Dusk (Sombrio) escrita por MayaAbud


Capítulo 4
Selvagem


Notas iniciais do capítulo

"Vultos de todos os tamanhos
Se movem pelos meus olhos
As portas em minha cabeça
Estão trancadas por dentro
Cada faísca
Acende uma vela
Em memória daquele
Que vive sob a minha pele"
—Shadow On The Sun, Audioslave



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Eu havia perdido tudo. Perdido tudo e jogado fora o que me restara. A verdade é que eu não tinha mais forças nem uma vida. Eu perdi muito do meu tempo e partes de mim mesmo nas várias tentativas de fazê-la ver as burradas que fazia e de mantê-la viva, nas tentativas de salvá-la de si mesma e demovê-la de suas idéias malucas... E para quê?

Que sentido tudo havia feito se no fim ela simplesmente decidira se deixar abater como um animal, morrendo pouco a pouco pelo monstro que a sugava desde dentro! A coisa nem havia nascido ainda e já estava destruindo vidas, a começar pela própria mãe... E me peguei imaginando se não devia ter deixado a criatura nascer para então matá-la, Bella provavelmente me mataria depois, mas não seria muito pior do que ela já havia feito comigo.

Agora eu estava ali, perdido no mais penoso sentido da palavra. Estava a quilômetros do meu lar e de minha família. E ainda que frustrado e furioso eu não deixava de pensar nela. Se ela estava bem, se a coisa saíra dela como a vampira psicopata (eu não consegui impedir que rosnados irrompessem de meu peito ao pensar na loira) dissera que ia acontecer. Será que ela já era um deles, ou não tinha conseguido?

Eu parti, correndo, naquele mesmo dia, atordoado e em dor demais para conseguir pensar e me acalmar o bastante para fazer o fogo ceder... Minhas únicas forças e controle eram convertidos em velocidade e eu a mantinha em uma constante, que eu poderia manter por dias sem parar ou me cansar. Leah e Seth não disseram nada quando estiveram em minha mente horas mais tarde, só verificando, eu percebi. Queriam noticias minhas, algo para dizer para meu pai e quem mais perguntasse. Não consegui produzir sequer um pensamento coerente, ou um pedido de desculpas por abandonar a matilha que formávamos pela força das circunstâncias... Eles não me pressionaram.

Eu corri, sem direção certa, aproveitando o silêncio e afundando em dor, até que a dor era só o que a excessiva pressão do vento incisivo causava em meus ouvidos, ou o que queimava em meus músculos por exigir demais deles, ou em minha garganta pela sede... Logo o animal em mim suprimiria a dor do homem de uma vez por todas.

Ou foi o que eu esperei... Mas não foi como quando eu recebi seu convite de casamento, era muito pior agora e essa dor não foi suprimida, como se o lobo dentro de mim também tivesse perdido algo.

Eu já havia visto os dias irem e virem muitas vezes... Um mês talvez, um pouco menos quem sabe, não mais que isso. Enfim havia um equilíbrio, as dores da fome ou do cansaço não sobrepujavam a dor de ter perdido Bella ou de não saber dela, mas minhas emoções não eram maiores que meus instintos embora eles brigassem em páreo duro por espaço dentro de mim.

Tudo era silêncio, apenas eu e minhas dores e ausências, até ali... Eu dormia profundamente há algumas horas quando então, suave e muito intenso em minha consciência alguém me chamou, despertando-me aos poucos.

“Vamos lá, Jacob, não tenho todo o tempo do mundo”, a voz era impaciente, mas ainda era suave, o que se tratando de Leah tornava a situação ainda mais onírica. “Estou de partida, e espero que lembre que vamos precisar nos aturar ainda”

“De partida?”, falei só então recordando dos planos que ela tinha para quando tudo aquilo acabasse, bem... Havia acabado agora.

“Exatamente”, Leah concordou com a pergunta e com meus pensamentos, “Bom, claro que terá de aturar Seth também, por mais vezes que a mim e talvez Quil e Embry”

“Quil e Embry...?” balbuciei ainda não totalmente desperto.

