ela faria alguma coisa a ele, e Sheba tinha de impedir. Não sabia como nem porquê, mas precisava protegê-lo.
"Não, não vou fazer isso. Ele tem ao pai dele, um anjo que pode protegê-lo melhor do que eu, uma simples aprendiz." Mas, mesmo dizendo essas palavras em voz alta, não tinha tanta convicção.
"Droga!"
Sheba transmutou-se em sua forma demoníaca e desapareceu, procurando em outra dimensão a casa de Gabe.
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