A garota pôs os pés delicadamente no assoalho, tomando o máximo de cuidado para não produzir ruído algum. Levantou-se medindo o próprio peso entre os dedos frios dos pés. Quando chegou a porta uma mão calejada e fina a interceptou.

– Werkheiser? O que faz acordada? - O garoto de voz rouca pergunta.

– Carpenter! Quer me matar do coração? - A garota disse, obviamente desviando da pergunta do garoto que a fitava.

– Não respondeu a minha pergunta. - Disse simplesmente. Aturdida a garota respondeu quase em um sussurro.

– Hoje é o teste de aptidão.

–Está com medo? - Ele perguntou, direcionando os olhos caramelo para os pés.

– Sim - A garota mentiu, apesar de estar hesitante. -E você?

O garoto não respondeu. Continuou calado como uma estátua. A menina desceu das pontas dos pés, caminhando normalmente em direção a cozinha no andar abaixo. Serviu-se enquanto arrumava a mesa, sabendo que seria repreendida por Liren Carpenter que nada disse para sua surpresa. A garota por mais que já estivesse na abnegação a alguns meses ainda não se acostumara com as rotinas redundantes. Passou pela frente do garoto em direção à porta andando a passos curtos e firmes, respirando com calma. Perguntas ecoavam em sua mente: "Será que irão descobrir que não sou quem aparento? Que menti por todos esses meses?", pensou enquanto sentava-se na calçada das rua esburacadas da Abnegação.

–WERKHEISER! Sua sumida! Achamos que tinha morrido! - Um grito fanho vindo abaixo dos pés da garota surgiu e ela soube de imediato que se tratava de Manny.

 

Flashback On

Aimee saiu do cortiço cambaleante indo para as calçadas da Abnegação, pois teria um dia desgastante limpando a sujeira dos outros. Permanecera em pé o tanto quanto podia, mas finalmente seus joelhos cederam. A garota se encolheu enquanto assistia as pessoas da Abnegação, todas cinzas e iguais, passando por sua frente.
E foi então que o garoto se aproximou dela. Liren Carpenter, dono de olhos caramelo e cabelos negros como a noite. Ele se aproximou e ela, diferente de qualquer outro sem facção, não se encolheu. Ele arqueou uma sobrancelha e continuou se aproximando.
–Carpenter! Carpenter! Vamos, não perca tempo com essa inútil! Ela só serve para limpar nossa sujeira. - Os amigos do suposto Carpenter diziam.
–Vamos. - Ele disse, estendendo a mão.
Ela se fez de desentendida.
–Ah, venha logo, tem comida em minha casa. - Se seu orgulho ainda existisse, ela se faria de ofendida. Mas se tratava de uma facção extremamente solidária. A ruiva refletiu. Há quanto tempo não comia? Quatro, três dias? Por ai. Levantou-se sozinha e o garoto a ajudou. Ou pelo o menos, tentou, já que dignidade não lhe faltava. 
Estava tão absorta com a possibilidade de ser ajudada que nem pensou na loucura que fazia. Ele abriu a porta de uma casa, cinza igualmente. Ele a guiou para uma cadeira posta matematicamente em frente a uma mesa, perto da cozinha.
Eles passaram a tarde ali. Uma sem facção e um altruísta.


E desde então, Aimee Werkheiser vive na casa de Liren Carpenter. Ela nunca soube o motivo pelo qual eles a aceitarem mas isso não importou, contando com o lugar que o Sr. Carpenter está inserido em toda a sociedade. Seus pesadelos com eles ainda a mantinham insone, quando lembrava-se de Manny, Crampoll e os outros. Da vida dura que levava era só isso que restou. Resíduos de memória que perambulam entre a inconsciência.

Flashback Off

–Manny! O que...eu não, eu não quero. - Ele a interrompeu.

–Aimee, volte para casa por favor, eu sei que está se divertindo ai, onde come bem e não faz nada mas, nós sentimos sua falta, somos seus amigos de verdade.

–Tchau Manny. - Ela disse, com tristeza e egoísmo na voz, enquanto fechava o bueiro e respirava fundo. "Ele deve me odiar. Mas nada irá importar agora. Ninguém, ninguém irá impedir-me de ter uma vida digna."