Prostituta Do Governo escrita por Leticia, Lari Rezende


Capítulo 4
Atrás de mim




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Havia sido um trauma muito grande na nossa família o suicídio de minha mãe. E eu nunca soube o real motivo dela ter cometido tão grande barbaridade.
Tudo ficou bem mais difícil sem ela, meu pai até que conseguia dar conta do recado, mas ele tinha outros afazeres como o emprego na mecânica e não podia ficar focado nas nossas necessidades.
Meu irmão sofreu muito com a morte da mamãe, ele era muito pequeno e por sorte acreditou em todas as mentiras que papai inventou.
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***

 

Certa tarde eu estava em casa sozinha, revirando algumas caixas em cima do guarda roupa da minha mãe e encontrei uma caixa de sapato azul marinho com varias cartas, fotos e uma espécie de diário dentro dela.
Abri o diário lentamente e fui correndo os olhos pelas paginas amareladas, folhei ate chegar às ultimas folhas onde eu encontrei uma espécie de carta escrita por ela mesma.

“Hoje eu tomei uma decisão na minha vida.
Não aguento mais trabalhar como empregada domestica naquela maldita casa, com aqueles malditos riquinhos cheios de frescuras.
Não aguento mais morar nessa porcaria de sitio, sabendo que vivo aqui porque meu marido não tem condições de comprar coisa melhor.
Estou cansada de ter que ser domestica e cuidar de filhos todos os dias.
Estou cansada dessa vida ingrata e sofrida.
Por isso hoje eu decidi que vou partir dessa para uma melhor, ou pior. Afinal eu não sei o que me espera.
Na realidade eu sei muito bem o que me espera, uma corda e um pescoço quebrado.                                                                                                                                                                                         -Arlete.


Minhas lagrimas escorriam pelo rosto incontrolavelmente.
Peguei a caixa de sapato e coloquei o diário dentro dela, fui até a cozinha e peguei uma pequena caixa de fósforos.
Segui até o pasto onde o unicórnio costumava ficar e coloquei a caixa no chão. Risquei um palito e queimei a ponta de uma das cartas.
O fogo foi tomando intensidade e rapidamente foi consumindo os papeis dentro da caixa.
Eu fiquei ali observando o fogo queimar tudo, pensando no quanto minha mãe tinha sido fraca.
Fraca de espírito e fraca de coração.
Perdidas em meus pensamentos levei um grande susto quando algo tocou meus ombros.
Olhei para trás e vi que era Ricardo.
—Tudo bem, amor? – ele me deu um selinho de leve.
Respirei fundo.
—Sim – respondi – melhor agora.
Sorri para ele um pouco triste.
—O que esta fazendo? – perguntou ele olhando para caixa que havia sido toda consumida pelo fogo.
—Queimando as lembranças de minha mãe – respondi.
—Por quê? – perguntou ele confuso.
—Porque meu pai não precisa saber o quanto ela era infeliz.

Ele não respondeu, apenas abraçou minha cintura e passou a admirar as chamas.
Depois de tudo ter virado cinzas fomos andando até os nossos pés de bergamotas.
Sentei em uma pedra enquanto ele se escorou no tronco de uma das arvores.
—O que você tem? – perguntei notando algo de estranho em Ricardo.
Ele suspirou.
—Minha mãe sabe do nosso namoro – respondeu – e ela não esta muito contente com isso.
Abaixei a cabeça triste.
Ele veio até mim e me tocou com seus dedos grandes.
—Eu te amo – disse ele - nós vamos ficar juntos pra sempre.
Uma lagrima escorreu de meus olhos.
Ele achou que a lagrima era de emoção pela declaração que estava fazendo, mas eu sabia bem dentro de mim que aquilo não iria acontecer.
Nos beijamos e ele logo partiu para casa dele.
À noite quando eu, papai e Giovane estávamos a mesa de jantar comendo massa com frango que eu havia feito, eu soube que as coisas estavam indo para o buraco.
—Filhos – disse papai – eu tenho uma noticia muito ruim para dar.
Giovane não estava dando muita atenção para o que papai falava, mas eu senti meu coração pulsar fortemente.
—Eu tinha muitas dividas – continuou papai um pouco envergonhado – eu precisava quitá-las, por isso eu tive que por o nosso sitio a venda.
Dei um pulo da cadeira quando ele disso aquilo.
—O que?! – exclamei – vender o sitio?
Ele respirou presumindo a minha reação.
—Calma Jessica – disse ele – Eu tive que vender o sitio. Temos que desocupar a propriedade em três dias. 
—Mas onde vamos morar? – perguntei indignada.
—Eu consegui comprar uma casa no centro da cidade – disse ele – é perto de meu emprego e das escolas de vocês, vai ser uma mão na roda. É pequena, mas da para nos três.
As lagrimas escorriam de meus olhos.

—Não pode vender nosso rancho – protestei – Eu amo viver nesse lugar.
Ele me olhou triste como se também não quisesse sair daquele lugar.
—Desculpe – disse ele – Mas é a única solução.
Levantei da mesa e corri para o meu quarto.
Fechei a porta e deitei na cama chorando descontroladamente.
Todos os melhores momentos da minha vida estavam ali naquele lugar.
Eu não iria mais sentir nos dias de verão, depois uma longa pancada de chuva, a terra molhada e a grama recém cortada exalar aquele perfume delicioso. 
Os banhos no açude e meus pés de bergamotas também ficariam para trás, assim como as minhas ultimas lembranças de minha mãe viva e do meu amor Ricardo.
Tudo ficaria para trás e seria apagado lentamente das minhas lembranças, não por querer, mas por culpa do cérebro que faz isso com as pessoas mesmo contra a própria vontade.
As noites de tormenta onde todos corriam para sala e ouvíamos papai e mamãe contar historia de seus passados e de suas traquinagens de quando eram crianças seriam momentos que também se perderiam no vento.
Meu primeiro beijo e meus tantos aniversários comemorados ali ficariam para trás.
Tudo simplesmente ficaria para trás.
Atrás de mim.

 


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Notas finais do capítulo

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