A Ira Dos Deuses escrita por Hira vonTheos


Capítulo 3
Capítulo 2


Notas iniciais do capítulo

Retiro: Local onde os semideuses são mantidos até completarem a maioridade.

Missão: Imposição feita por um deus. Ao desprezar uma Missão, a mesma causará dores físicas e psicológicas em quem lhe foi imposto. Só os deuses podem decretar uma Missão.



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― Onde está aquela Hira durona e cruel de que todos falavam? ― Ela riu. ― Eu só vejo uma cadelinha com o rabo entre as pernas.

Sentada na minha frente, estava a mulher que eu mais odiava: a mulher que me gerou. Se eu sou poderosa, ela também é. Porém eu não traí meus Senhores; ela, sim. Cerrei os dentes para evitar gritar novamente. Era isso que ela queria, e eu não daria esse prazer a ela.

Misie, como ela preferia ser chamada, se levantou e andou na minha direção. Parou a um suspiro de distância. Eu queria quebrar a cara daquela vadia, mas as amarras me impediam. Puxei as cordas que prendiam meus pulsos com força o suficiente para ferir a carne. O sangue quente escorreu pelos meus braços estendidos, manchando-os de escarlate.

Onde estavam os meus poderes? Eu tinha força suficiente para me arrancar daquela cruz sem nem suar, então o que estava acontecendo? A fraqueza me dominava. Aquela mulher continuou a me encarar e ao ver minha tentativa vã de me libertar, ela sorriu.

― Como és tola, criança. Você sabe que não vai conseguir se soltar. ― Reuni toda a coragem e força que me restavam e, olhando-a nos olhos, cuspi em sua cara. A surpresa passeou rapidamente sob sua expressão, mas instantaneamente foi substituída por um ódio crescente que queimava atrás das suas íris.

Misie pressionou os lábios firmemente, formando uma linha fina enquanto expirava. Logo depois socou o meu queixo com uma força sobre-humana, que fez com que minha cabeça ricocheteasse na ponta da cruz que me deixava em pé. Minha visão periférica escureceu, com pontos escuros dançando a minha frente, ainda assim consegui ver um pequeno sorriso satisfeito se formar nos lábios daquela vadia. Eu preferia ter desmaiado.

― Joguem-na às cinzas! ― Ela gritou ao se afastar de mim. Ao abrir a porta, ela parou. ― Só tirem essa cadelinha de lá quando os seus pulmões virarem pedras. Não antes. ­― E então ela saiu, e o desespero tomou conta de mim. Ser jogada às cinzas não seria problema se eu tivesse com os meus poderes, mas agora? O que aconteceria?

Debati-me quando dois pares de mãos masculinas vieram soltar as amarras dos meus braços. Um após o outros, meus braços caíram pesadamente ao lado do corpo. Ainda havia feridas abertas em meus pulsos, o que significava que a minha cicatrização rápida também tinha ido embora. O que estava acontecendo?

Os dois escravos terminaram de me desamarrar e me arrastaram para a porta oposta àquela que Misie havia saído. Eu me debatia, tentando escapar daquelas mãos, mas elas eram muito fortes e eu só consegui irritar os escravos. Um deles me soltou e abriu a porta, enquanto o outro tentava manter meus braços parados. Ao abrir a porta, o escravo gesticulou para que entrássemos, e o meu desespero só ficou maior. Consegui me aproximar do braço do escravo que me segurava e o mordi, logo que adentramos a porta. Senti o gosto metálico de sangue inundando a minha boca, e depois senti uma pancada na cabeça que me deixou atordoada o suficiente para parar de resistir por alguns segundos.

Quando recobrei o equilíbrio percebi que estava sendo arrastada por uma escada. Respirei fundo e me concentrei, tentando sentir o poder da terra, mas não obtive resposta. O desespero foi substituído pelo pânico. Meus pés eram arrastados pela escada de modo descoordenado, até que senti uma dor aguda se instalar no meu tornozelo esquerdo, devo tê-lo torcido. As lágrimas queimavam em meus olhos, e um grito de terror escapou dos meus lábios. Eu voltei a me debater, mais determinada em fugir daquele lugar. Lágrimas quentes escorriam pelas minhas bochechas e múrmuros de dor escapavam da minha boca.

