Brief escrita por Zoë


Capítulo 4
Capítulo 4 - O Visitante




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Cameron - se é que este era mesmo o seu nome - passou direto por mim, como quem não me conhecesse (ou fosse cego o suficiente para não ter me visto). É claro que aquilo era algo que eu já poderia perfeitamente ver acontecer, embora não me importasse com isso, contanto que ele fosse a prova viva de que eu não estava - completamente - louca.

Ele se sentou no sofá oposto ao que eu me encontrava, ajustando-se ao lado de Elliott, e rapidamente tirando de sua mochila um computador portátil e o entregando. Eu olhei ao redor para me certificar de que ninguém mais estava por perto, mas eram apenas paredes, e obvimente, eu, por ali além dos mesmos.

Então Cameron não era um paciente com "problemas em sua cabeça" como o mesmo apontou, e sim um mero visitante de Elliott. Eu conseguia avistar apenas as suas costas de onde me encontrava, e ocasionalmente evitava fitá-lo por muito tempo. Eu não queria que ele pensasse que eu era uma esquisitona o perseguindo (mas, novamente, eu estava agindo como tal).

Elliott o agradeceu pelo computador, mas não pareceu ligeiro em escondê-lo. Ele podia ter um computador? Apenas pacientes voluntários podiam manter esse tipo de coisas. Por que diabos um garoto de quinze anos iria se voluntariar para viver em uma clínica psiquiátrica?

Eu parei de olhar para eles e direcionei minha atenção de volta para a televisão, aquele filme com o garoto bonitinho ainda estava passando. Perguntei-me se Cameron ao menos olhasse para a televisão naquele momento perceberia com seus próprios olhos a semelhança inegável com o garoto da TV, e imaginei como aquele garoto estava nos dias de hoje, pouco mais de vinte anos após o filme ser concluído. (Mais tarde acabei descobrindo que ele morreu de overdose em seus vinte e poucos anos e tentei, sem sucesso, não ficar comovida com isso).

Mas a sua cabeça estava tombada para a frente, como na noite em que ele observava as ruas vastas de Seattle, exceto que dessa vez seu olhar era fixo em uma folha de papel que Elliott deve tê-lo entregado enquanto eu tentava não parecer uma esquisitona-perseguidora-de-garotos-que-falei-apenas-uma-vez-em-toda-a-minha-vida. Basicamente.

Ele parecia cabisbaixo - não apenas no sentido literal da palavra, mas realmente perturbado com o que quer que estivesse lendo ali. Elliott desajeitadamente afagou o ombro de Cameron, como se tentasse confortá-lo sobre algo, e murmurou três palavras que rondariam por minha mente pelo resto do dia: "Eu sinto muito." Foi ali que fiquei realmente curiosa. "Sinto muito" sobre o que?! Eu me inquiria enquanto uma garota loura adentrou na sala. Aquela era Heather Ekenberg, roubando a atenção dos garotos. Eu não fiquei surpresa quando ambos Cameron e Elliott a dirigiram um olhar daquele tipo (do tipo que eles praticamente quebrariam o pescoço se a vissem passando na rua) Heather parecia imensamente bonita, embora ela não parecesse com o padrão de beleza que a gente encontra na televisão (talvez em revistas de moda, como modelo de alguma grife francesa que faz você parecer esnobe por saber pronunciar seu nome direito). Heather casualmente vestia jeans desbotados, uma camiseta branca cujo tamanho era proporcional para outras 4.2 Heathers juntas, e um par de tênis, exatamente como modelos parecem em seu tempo livre - uma inacreditável bagunça perfeita.

Ela entregou a Cameron um pequeno objeto prateado de forma retangular - um isqueiro, eu supus - ele balançou sua cabeça em desaprovação e gentilmente pediu para que ela ficasse com o isqueiro, sua voz soando muito mais confidente agora. Ela o agradeceu de novo.

Por que as pessoas ficam agradecendo ele o tempo inteiro? Será que ele é algum tipo de voluntário público supostamente bom samaritano que ocasionalmente fica bêbado e atenta suicídio?

