Meia Alma escrita por Monique Góes


Capítulo 18
Capítulo 17 - Uma Bela Mentira


Notas iniciais do capítulo

Oi pessoas!
Esse capítulo, oh well... XD
Escutem com essa música.
http://www.youtube.com/watch?v=JwOya18u8_Q



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- P-pesadelo?! – exclamei.

Yudai rolou os olhos.

- Alô, alô. Darneliyan chamando Hideo! Óbvio que você estava tendo um pesadelo! – jogou a mochila nas costas e limpou os joelhos dos jeans. – Tava vendo tudo na minha mente e você não acordava! – fez uma expressão de falsa mágoa. – Se quer tanto que eu morra, me avise, que eu me jogo da montanha mais próxima.

Continuei o encarando e percebi que ele estava perdendo a paciência comigo.

Oi! Tá bom assim?! – gritou na minha mente, para continuar em voz alta. – Para de me encarar e levanta, que a gente tem missão, lembra?

Só me movi quando ele deu um chute nas minhas costelas com o bico das botas.

- Ai!

- Pronto, levantou? Se arruma de uma vez! – Yudai esfregou as têmporas. – Argh. Esse pesadelo vai acabar me dando pesadelos. Sério que sua mente fez um monstro me atravessar e então você me matar?! Pensei que você gostasse de mim!

- H-hã? O quê? Claro que eu gosto de você! – exclamei então fui meio entorpecido até as coisas jogadas no chão. Exatamente como eu deixava.

Yudai soltou um suspiro.

- Tá, vamos logo. – parou, e escutei o som de zíper sendo puxado. – Talvez eu possa perguntar para alguém em Danebra se viram a Raquel.

Olhei-o por cima de meu ombro.

- Sim, vou continuar procurando ela. O que foi?

- É... Bem... – pisquei. Se tudo fora um sonho, então... Raquel também fora? Admito que aquilo me deixava de certa forma chateado. Eu gostava dela. Lembrei-me de seu rosto em um misto de assustado e um misto de preocupado enquanto saímos correndo, depois me lembrei de seu rosto adormecido na biblioteca de Jahun.

É... fiquei desapontado comigo mesmo.

- Tá... Eu sei, faz dois anos que tô atrás dela e não encontro nada. – soltou um suspiro, não sei se ele não viu meus pensamentos ou se os ignorou. – Mas não vamos perder as esperanças, certo? Ela pode estar bem.

Dois anos. – falei para mim mesmo. – Então, dezessete anos.

-... É, pode ser. – murmurei, pondo a mochila sobre as costas.

- Quanta animação. – acusou irônico. – Sei que uma caçada a Despertado nunca foi boa, mas ao menos não faça com que eu fique. – armou uma carranca. – Lembra que eu que tenho que comandar a missão.

O fato de ele estar comandando a missão me deixou arrepiado. Lembrei-me imediatamente da Guerra do Norte. Então minha mente veio me acalmar, dizendo que tudo o que acontecera fora apenas um sonho. Um sonho ruim.

Passei minha mão em meu peito. Não doía. Respirei fundo. Não me sentia vazio. Não me sentia frio. Estava... Bem. Tão normal que fiquei assustado. Fora apenas um sonho. Um sonho... Realmente fora um sonho?! Lembrava-me de tudo de tal modo que sentia a carne e o osso de Diego cedendo sob minhas mãos. A Aura maleável. Tentei, mas ela não me respondeu de modo algum. Yudai não pareceu notar seu movimento.

- Vamos lá. – chamou, já entrando na floresta, então se virou da para mim. – Hideo, se lembra de que você já acordou – cutucou as têmporas com as pontas dos indicadores. – vamos lá!

Puxei ar novamente antes de segui-lo, ainda encarando-o intensamente. Fora tudo um sonho? Sério? Fora tão real. Não conseguia me aquietar internamente. Ainda sentia o fantasma da dor e do vazio. Eu ainda via claramente o rosto de Raquel. Era por que passara muito tempo o observando? Tinha certeza que ainda escutava sua voz. E seu cheiro de baunilha...