O primeiro escravo se aproximou de outra porta e a abriu cuidadosamente. Uma fumaça clara saiu pela porta aberta. Não adiantava mais resistir, eu já havia perdido aquela batalha. Juntei toda a dignidade que me restava e me recompus. Respirando fundo fiquei com a coluna ereta e acabei fazendo uma careta de dor quando apoiei o peso no tornozelo torcido. O escravo que me segurava me olhou com surpresa, mas continuou me guiando em direção à porta aberta. Chegando lá, fui jogada para dentro e a única coisa que eu via era a fumaça.

Fumaça branca me cercava por todos os lados, impedindo-me de respirar. Ao longe ouvi o som de uma porta se fechando e então soube que aquele seria o meu fim. Eu já havia pensado inúmeras vezes em como tudo terminaria, mas não achei que acabaria em tamanha decadência. Deuses, aquilo era deplorável!

Negando-me a me entregar tão facilmente, tentei me acalmar e relembrar todos os meus ensinamentos. As cinzas entravam pelo meu nariz e tomavam conta dos meus pulmões, mas eu não desistiria. Naquele momento fui inundada por uma calma indescritível enquanto a voz de Ártemis banhava os meus ouvidos. Pude até mesmo sentir a brisa gélida da noite acariciar meu rosto, e Ártemis, continuamente, me dizia: “Tenha calma, criança. Esse seu temperamento revolto não te levará a lugar algum. Respire e sinta a noite, ela te guiará.”.

Ainda com os olhos fechados, arrastei-me até a parede mais próxima e apoiei as minhas costas nela. O desconforto pela inspiração das cinzas era crescente, mas eu tentava controlá-lo. Era possível sentir os meus pulmões se transformarem em pedras aos poucos, dificultando a minha respiração. E com um suspiro de dor comecei uma oração silenciosa para os meus Senhores.

Aquela era primeira vez em que eu pedia ajuda à eles, também era a primeira vez em que eu sentia medo. Medo de morrer e não me vingar. Por que aquilo estava acontecendo comigo? Fechei os punhos com força e soquei o chão com raiva. Aquilo só piorou a situação, mais cinzas voaram e me fizeram tossir. Lágrimas desciam sem parar pelas minhas bochechas e as feridas nos pulsos ardiam intensamente. Deixei que meu queixo pendesse sob meu tórax e chorei. Chorei por tudo o que deixei de fazer, por todos os meios-sangues que eu abandonei, e, principalmente, chorei por mim. E, naquele momento pude sentir os efeitos da Missão.

Há quanto tempo eu estava presa? A dor de cabeça era constante e não era culpa das inúmeras surras que eu havia levado.Aquele tipo de dor era inconfundível, a dor causada pelos deuses. Eu já sabia o que iria acontecer em seguida. Uma onda de dor atravessou todo o meu corpo e me fez gritar. Caí para o lado e comecei a agonizar pela inspiração das cinzas. Enquanto tentava me reerguer sob os ante-braços, outra onda de dor percorreu meu corpo e tombei com força para frente. Eu não tinha mais forças para tentar me reerguer e muito menos para combater a dor constante que tomava conta de mim. Eu mal conseguia respirar! Meus pulmões já deveriam ter se transformado em padras àquela altura. A terceira onda de dor me fez engolir cinzas e engasgar em busca de ar até ficar em posição fetal.

Eu não acreditei que aquele seria meu fim. Antes de apagar pude ver, claramente: alguns dos meus Senhores me olhavam. Uma aura de luz os cobria. Tentei estender o braço para tocá-los, mas não consegui. Tentei falar, mas apenas um grunhido saiu dos meus lábios. Ártemis e Apolo estavam à frente do grupo e então eu ouvi. Ouvi a leve melodia que eles calmamente cantarolavam. Aquela era uma canção de proteção, do tempo em que eu era bem pequena. Lentamente me acalmei, sem mais nenhuma onda de dor, apenas a imagem brilhante dos meus Senhores. Enquanto a imagem ia perdendo seu foco e sua luz aos poucos, pude fechar os olhos sem medo de não abri-los novamente.


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