Obriguei-me a levantar e me espreguicei, me curvando sobre as patas traseiras e me apoiando e esticando as dianteiras, depois me sacudi, para no segundo seguinte absorver as impressões de Leah com mais clareza. Ela vagava ainda nos limites de Forks, mas estava animada e com as malas prontas, passara os últimos vinte e um dias se preparando para partir: juntara parte do dinheiro que tinha no banco, algumas mesadas que conseguiu guardar, seu fundo da faculdade e parte dos pagamentos dos poucos empregos de verão que ele já arranjou na vida, com parte do dinheiro ela pagou seis meses adiantado um apartamento pequeno em Seattle e já estava matriculada em um curso técnico na Universidade de lá. Sua perspectiva e sua paz me fizeram sentir quase feliz. Era admirável. Leah tinha força para seguir em frente e se afastar de forma positiva. Mas por mais que eu pudesse invejá-la por isso, eu tinha de viver meu luto ainda... Por fim ela me responde:

“Aqueles dois são seus melhores amigos desde sempre, se há entre quem escolher, é claro que preferem seguir e estarem com você”. Pensei sobre aquilo com total estranheza e egoísmo, até.

“Não, essa história de alpha acabou. Sou só eu agora” e então acrescentei desconfortável: “E você, ao que parece”

“Eu estive pensando e... Eu não sei se dá pra ir e vir dessa coisa de seguir... Além disso, VOCÊ devia ser o alpha. Se você tivesse sido o primeiro a se transformar e, portanto o alpha desde o inicio, acha que poderíamos simplesmente escolher seguir Sam ou qualquer outro? Eu acho que não”

“Leah, eu realmente não quero pensar sobre nada disso agora, ok?”

“Ok” ela respondeu apenas, e eu captei sua intenção de dar notícias minhas a Billy antes de partir, e então eu estava sozinho novamente.

Eu devia ter perguntado a ela sobre... Charlie. Ele recebera alguma notícia? Foi informado de um trágico acidente e sobre o enterro? Ou os Cullen (rosnados) simplesmente desapareceram? Eu queria mesmo saber?

Senti-me esquentar de ódio, minhas garras cravando a terra úmida, rosnados vibrando em meu peito e chiando ao passar dentre meus dentes cerrados. Num átimo eu corri, não suportando a consciência humana me obrigando a pensar e indagar.



Os dias e noites eram indiferentes para mim, havia algo sombrio instilado em meu interior, mesmo quando meu ‘eu animal’ se sobrepunha por um período, eu era um animal soturno e irrequieto, que nem o dia mais claro poderia mudar. A dor de perder um amor me dilacerava, mas a dor de ver perder minha melhor amiga também era destroçante, pois além do amor impossível que eu sentia por Bella havia também nossa amizade, e esse vinculo corria fundo.



Minha dor era tão atordoante quando eu permitia que minha consciência humana sobrepujasse toda a selvageria, que por vezes eu me perguntei se de alguma maneira maligna, tortuosa e errante Bella não seria meu imprinting, o que eu sentia era tão semelhante às lembranças que tinha de Sam quando Emily o renegou por causa de Leah... Mas eu sabia que na verdade estava apenas buscando formas de me assegurar que eu não era esse estúpido abrindo mão de tudo por ter pedido algo que amava. Um imprinting talvez justificasse, mas não, eu não queria isso. Um dia, quando eu tivesse vivido todo meu luto, quando tudo se amenizasse, eu ia querer tomar minhas próprias decisões. Eu nunca viveria a mercê da vontade de alguém, como uma marionete nas mãos de seja lá quem for. O que eu experimentei com Bella já fora o bastante.

As coisas mudaram a minha volta. Eu corri, só parando quando minhas pernas dobravam-se sob mim de exaustão, o que nas minhas contas instintivas só acontecia quando mais de uma semana se passava sem que eu parasse, ou então quando a fome era demais para ignorar. Às vezes eu dormia, quando era extremamente necessário e isso acontecia sem que eu percebesse, dormia por mais de um dia, geralmente até acordar torturado por estar sonhando com ela, ouvindo a voz dela... Ou tendo pesadelos, seus gritos, sangue, seus olhos vermelhos, ou uma lápide com seu nome...

Enquanto eu avançava para lugar nenhum, as nuvens pesadas deram lugar ao sol, a floresta fechada e protetora se abriu em verde claro onde chovia menos. Eu ficava pelas redondezas de onde parecia inóspito até eu achar algum rastro humano, ou sentir fome e não achar nada ou não ter um lago ou rio por perto. Ou quando a ansiedade e tristeza eram demais, me impelindo a voltar a correr.