Argh, o que estou pensando?!

- Olhe por onde anda. – Yudai avisou quando tropecei numa raiz saltada. Ele me olhou preocupado. – Está tudo bem?

- Acho que não. – respondi e bati em minha própria cabeça. – Foi muito real. Parece que eu ainda não acordei direito.

O cenho dele se franziu.

- Você quer água? Talvez ajude.

- Hã? Ah, sim. – reparei em minha boca seca. Grande Hideo, você tava com a cabeça enfiada na água, mas não bebeu.

- Droga! Não enchi a garrafa! – Yu girou a garrafa vazia. – Espera aí, que eu vou encher a minha.

- Tá. – falei incerto enquanto ele entrava novamente na mata fechada. Com um estalo, percebi que não sentia cheiro algum na Aura de Yudai, só sentia seu ponto quente. Peguei minha mochila e encontrei a garrafa de água. A virei de uma vez, pensando que então poderia pegar depois a garrafa de Yudai.

Percebi depois de algum tempo que havia um ponto quente atrás de mim. Limpei a boca rapidamente, me virando.

Atrás de mim estava um cara que nunca vira antes. Ele tinha uns dois metros de altura, seu cabelo era ligeiramente comprido, ia até a base do pescoço, e uma mecha caía-lhe por sua testa até cruzar o nariz, como em nossa franja. Seus olhos eram grandes e tinham um ar sagaz e divertido, mas... Inspirava-me medo. Tinha um sorrisinho bem convencido, claramente de quem conhecia sua própria capacidade sobre qualquer coisa. Usava uma camisa de botões negra com uma calça jeans escuro, com sapatos negros também. Ele não levava bagagem nenhuma, apenas sua claymore, que ele girava, brincando sem medo algum de se cortar.

- Quem é você? – perguntei.

- Você é Hideo? – questionou, ainda sorrindo. – Número 9?

- Hã? – franzi o cenho. – Sim.

Seu sorriso aumentou.

- Ótimo.

Depois só tive tempo para me defender.

Fui jogado para trás, mas consegui recuperar o equilíbrio, completamente surpreso. Quem era aquele cara?! Por que ele tá me atacando?!

Verguei ligeiramente e o vi investindo furiosamente na minha direção. Ele era incrivelmente coordenado para alguém de sua altura. Peguei minha espada e tentei atacar na altura de sua cabeça, mas ele se abaixou imediatamente e me deu uma rasteira no chão antes que percebesse. Caí de bruços no chão e rangi os dentes – Que patético. Antes que fizesse alguma coisa, ele me chutou fazendo com que eu fosse jogado contra uma árvore. Sentia-me lento e pesado. Franzi o cenho. Era bem diferente da sensação do sonho. Eu era grande, mas leve. Me levantei desajeitadamente, e o cara já vinha como um torpedo para cima de mim, só tive tempo de me jogar para o lado, tropeçando e levantando aos trancos e barrancos, mas ele simplesmente pisou na árvore, saltando e me atacando por cima.

Tive tempo de me defender, mas não significava exatamente que consegui aparar o golpe. Minha mão quebrou de modo que o osso saltou para fora e gritei, soltando a espada, então o vi levantando sua claymore. Fechei os olhos.

Só senti um bufo e vi o cara voando.

É, o Yudai ser o número 1 tinha suas vantagens.

- O que você fez?! – exclamou, puxando minha gola para que eu levantasse. Gritei de novo quando ele pôs o osso de minha mão no lugar, sob a pele.

- Nada, ele só me atacou! – exclamei, usando minha Aura para curar o osso. Ergui o olhar, vendo o cara se levantar com um olhar completamente irritado e avançar novamente. Yudai saltou para frente e bloqueou o ataque com muito mais eficiência que eu.

