Better Man escrita por Mariana


Capítulo 1
Better Man




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Diogo vivia aquela situação havia sete anos. Quase sempre, como naquela manhã de domingo, se sentia envolto por um sentimento de surrealidade. Parecia que estava interpretando um personagem, não ele mesmo. Já tinha se conformado com essa sensação e com sua vida, que julgava medíocre. “O destino é inexorável”, sempre dizia. Ele tinha nascido ali, ali viveria sua vidinha e ali morreria. Nem feliz, nem infeliz.

Mas algumas raras vezes, algumas pessoas ou situações conseguiam tirar Diogo desse estado. Por um breve tempo ele passava a achar que poderia afetar o curso de sua vida. Mais: achava que deveria fazer algo a este respeito. E naquele mesmo dia, já à tarde, era essa inquietação que o dominava.

Resolveu que, sem dizer nada a ninguém, sumiria por um tempo. Era sua última opção e iria usá-la.

 ...

Colheu umas informações na internet e resolveu ir pra São Paulo. Não conhecia ninguém lá e isso era muito importante para que seus novos planos funcionassem. Julgou que o dinheiro que possuía no banco seria suficiente para pagar um lugar para morar e comer por pelo menos um mês. Nesse tempo, tentaria arrumar um emprego. E foi o que fez. Foi morar numa espécie de república de estudantes que tinha conhecido em suas pesquisas pela rede.

Na sua primeira noite lá, seus colegas de quarto chamaram-no para celebrar sua chegada na cidade. Foram para um clube no centro, famoso por suas festas de rock. Naquela terça-feira acontecia uma festa chamada Viva La Vinyl! e foi ali que ele resolveu que seria DJ.

Diogo amava música. Tocava guitarra e chegou a ter uma banda que não deu certo. Seus conhecimentos sobre bandas de rock eram muito maiores que os da maioria dos roqueiros e usava a música para tudo em sua vida — para conquistar garotas e garotos, fazer amigos, comemorar, curtir seus momentos de depressão. Mas ia a poucos shows e nunca tinha ido num destes clubes de rock. Ele ficou muito contente naquele lugar e decidiu que seria o emprego ideal para ele.

No meio da madrugada já estava bastante bêbado. Pensava na vida ridícula que deixou pra trás e em como tinha sido sábia sua decisão de ir pra São Paulo. Tinha trocado alguns colegas — pois não tinha amigos de verdade — e uma mãe e uma namorada chatas — e os grandes problemas que elas lhe traziam — por uma turma de universitários, uma cidade que tinha tudo a lhe oferecer e o ótimo e eterno rock ‘n’ roll! Não se aguentou: agarrou o DJ, que fazia tranquilamente seu set tocando “State of love and trust” do Pearl Jam, e deu-lhe um beijo.

Com esta aproximação um tanto inusitada, que, a princípio, não agradou nem um pouco ao DJ, Diogo estabeleceu contato. Puxou papo e logo o DJ foi conquistado, pois Diogo realmente sabia muito sobre rock e fazia vários comentários interessantes sobre os sons que estavam tocando e deu algumas sugestões que agradaram. Perguntou se não podia tocar ali algum dia, mesmo que de graça, como se fizesse um teste. Aceitaram sua proposta e ele ficou de voltar no dia seguinte para fazer um set de uma hora. 

Na quarta feira Diogo estava lá na hora combinada. Foi um sucesso. Ele realmente curtia tocar e parecia que as pessoas realmente gostavam de vê-lo tocando. E quem também gostou foram os donos do clube, que contrataram Diogo para tocar às quartas na festa que ele intitulou Vitalogy, nome do seu disco preferido. Neste dia da semana a casa passou a ficar cada vez mais lotada. Ir para a  Vitalogy parecia ter virado moda. Inclusive, muitas pessoas que apareciam por lá não tinham a menor ideia do que estava acontecendo.

Assim como ele fez na sua primeira noite lá, depois de bêbados, muitos puxavam assunto. Só que nunca apareceu ninguém que tivesse o interesse que ele tinha por música. Ele percebia que aquelas pessoas não eram verdadeiros fãs, mas pessoas que apenas se deixavam levar pela onda do momento e que não estavam realmente envolvidas. E isto acabava com a diversão dele. Não! Aquele lugar não era para aquelas pessoas. O irritava que pessoas estranhas transformassem sua paixão em mera mercadoria e a consumissem de forma tão voraz e imprópria. 