Eu tentei não pensar mais nisso e deixei a sala de TV. Não porque eu estava irritada, e muito menos porque tinha qualquer tipo de sentimento possessivo sobre o "garoto suicida", mas sobretudo porque aquele pequeno núcleo estava começando a me... bem, a me incomodar, de certo modo. Eu não vou mentir, eu estava curiosa, mas seja lá o que estivesse acontecendo, eu não precisava me incluir nisso (nem que fosse como uma observadora). Então eu fui ao meu quarto, li mais alguns capítulos de O Grande Gatsby até a hora de tomar meus medicamentos, e eventualmente fui até a "sala de jantar", que embora fosse assim que a chamassem, esse aposento não era muito diferente de qualquer outro refeitório escolar pelo o que ainda me lembro de como costumam ser.

Sentei-me em uma mesa de carvalho vazia ao lado da janela; embora a vista não fosse muito bonita (dois prédios identicos ao que eu também estava eram projetados um ao lado do outro, com uma fachada de um verde-bebê desbotado com as letras douradas que formavam a palavra CLÍNICA GUINNER HILL pendendo sobre esta), eu gostava de me lembrar de que existia um mundo minúsculo, mas com muito para oferecer, afora daquelas grades.

Heather e outra garota passaram por minha mesa com o monitoramento de uma supervisora andando em seus calcanhares. As pacientes com Transtornos Alimentares. A supervisora estava ali provavelmente para se certificar de que elas estavam, de fato, comendo, e não apenas fingindo como tinham a liberdade de fazer em casa, ("liberdade" não passava de nada além de uma palavra que não faz sentido e uma idealização distante por ali).

Heather e a outra garota magra não estavam em uma clínica própria para pacientes com Transtornos Alimentares, pois sofriam de problemas que precisavam ser tratados antes disso. O transtorno alimentar acabava sendo um "problema de segundo plano" perto da raíz que o causava.

Puxei uma bandeja e me servi. Almôndegas de soja, purê de batatas e suco de maçã. De repente pareceu que eu estava em casa novamente. Exceto pelo fato de que o evento a seguir tenha me interferido de pacificamente apreciar minha aparentemente-terrível refeição:


— Oi, você. — uma voz ecoou atrás de mim, e então me virei para me deparar com um garoto suicida com suas mãos nos bolsos de sua jaqueta de couro e um sorriso que agradavelmente apresentava uma covinha singular em apenas um lado em sua bochecha esquerda. Posso sentar aqui com você? — Perguntou. "DEUS, NÃO!!!", disse minha consciência.

— Mi casa, su casa. — Eu acabei dizendo, dando de ombros e bebericando de meu suco de maçã. Cameron se sentou de frente para mim e me fitou em silêncio enquanto eu ociosamente remexia minha refeição com um garfo de plástico, a procura de um apetite que eu já havia perdido.

— Então, eu ouvi falarem que você andou procurando por mim. ele quebrou o silêncio. Eu balancei a cabeça em concordância.

— Apenas me certificando de que eu não sou medium, ou beirando a esquizofrenia. Parte de mim começou a se questionar se você era mesmo real.

— Apenas um visitante. — ele corrigiu. Obviamente. — Foi mal por não ter mencionado isso quando nos conhecemos.

— Olhe, Cameron, você não precisa fazer isso, — Comecei - digo, se desculpar. — Nós nem ao menos nos conhecemos. — E aquela era a verdade.

Ele concordou, mais uma vez aparentando estar perturbado com algo, ou com a situação inteira - tanto quanto eu estava. Seus olhos verdes pareciam mais claros ao lado da iluminação um tanto opaca da janela ao nosso lado. Eu meio que o odiava por ser tão bonito ao ponto de me deixar insegura sobre mim mesma por estar antagonizando a unica pessoa em sã consciência que tentava se aproximar de mim. Um garoto legal que não precisava estar tomando seu tempo para se desculpar.

E então a aparência de perturbação se dissipou de seu semblante. Cameron me jogou um sorriso torto e retrucou, confiantemente:

— É isso o que você pensa de mim depois de nosso primeiro encontro, Clarke? Você pode não saber muito sobre mim, mas eu sei um pouco sobre a garota que resolveu interromper minha ação suicida usando a referência de um programa de televisão. A garota escocesa da qual seus melhores amigos se encontram mortos há séculos. Mas agora sobre mim, nós poderíamos trabalhar nisso. — dirigiu-me uma piscadela.