Foi um tanto quanto surpreendente ver ele e Yudai lutando. Vendo na mente dele, eu sabia que ele não se considerava muito bem como um número 1, mas... O cara atacou Yudai e ele girou o pulso de um jeito que nem sabia que era possível, fazendo a espada rodopiar, obrigando o cara a recuar. Ele tentou atacar com um corte lateral e Yu saltou, indo pousar de alguma maneira sobre o fio da espada e de lá chutou a cabeça do cara. Ele caiu, mas levantou-se num salto.

Parecia que o cheiro de baunilha preenchia minhas narinas.

Yudai foi para o chão e de lá apoiou todo o peso em uma das mãos, acertando outro chute no cara. Inesperadamente, um corte abriu-se no ombro esquerdo de Yudai, fazendo o sangue jorrar e consequentemente, ele recuar. Seu cenho franzido demonstrou que ele estava ficando irritado.

Lembrei-me de meu polegar fazendo o contorno dos lábios de Raquel.

A Aura de Yudai rapidamente encarregou-se do recém-aberto ferimento. Correu em direção ao cara, que se preparava para atacá-lo, então ele fincou a espada no chão e a usou como apoio para fazer uma espécie de estrela, confundindo-o. Ele foi rápido e atacou a perna do cara, mas ele pôs a perna entre as de Yu e chutou uma, fazendo-o cair no chão. Quando ele se abaixou para atacá-lo, recebeu um belo de um soco no nariz.

Tesouro pessoal... Algo que normalmente não tem valor, mas é precioso para quem possui.

Minha cabeça latejava. Não. Não dava. Não tinha como não ser. Meu peito não doía. Meu ser não estava vazio. Yudai estava mais do que normal. Mas eu tinha certeza de que tudo o que acontecera não poderia ser apenas um sonho. Não tinha como. Pressionei minhas têmporas. Fora ou não fora? Fora minha mente pregando peças em mim ou não?

Você desiste?

- Nunca. – sussurrei.

Yudai pousou na minha frente. Estava ofegante e suado. Havia algo errado assim que pus meus olhos nele. Tinha algo estranho. Tinha a sensação de que ele poderia quebrar a qualquer momento. Era verdade ou não era? Real ou não?

- Você não vai me ajudar?! – exclamou.

Meu estômago se revirou e me senti estupidamente nervoso, mas fiz exatamente o que era para se fazer. Não podia hesitar. Não mais. Só aconteciam coisas ruins porque eu hesitava.

Yudai engasgou e o cara me encarou de olhos arregalados. Estava preparado para o sangue espirrar para todos os lados – em mim –, mas não houve nada.

Apenas minha espada atravessando o pescoço do Yudai.

Então, aconteceu exatamente o que não esperava. Ele... Ele...

Ele se desfez.

Quebrou-se como um vaso de porcelana jogando no chão. Inúmeros cacos caíram no chão, desfazendo-se como areia, sendo levadas pelo vento e sumindo entre a grama e o vento. Observei aquilo com olhos arregalados. Fora exatamente o que sentira quando... Na Guerra do Norte, quando ele morrera. Escapando como areia por entre meus dedos, para um lugar longe demais para o meu alcance.

Levantei o olhar para o cara, e ele sorriu.

- Você tem muita coragem. Parabéns.

Minha raiva pareceu transbordar. Parecia que sentia uma crosta, uma casca fina estava se rompendo sobre minha pele. Cravei meus dedos na pele de meu rosto e eles afundaram. Arranquei-a, mas não senti dor. O que saiu parecia o pedaço de uma máscara. Uma máscara com um pedaço de meu rosto. Juvenil e sem preocupações. Sem dor, sem vazio. Apenas preocupado em seguir com minha vida sem ser morto.

Era uma máscara. Não era verdade.