 ...

Enquanto ia tocando, Diogo divagava em sua “crise existencial” — como implicavam seus colegas. Ele queria que todos pudessem compreender! Compreender que existem diferenças entre as pessoas, que ser igual é impossível e chato! Queria que elas parassem de tentar essa pasteurização frenética.

Como a maioria das famílias, a de Diogo tinha algumas disfunções. Mas ele teve bons momentos na sua infância e sempre teve um comportamento dito normal. Para os padrões vigentes, talvez fosse um pouco mais antissocial que o esperado, mas sempre teve seus colegas e foi cordial e gentil com a maioria das pessoas com quem convivia.

Estava em São Paulo havia um mês e já não entendia mais como tinha chegado naquela situação. Culpava o destino. Quando partiu de sua cidade queria uma mudança prática. Não imaginava que sua cabeça iria ficar tão confusa com tudo o que se passou desde então.

Pequenos conflitos tinham ganhado proporções gigantescas em sua mente. Na sua indulgência, tinha passado grande parte da vida esperando por sinais e acreditando em mentiras, até que resolveu ser ativo na escolha do seu caminho. Agora se sentia na mesma situação que tinha gerado sua mudança. Pensou em voltar. Mas talvez fosse tarde demais. Sentia-se arrependido. Sentia-se um nada!

 ...

[Ok. Diogo está tão confuso neste momento que, para não deixá-lo confuso

também, leitor, creio que seja apropriado voltar um pouco no tempo. Voltemos

àquele domingo do princípio da história.]

 ...

Diogo nunca tinha gostado de domingos. Fazia o possível para fugir — até a hora do almoço — da música ruim que vinha do aparelho de som dos vizinhos e da cozinha de sua mãe e, à tarde, daquele barulho ao longe, da televisão ligada religiosamente no mesmo programa, com aquelas mesmas vinhetas que se tornaram insuportáveis. Logo depois que levantou pegou sua moto sem nem se importar em levar o capacete. Estava chovendo, mas também não quis perder tempo apanhando um casaco.

Passou na casa dela, buzinou e gritou-a do portão. Ela se espantou que ele estivesse lá, de moto, debaixo daquele temporal, mas, como também não suportava aquela horrorosa rotina de domingo, saiu correndo e saltou para a garupa. Eles, no fundo, se pareciam muito e possuíam muitas afinidades.

Ele quase não se machucou. Ela sangrava muito, mas ainda assim conseguiu contar o segredo que guardava havia três meses. Ele parecia não acreditar e diante do silêncio que se fez ela disse: “Sim, eu às vezes também minto! Na verdade, sou igualzinha a você e acho que pra gente já basta!” E desmaiou.

Pessoas que tinham acompanhado o acidente haviam chamado a ambulância que logo chegou e levou-os ao hospital. Enquanto ela estava deitada numa cama, Diogo sentou-se ao seu lado torcendo para que ela acordasse logo, para que aquele pesadelo acabasse. Mas não tinha a menor ideia do que iria falar ou fazer quando isso acontecesse e isso o apavorava. Ele pensava se deveria dizer que sentia pela perda do filho ou se deveria fingir que ela não tinha falado nada. “Poderia ter sido apenas um delírio!”, pensou.

Imerso nessa terrível angústia, se assustou quando um passarinho bateu com o bico na janela. Olhou para ela e teve muito medo de tudo. Saiu do quarto e pediu ao médico para que lhe avisasse se houvesse alguma alteração.

Passava das quatro da tarde quando ele estava em casa e o médico lhe telefonou dizendo que ela tinha acordado e ficaria bem. Foi aí que aquela inquietação lhe veio e ele decidiu que iria embora. 

 ...

Agora estava na república, em São Paulo, pensando em tudo isso. Ele conseguira fugir da vida que julgava falsa e mesquinha. Tinha conseguido um emprego relacionado à música e tinha se divertido por um tempo. Mas sentia que no final tudo voltava ao mesmo ponto. Volta e meia se via cercado de pessoas que pareciam não entendê-lo realmente. Pessoas com quem ele não conseguia se comunicar. Não que elas não falassem. Elas falavam. Muito. Às vezes, na verdade, este era o problema. Coisas não só supérfluas, mas totalmente inúteis.

E aí ele pensava que queria ficar só. Um pouco de privacidade. Precisava que não tivessem dezenas de pessoas ao seu redor tentando penetrar-lhe a mente a procura de algo que elas provavelmente não encontrariam e, caso encontrassem, não compreenderiam.