Conforme a paisagem mudava, secando e se abrindo eu percebia o quanto estava longe, isso dava algo mais que pensar, já que eu, Leah e Seth ainda nos ouvíamos. Eles não fizeram muitas vezes no começo, temendo me incomodar, bem, esse era o caso de Seth, Leah estava tentando parar de se transformar, e assistindo aquilo eu comecei a pensar que devia ser muito mais difícil do que imaginávamos. Não era apenas controlar a raiva e deixar o fogo que nos transformava esfriar, era também a necessidade que tínhamos daquilo, da sensação de liberdade, de força e a incrível velocidade, porém, por mais que Leah quisesse se livrar daquilo, ela sabia que teria de ter paciência e agüentar mais alguns anos, embora ter controle fosse um bom começo para ela.

Não sabia se ainda estava no país e também não me importava, não me dava ao trabalho sequer de olhar as placas quando eventualmente tinha de atravessar alguma estrada.

O tempo passava indistintamente, minha consciência humana só irrompia quando um dos dois, Seth ou Leah, tinham de dividir a mente comigo. A próxima vez que isso aconteceu era véspera de natal, eu não sabia onde estava, mas sabia que não chegaria a tempo de acalmar Billy e lhe dar um presente, então, voltar por quê?

Leah estava contente com sua vida, em ter o que fazer, em poder pensar só nela e em não ter que dividir seus pensamentos com Sam, eu sabia que ela pensava que eu devia fazer o mesmo que ela, sair daquela prostração, mas ela não me amolava. Seth estava totalmente perdido, Sam lhe dera um sermão e haviam feito uma reunião com o conselho tribal, para decidir o que fazer, mas parece que Leah tinha razão: eu não poderia simplesmente ‘devolver’ o garoto. Sendo assim ainda éramos uma matilha, “os renegados”, como Leah pensava.

Minha irmã, Rebecca e seu marido nos visitaram logo após as festas estavam de passagem em direção a Califórnia, para um competição de Surf em que o marido seria participante, Billy inventou que eu havia ganhado uma bolsa em algum lugar longe, por isso não estava, foi o que Seth falou, e disse também que Rachel estava furiosa, além de muito preocupada. Eu sabia muito bem que ela pretendia partir de La Push tão logo Paul pudesse se controlar o bastante para abandonar a forma lupina e segui-la, mas comigo fora, ela se sentia obrigada a ficar e cuidar de Billy, o que era bom de certa forma, meu pai sentia falta de tê-las em casa.

Seth voltou para a escola conforme tudo se acalmou. Não demorou para que ele viesse me segredar que achava estar rolando algo entre sua mãe e Charlie.

“Você sabe algo DELES?” perguntei hesitante. Em sua mente, imagens de Charlie muito abatido, remexendo em listas telefônicas e fazendo ligações demoradas enquanto Sue o chamava insistentemente para comer. Billy observava tudo resignado.

“Parecia uma série de investigação criminal. ELES desapareceram”

“Covardes”, rosnei.

“Mas Bella ligava às vezes. Pensei que diriam que ela morreu, como você achava, mas ela dizia que estava em um centro de tratamento na suíça. Billy tentou fazê-lo desistir, dizendo que Bella era um mulher casada agora, Caara, nunca vi Charlie tão furioso... Jogou na cara de Billy a tranqüilidade enquanto você estava desaparecido, Seth suspirou, Eu não entendi nada, até Charlie rastrear as ligações, eu ainda não sei como ele ligou as peças, mas foi parar no Alaska, e os encontrou”

“Os outros vegetarianos, os que não quiseram ajudar contra os recém-criados”

“Sim, o Clã de Denali. Quando Charlie voltou e foi contar para minha mãe e seu pai o que houve... Disse que Bella estava estranha, mas estava bem”

“Ela é um deles..., minha garganta se apertou, eu não sabia dizer se de alívio ou de tristeza, E a coisa, o monstro?, perguntei por pura curiosidade mórbida, eu não queria saber realmente, mas esperei a resposta.

“Charlie não disse nada sobre isso, ele apenas que ela não estava mais doente e que parecia muito bem e diferente, ele se arrepiou dizendo isso, eu o que eu digo. E ficou pensativo por dias...”

Ao menos a espera por notícias cessara, ela era um deles agora, e eu havia autorizado isso. Se um dia eles voltassem e, eu estando ou não vivo, nada poderia ser feito. Eu me irritei comigo mesmo, um tanto arrependido, não sei, eu salvara a vida dela tantas vezes e ainda garanti sua segurança eterna em minhas terras, no território de meu povo. E fiquei confuso: ela era uma recém criada e mesmo assim vira Charlie, conversara com ele? Bom, eu não teria minha resposta.