Vi luvas pretas, o símbolo de Yudai em meu pulso. A camisa de couro sobre a de pano. As botas de metal. As roupas que eu usava quando voltara ao continente. Era uma mentira. Yudai morrera. Tudo acontecera. No meu subconsciente, gostaria que tudo não passasse de um pesadelo. Mas não. Não era o melhor a se fazer. Isso abrira meus olhos. Não gostaria que tudo o que eu vivera não houvesse acontecido.

O calor explodiu em meu braço. Não o sentia, apenas sentia o descontrole em meu braço indo em direção a aquele cara. Acertei-o. Mas ele não percebeu. Então, voltei ao normal. Ele ainda me encarava.

- Última chance. Quem é você?

Seu sorriso aumentou. Percebi algo descendo, negro, por seu olho esquerdo.

- Raban.

Tudo explodiu em luz.

Arregalei os olhos e pus minhas mãos em frente aos meus olhos, mas os a luz escapava por entre meus dedos.

Vento. Muito vento.

Fui arremessado para trás.

Fechei os olhos com força, sentindo meu corpo incrivelmente leve. A luminosidade brilhando em meu campo de visão, mesmo que com os olhos fechados, mas repentinamente, ela se apagou.

- Fique com tudo. – a voz grave de Raban disse simplesmente, e abri os olhos.

Era tudo escuro. Não tinha gravidade. Eu estava simplesmente orbitando. Forcei-me a ficar o que achei que era de pé, mas não havia apoio. Senti meu estômago se revirar, mas depois de algum tempo consegui acalmá-lo. Ergui o olhar e vi coisas como cacos de vidro a minha frente. Dentro de cada fragmento despedaçado, via pessoas, olhares, cores, sons, cheiros. Tudo chegava até mim. Percebi que eram memórias. Cada olhar, cada sensação. Tudo que acontecera em algum momento estava contido em um desses fragmentos.

Olhei para o lado, e um orbitava, girando, um tanto que lentamente em minha direção. Virei-me quando ele se aproximara, mas não ouve impacto. Simplesmente a escuridão se abriu, formas começaram a aparecer. Olhei para frente. Havia uma estranha plantação de ervas azuis, rodeada por muros.

- Você não se cansa em me por em confusão, não é?

Enrijeci. Aquela não era a voz de Lionel?

Virei-me e o vi olhando para Raban. Como na minha visão, muito diferente do que encontrara há doze anos. Ele estava com uma daquelas ervas azuis em mãos, separando as folhagens com os dedos, pensativo. Usava uma camisa de um amarelo claro e calças marrons. Então, um sorriso maligno abriu-se em seus lábios.

- Já sei. – ele ergueu Lionel pelo colarinho como se ele fosse um filhote de gato. Lionel o encarou assustado com os pés a vários centímetros do chão. Percebi que ele aparentava ter uns treze ou catorze anos, mas Raban já aparentava ter seus dois metros. – Nós vamos ver o que isso faz.

- Absolutamente não. – Lionel praticamente soletrou, cruzando os braços numa cena cômica, já que seus pés balançavam a quase quarenta centímetros do chão. – Porque isso implica que EU, euzinho, Lionel, que vai sofrer as consequências.

- Bom que você sabe. – Raban disse e só jogou a mão para trás, como quem leva uma sacola nas costas, mas ele na verdade estava levando o adolescente Lionel a tiracolo, que chutava o ar, claramente emburrado.

Os dois se distanciavam, então percebi que teria de segui-los. Raban pulou o muro calmamente e fiz o mesmo. Ele foi para um grande gramado e com um estalo percebi que era o prédio de pesquisas da Ordem. De fininho, ele saiu pelo gramado, então foi em direção ao prédio da Ordem. Quando chegamos num hall, ele pôs Lionel no chão, que o encarava emburrado.

- Vamos lá, não vai arrancar um pedaço. – Raban disse, estendendo as ervas, mas Lionel cerrou os lábios e fez que não. Raban revirou os olhos. – Vai logo.

- Vá vo... – Lionel começou, mas com um pulo, vi Raban literamente enfiar a mão com as ervas na boca de Lionel, obrigando-o a engolir. Ele piscou, com os olhos arregalados, como se não acreditasse no que Raban fizera.