— Aquilo foi uma tentativa frustrada de suicídio, não um encontro. — Corrigi, mas ele parecia convicto demais sobre isso. E eu ainda me perguntava como ele sabia que eu era escocesa... Não lembrava de ter mencionado isso. Talvez eu não fosse a unica esquisitona perseguindo alguém por aí.

— Pois é, mas depois disso nós comemos e conversamos sobre toda aquela coisa entediante sobre nós mesmos. — Cameron assinalou, sua voz tinha um tom relaxado, gentil, e empolgado ao mesmo tempo. — Pareceu mais como um encontro pra mim. — e sorriu novamente. — A propósito, o que é isso que você tá comendo?

— Almôndegas de soja. Eu meio que fui forçada a ser vegetariana desde criança pela minha mãe, então pessoalmente acho que estão muito boas. — E sim, eu continuaria a prolongar o assunto sobre almôndegas de soja até que a onda tensa designada sobre o assunto "encontro" se desfizesse entre nós.

— Posso prová-las? — Perguntou ele, e antes mesmo de eu abrir minha boca para objetar, sua mão já tinha se apoderado de meu garfo e fincado em parte de uma das almôndegas e provado.

Julgando pela sua expressão, Cameron não pareceu muito satisfeito. — Cristo, a sua mãe por acaso te forçava a comer tapetes? — Resmungou ele, rapidamente tomando alguns goles de meu suco. — Deveria ser ilegal servir esse tipo de coisa. Comentou pouco antes de perceber meu olhar de desaprovação sobre ele. — Você não se importa, se importa? Eu não tenho sapinhos. Disse ele após basicamente ter deixado seu material genético por toda a minha ex-refeição.

— É, mas talvez eu tenha. — Sorri.

— Você...

— É, eu entendi a referência. Uau, essa foi difícil, Cameron. — Retruquei ironicamente.

Mas ele não parecia tão surpreso.

— Silver Autumn Clarke, a garota que sabe exatamente como fazer qualquer junkie por filmes se apaixonar por ela. — Ele balançou sua cabeça ceticamente.

Eu me limitei a não responder dessa vez.

Subitamente um garoto começou a gritar com uma das enfermeiras. Virei-me apressadamente para encontrá-lo, mas dessa vez não era Elliott.

Ele tinha uma expressão de maníaco em seu rosto, e... uma faca de plástico em uma das mãos.

— Aquele é o Jimmy — disse Cameron, provavelmente me apresentando ao garoto gorducho de pouca idade que havia chamado a atenção de todos. Esses tipos de eventos súbitos eram bastante comuns por ali.

— Oh, então você conhece ele também?! A propósito, quem exatamente é você, e o que você ainda está fazendo aqui? O horário de visitas acabou faz tempo! — Tentei controlar minha voz e não soar ríspida dessa vez, embora nada parecesse atingi-lo pessoalmente.

— Você sempre faz tantas perguntas? — Ele franziu o cenho, e pacientemente me respondeu assinalando com os dedos das mãos cada uma das perguntas, enquanto eu evitava voltar minha atenção para Jimmy sendo sedado a força pela enfermeira e dois supervisores que o seguravam pelos braços e pernas.

Um: Não, eu não conheço ele, mas Elliott já me falou sobre ele. Dois: Eu sou Cameron Leigh, e eu suponho que nunca é tarde para uma nova introdução — ele me dirigiu sua mão para cumprimentá-lo formalmente.

— Silver Clarke, — o cumprimentei — mas você já sabe disso.

Ele assentiu, e prosseguiu:

— Eu sou primo do Elliott, caso esteja se perguntando, e três: O que estou fazendo aqui é tentando não ser pego enquanto chamo uma garota para sair. Então, o que você acha disso?

Avistei uma das supervisoras se aproximando por cima de seu ombro.

— Eu vou ver o que posso fazer. — Respondi, ligeiramente.

A supervisora pediu para que ele se retirasse, e ele o fez. Mas não antes de proferir as próximas seis palavras: "Então eu te vejo em breve", e se foi.

Seis palavras e pressenti que já estava me metendo em problemas.


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Notas finais do capítulo

Desculpem pela demora, eu andei meio sem inspiração para passar para palavras o que eu já tenho projetado em mente há um bom tempo.
Sei que poderia ter feito melhor, mas isso foi tudo que consegui fazer. O próximo capítulo já está em andamento.
E como sempre: comentários, feedbacks seriam bem vindos.