O tempo continuou passando, eu me alternava entre uma consciência e outra, correndo, eu passara por lugares incríveis, de tirar o fôlego. Conhecera as paisagens naturais e inóspitas de todo o continente americano, até o extremo sul.



Leah estava trabalhando em uma espécie de SPA muito elegante em Seattle, as pessoas faziam fila para serem massageadas por ela. Seth fora aceito em várias faculdades, mas optou pela de Seattle para ficar mais perto de casa e da mãe. Não que Sue fosse uma mulher solitária, uma vez que era casada com Charlie e os dois morassem na reserva. Sam, tinha um filhinho de 2 anos e se preparava para deixar as transformações para envelhecer com Emily, ele gostaria de deixar o cargo para mim, mas ao que tudo indicava Quil seria o novo alpha, já que ainda esperava pelo crescimento de Claire e tinha linhagem Ateara, Leah e Seth que tinham as três linhagens diretamente estavam ocupados demais com suas coisas para isso. Rachel parece que havia meio que desistido de sair de La Push, Paul ainda não conseguira parar de mudar de forma e eu ainda não voltara para casa.

“Mas devia”, a voz de Leah era amistosa, quase o tom maternal com que ela falava com o irmão. Eu parei atordoado, à beira do córrego onde ia beber água, nesses... Haviam passado cinco natais, foram cinco anos? Quase seis? Em todo esse tempo ela não me disse para voltar, era quem me entendia, não que Seth não cooperasse, mas ele se sentia sozinho sem uma matilha. Embora fosse o que mais odiássemos em sermos lobos, correr sem a conexão mental não era a mesma coisa, segundo ele. Nem era tão útil que ele se prontificasse a ficar na ronda para Sam, se ele não poderia ouvir os outros, não que tenham surgido problemas, uma vez que o clã daquelas redondezas havia partido, a tendência era que pouquíssimos vampiros surgissem ali. E havia os recados dos outros que Seth sempre trazia.

“Quanto tempo mais você vai perder? Ou está abandonando realmente sua vida humana, Jacob? Não há mesmo nada no mundo aqui fora que você ainda queira?”

Eu pensei sobre aquilo por um instante... Eu lamentara tanto, ruminara tanto todo o ódio e todos os demais sentimentos que cheguei a um ponto que os únicos sentimentos que havia em mim eram os trazidos por Leah e Seth.

“Você sonhou em cortar o cabelo mês passado. E sonhou em tomar refrigerante, semana passada, ela riu, e então pensou ternamente, Você, nós todos, temos todo o tempo que quisermos, mas seu PAI tem? Ou suas irmãs? Não duvido que logo Rachel tenha filhos, não vai querer conhecer seus sobrinhos?

“Leah...”

“Já passou, você sofreu, eu sofri, mas já passou, tá na hora de sofrer como homem e superar de vez. Olha Jake, eu não vou ficar aqui falando todas as coisas que você já sabe, até porque a opção é sua e a vida também, só acho que está desperdiçando muito. Se não quiser mergulhar nisso de cabeça, você sabe onde me achar, fica alguns dias na minha casa, depois decide se volta para casa ou... Enfim...”

Sua última palavra pairou no vazio, falhando aridamente enquanto ela voltava à forma humana. Eu fiquei pensando nas poucas palavras de Leah. Ela se tornara mesmo uma grande amiga, alguém com quem eu dividira minhas dores enquanto ela dividia as dela também.

Talvez afinal ela tivesse razão... Pensei por horas sobre aquilo, até adormecer... Eu ainda era um lobo e estava debruçado sentindo uma dor muito maior do que imaginei ser possível existir e suportar. Eu perdera alguém. Ergui meu focinho branco e rosnei para alguém que se aproximava, fitando no meio do ato o corpo de longos cabelos negros da mulher que me pertencera, diante de mim, morta. Sacrificara-se por mim. Minha terceira esposa, a única sem a qual eu não conseguiria viver, a que estava impressa em minha velha alma, e que me acompanhava fosse eu homem ou lobo.

Despertei no meio da madrugada, triste, melancólico por ter sonhado com a história de Taha Aki, por de alguma forma ter sentido a dor dele, e aliviado que aquela dor não fosse minha. Eu sabia o que Taha Aki fez depois, ele se embrenhou na floresta ainda em forma de lobo e nunca mais voltou, esperou a morte daquele jeito, deixando a tribo e seus filhos... Bella não valia isso, eu a amara sim, amei com tudo o que pude e com tudo o que tinha, talvez ainda amasse a Bella que conheci um dia, mas ela já não existia e meu luto havia durado o bastante.













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