 - Então?

Passaram alguns minutos, e o corpo de Lionel amoleceu. Tanto eu quanto Raban franzimos o cenho. Ele então deu um passo cambaleante à frente, e Raban deu um passo ao lado. Lionel seguiu andando completamente trôpego e começou a dar risadinhas bêbadas, como se estivesse dopado.

- Opa. – Raban murmurou quando Lionel deu de cara numa coluna. Mas ele só soltou uma risada e dobrou o corredor tropeçando nas próprias pernas.

- Lionel! – uma voz feminina gritou do corredor, então Raban arregalou os olhos e seguiu para lá em largas passadas. Pensei em segui-lo, mas considerei melhor não.

No momento em que ele virou e não o segui, as coisas pareceram se degradar, e tudo ficou negro.

Pisquei, vendo os fragmentos ao meu redor. Eu havia voltado para as memórias de Raban. Para todas elas. Olhei envolta. O que faria? Sabia como entrar nela, mas não sair daquela situação e voltar para a realidade. Lembrei novamente de Raquel, quando começáramos a correr.

Vi uma com fogo e destruição. Escutava gritos e rugidos vindos dela. Levado pela curiosidade, fui até ela, e entrei.

As coisas se estenderam a minha frente, e arregalei os olhos. Havia um imenso Despertado, parecia um gato, mas seu tronco ainda possuía as curvas femininas, com longas lâminas despontando de suas costas e imensas caudas que mais pareciam chicotes de lâminas, suas orelhas ligeiramente pontiagudas. O pelo tinha uma coloração lavanda e cinza, furta cor, com manchas. Era tão grande que tinha o tamanho do prédio de pesquisas da Ordem.

Com um estalo, percebi diversos corpos espetados em suas caudas, alguns ainda vivos, outros já mortos. Armaduras, roupas normais, uniformes de aprendizes. Ela jogou duas aprendizas e as abocanhou ainda no ar, causando-me náuseas. Escutei um soluço e um gemido de dor atrás de mim.

- Volte...

Girei os calcanhares para ver Raban atrás de mim. Ele estava jogado no chão, num estado lastimável. Suas roupas estavam rasgadas, coberto de sangue, com cortes, hematomas e vi uma fratura em sua tíbia. Ele se arrastava precariamente de sob um imenso destroço.

- Raban! – Lionel, machucado, mas num estado infinitamente melhor apareceu correndo. Mais alto e mais velho. Ele olhou assustado para a Despertada. – Pelos deuses... Rhode...

Ele virou a pedra de uma vez, e puxou Raban pelos ombros, pondo-o sentado. Sua cabeça estava baixa e seu cabelo escondia o rosto, mas seus ombros tremiam de vez em quando, abalados por soluços. Senti simpatia por sua situação, mais por empatia, e Lionel tentava falar com ele, mas Raban não lhe dava ouvidos, então foi obrigado a levantar a cabeça. Tanto eu e Lionel caímos sentados no chão pelo susto.

O olho esquerdo de Raban já era. Agora estava de um... Rosa psicótico e felino completamente redondo, sem pálpebras com as ligações e músculos à mostra. Eles estavam completamente negros e acinzentados, parecendo pele morta e necrosada, como se parte dele estivesse morrido. Ele olhou para Lionel com uma expressão que quase parecia um “tudo bem, eu entendo, estou horrível”.

- Vá embora. – disse fracamente.

Lionel, que já estava se ajoelhando, franziu o cenho.

- Para onde?

- Para a Terra.

As coisas sumiram e grunhi, chutando o ar. Sério que tinha que terminar agora?! Novamente as coisas ficaram negras, então os fragmentos apareceram. Girei, flutuando, então decidi entrar em uma aleatória.