Estava cansado!

Achou que poderia enlouquecer! Não queria fazer parte daquilo. Quis parar com tudo e voltar ao estágio em que estava quando começou a nova etapa. Todos seus conhecidos na capital paulista falavam que ele era um ótimo DJ, que poderia ganhar muito dinheiro e fazer muito sucesso.

O dono do clube queria que ele passasse a tocar mais dois dias por semana e ele conheceu um grande empresário de uma rádio que queria contratá-lo. Mas ele não queria saber o que essas pessoas tinham a dizer, afinal de contas, elas podiam ser poderosas, mas não possuíam seu talento e jamais poderiam ser como ele!

Na verdade, ele achava dinheiro muito bom, mas dinheiro não poderia comprar o que ele realmente precisava. A ideia, desde o início, era se divertir. E ele não estava mais se divertindo. Estava ficando cada vez mais chateado!

Não sabia o que fazer. Realmente, a opção mais fácil era juntar-se à maioria. Se tornar um deles! Mas tinha certeza que jamais conseguiria isto. E Diogo sabia de uma pessoa que o faria sentir-se confortável e dono da situação novamente. E é para ela que ele queria voltar.

Os velhos problemas, as velhas angústias. Sensações já conhecidas e exploradas. Era isso que ele queria. Não se preocupava em voltar para a mesma rotina que o afastara.

Diogo pensou que ele e ela poderiam seguir do ponto em que pararam. Assumir uma vida adulta, afinal eles já estavam com 25 anos. Eles poderiam ter um filho — planejado desta vez — que criariam com muito amor e educariam muito bem. Seriam felizes e unidos e não se importariam com o resto do mundo!

Ele tinha tentado fugir de seu destino e viver uma vida com a qual sempre sonhou, mas no fundo sabia que não seria possível! Sabia que o destino era inexorável. E agora podia ver isto claramente. Via, mas mal podia acreditar. Ele ia voltar! Afinal, ele ainda não havia dito e feito tudo que deveria ter dito e feito.

Mesmo sabendo que sua situação não seria das melhores ao retornar, sentia que era lá que ele se encaixava e sentia que realmente queria se render a esta sua fraqueza.

...

Enquanto isso, ela, de alguma forma, sempre soube que ele voltaria. E, por mais que odiasse isto, sempre soube que o queria de volta. Às vezes ficava na frente do espelho ensaiando o que diria quando ele voltasse. Uma tarde, enquanto ela praticava seu discurso notou que não estava sozinha no quarto.

Pela porta entreaberta ele a olhava. Com um sorriso no rosto, ela nem deu tempo para que Diogo falasse. Disse-lhe que o amava, escondendo o fato de que só o aceitava de volta porque não havia encontrado um cara melhor ou porque não queria que eles terminassem do jeito estúpido como terminaram. O rádio estava ligado e uma música instrumental parecia concordar com eles — nada mais precisava ser dito.

Dormiram abraçados quase a tarde inteira. 

...

Enquanto dormia, Diogo teve um sonho estranho com alguns de seus tios e acordou assustado. Sentia-se incomodado mais uma vez. Não conseguia acreditar. Foi dormir achando que poderia ser feliz e agora, por causa de um sonho, estava de novo se sentindo miserável.

Questionou se era mesmo por causa do sonho. Concluiu que nunca mais se sentiria bem neste mundo! Ela foi acordando devagar, ouvindo vozes estranhas. Pareciam vozes de crianças… Era confuso. Falava alguma coisa sobre abraço, amor… Sexo… Ou não era isso?

Era difícil de entender. Falava algo sobre um esfregão? Chão limpo… Era irritante, incomodava! Levantou-se! Viu que era só a televisão… E viu que Diogo não estava mais lá.

Deixara para trás apenas um maço de cigarros caído no chão. Sentiu-se revoltada. Não queria parecer que estava ligando para o fato, mas precisava desabafar de alguma forma. O problema era que ela também não compreendia bem o que sentia. Sentou-se ao computador e escreveu-lhe um e-mail:

“Eu esperei o dia todo. Você esperou o dia todo. Mas você se foi antes do sol se pôr… E eu só queria te dizer que o pôr-do-sol foi lindo. Se não iria ficar por minha causa, deveria ter ficado pelo pôr-do-sol…”.

Mas ela nunca mais teve resposta. Onde ele estava não poderia responder a ninguém.


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