Percebi que Raban estava saindo de uma cidade. Ele usava um manto negro como eu usava, com o longo capuz jogado sobre o rosto. Entrou rapidamente na floresta, andando indefinidamente. Apenas senti como sendo um longo tempo, até que ele parou em um laguinho. Imediatamente os animais saíram correndo, então Raban simplesmente se jogou no chão, arrancando o capuz. Sua expressão era muito mais dura do que quando o vira na Ordem com Lionel, o tapa-olho negro já cobrindo quase toda a parte esquerda de seu rosto. Ele o tirou, revelando o olho perturbador, então só jogou água no rosto, antes de começar a bater contra a própria cabeça. Numa clara reação “pare de pensar nisso”.

- Tem alguém aí? – uma voz feminina e infantil perguntou e a mão de Raban imediatamente voou em direção ao seu tapa-olho, olhando por cima do ombro.

A menina que estava atrás dele era uma aprendiza, mas idêntica a Raquel quando criança, com a fundamental diferença que seu cabelo era branco e os olhos vermelhos, vazios, que não pareciam enxergar a nada. Com um estalo, um nome me veio à mente: Sophia.

- Como você chegou aqui menina? – Raban questionou, se levantando e pondo o tapa-olho. Ele era imenso perto dela.

- Eu senti sua Aura. – Respondeu, balançando-se no lugar, parecendo sapeca. – Por que é tão fraquinha?

O cenho dele se franziu. Vendo suas roupas, ele claramente estava suprimindo sua Aura há anos, então... É meio fora de cogitação senti-la. Mas ela estava lá, dizendo que sentira sua Aura.

- Qual o seu nome, menina?

- Sophia.

“Na mosca!” pensei. Era realmente Sophia! Aquela semelhança toda com Raquel... Espera. Ele se levantou e foi em direção a ela.

A lembrança acabou bem aí, então fui diretamente a outra lembrança aleatória.

Estava numa cidade escura e fria. Era um bairro elegante e fino, com casas altas e caras, com direito a paredes de vidraças e os claramente mais finos tipos de aparelhos de segurança, como uma que tinha o muro de eletricidade. Raban apareceu andando rapidamente olhando nervosamente pela rua, claramente à procura de algo. Escutei um bufo a distância, então nós dois saímos correndo, sendo que um passo de Raban dava dois dos meus, mas tudo bem. Chegamos a uma esquina e Sophia, claramente mais velha, do modo que me lembrava dela, com os cabelos ultrapassando os quadris, alta, estava de pé e havia um homem caído no chão, segurando sua própria virilha, o rosto retorcido numa careta de dor. Ele tinha o rosto fino e branco com cabelo castanho escuro caindo sobre a testa, ondulando-se ligeiramente para cima, e sua pele estava ou era bem pálida.

- Sophia! – Raban chamou num tom de repreensão.

- O que foi? – perguntou.

- F-foi um belo chute. – o humano rolou no chão, grunhindo de dor.

Raban deu um tapa na própria testa.

- Você deve ter feito por merecer, Ebenézer.

- Ah, esse é Ebenézer? – Sophia perguntou interessada e cruzou os braços a sua frente, enquanto Raban pousava a mão sobre sua cabeça, fazendo-me franzir o cenho.

- Sim, sou amigo do pedófilo ao seu lado. – Raban o encarou com um ar maligno enquanto ele se levantava. – O que é? A diferença de idade é colossal!

- Não venha com essa.

Ebenézer rolou os olhos, ajeitando seu longo e caro sobretudo marfim, com um corte lateral de botões dourados . Respirou fundo, claramente ainda sentindo dor, então abriu a porta do portão de uma das maiores casas.

- Entrem. Podemos falar melhor lá dentro.

A lembrança terminou aí, com um ponto de interrogação em minha cabeça. Ebenézer era o sobrenome de Raquel, não? Nunca perguntara sobre o seu passado, então não tinha como falar muita coisa. Mas estava curioso. O que poderia fazer?

- Tudo bem. Vamos lá. – falei para mim mesmo, entrando em mais uma memória.

A primeira coisa que vi foi uma senhora magra vestida de empregada. Ela deveria ter uns sessenta anos, com os cabelos grisalhos presos num coque, e ela levava um pequeno embrulho de panos brancos nos braços. Percebi que estava do lado de Raban, e a mulher praticamente meteu o embrulho nos braços dele.

- Sophia precisa descansar um pouco. – anunciou, dando um sorriso gentil. – Mas nada te impede de conhecer ela.

Ela sumiu por uma porta onde vi Ebenézer escrevendo algo em uma folha de papel, com óculos retangulares em seu rosto e percebi que estava dentro de uma suntuosa casa, uma mansão, na verdade. Havia um piano branco ali, ao lado da escada que fazia uma leve curva em direção aos andares superiores. Raban sentou-se cuidadosamente no sofá de madeira com estofado em cor de marfim e olhei curioso para o pacote, então ele afastou os panos, fazendo-me praguejar.

Era... Um bebê.

Era recém-nascido. Seu rostinho ainda estava inchado com os olhos fechados, o cabelo negro e ralo e pele bem branquinha. Ele estava dormindo, depois me lembrei da empregada dizendo que ele poderia conhecer “ela”. Então, o bebê deveria ser uma menina.

Espera. Aí. Meu cérebro ainda estava tentando processar o que eu estava pensando.

Uma das portas do andar superior se abriu e Sophia desceu as escadas, com uma camisola de alças finas, branca, enquanto punha uma espécie de robe. Seu longuíssimo cabelo branco estava preso numa trança que caía sobre seu ombro esquerdo, e apoiava-se no corrimão branco. Raban suspirou.

- Não era você que precisava descansar?

Sophia sorriu.

- Não estava com vontade. – Seguiu na direção de Raban com a mão direita erguida, claramente para ter certeza onde ele estava. Ele a pegou e a fez sentar ao seu lado, passando o bebê para os braços de Sophia, em seguida passando um braço por seus ombros e aspirou o cheiro do cabelo de Sophia, que estava acariciando o rosto do bebê.

- Como você quer que ela se chame? – Raban perguntou, mas ela o beijou em resposta, fazendo-me dar um salto. Ele pareceu parar por um instante, antes de corresponder, sua mão deslizando até a nuca de Sophia, trazendo-a mais para perto.

Ah não, ah não, ah não, vocês só podem estar de brincadeira comigo.

A memória acabou aí e se tivesse alguma coisa para eu chutar, eu chutaria. Olhei para todas as outras memórias, então escolhi a que eu conseguia ver a casa de novo. Simplesmente entrei nela e continuei andando enquanto as coisas apareciam e parei.

Escutei o som hesitante de um piano, e escutei Ebenézer murmurando algo.

- Anjo guerreiro, que do escuro formou-se. – disse, mexendo em algumas teclas, formando a melodia ao som do piano. – Aí. Agora... Diz-me teu nome e guerreiro tornou-se.

Tinha uma menininha de uns quatro anos do lado dele.

Raban fechou a porta atrás de mim, e ela se virou rápido e num salto, deixando o piano de lado. Olhos grandes, de um azul violeta. Cabelo preto e ondulado.

- Raban! – Raquel gritou pra ele com os braços estendidos e saltando para que ele a carregasse, e foi o que ele fez, a carregando com um sorriso.

Eu tinha certeza. O que estava passando na minha cabeça agora, furiosamente, como uma locomotiva soltando fumaça e não me deixando pensar em mais nada. De repente muita coisa fazia sentido. Raquel conhecer Raban, se parecer tanto com Sophia. Eu achava que isso seria impossível, mas pelo visto, não era.

Raban e Sophia eram amantes.

E Raquel era filha deles.

Ai deuses...


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Notas finais do capítulo

=D Pressinto que terei mensagens de morte... =D
Raban e Sophia, ninguém suspeitava, certo? Ou sim?
=D



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