Programa com a Morte escrita por Odheon


Capítulo 1
Programa com a Morte




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/29140/chapter/1

Era uma noite como outra qualquer e ao mesmo tempo particularmente agradável; rua movimentada, pessoas apressadas passando de um lado pro outro a toda hora.

Já estava dirigindo havia algum tempo, quando finalmente avistei o que estava procurando. Parada, encostada num poste, estava uma mulher, era loira, cabelos curtos a altura dos ombros, olhos azuis cativantes e muito maquiada.  Absolutamente linda aos meus olhos, realmente parecia uma mulher, contudo seu semblante delicado deixava transparecer sua inocência infantil, não devia ter mais de vinte anos. Não passava de uma criança.

Parei o carro a sua frente abaixando o vidro do passageiro, automaticamente ela se aproximou com um sorriso encantador.

- E ai bonitão, procurando por um pouco de diversão? – Sua voz era suave e sedutora, parecia uma verdadeira profissional, afinal desde cedo aprendera a arte de seduzir os homens. Mas não era bem isso que me fazia querê-la cada vez mais desde o momento em que a vi...

- Claro, entre. – Destranquei a porta para que entrasse, ela sentou-se ao meu lado naturalmente, como se não se importasse com a companhia de um completo desconhecido como eu.

- E então, por onde posso começar? – Disse acariciando minha perna enquanto eu dirigia, sua mão foi subindo, sabia exatamente aonde chegar, mas tive que interrompê-la – Desculpe força do habito. – disse ela.

- Não se desculpe, é que não me sinto a vontade, pelo menos não enquanto dirijo, deixe-me levá-la a um lugar mais agradável. – Ela sorriu, mas pude sentir certa apreensão neste sorriso – Não se preocupe não lhe farei mal. – Não neste momento, pensei comigo.

E sorriu de novo, um sorriso meigo, era realmente uma criança, a criança mais graciosa que eu já vira. Enquanto dirigia pela cidade rumo ao nosso destino, conversamos um pouco, neste meio tempo ela disse que seu nome era Ana, eu sabia que era um nome falso, mas não disse nada.

Descobri que Ana perdeu a mãe aos nove anos passando a viver só com o pai que abusava dela constantemente, aos 15 fugiu de casa indo morar nas ruas, passou por maus bocados e não demorou muito para entrar para a prostituição. Agora com 19 anos Ana era relutante ao falar de sua intimidade, mas minha presença lhe proporcionava certa segurança, é um dom que possuo, cheguei a ter pena da pobre menina. Pena, será que ainda sei o que é sentir pena de alguém?

-... Mas chega de falar de mim, fale-me de você, ainda não me disse como se chama. – Apesar de tudo o que passou Ana era uma pessoa agradável, talvez estivesse tentando conquistar mais um cliente, mas parecia sincera ao falar.

- Não há muito que falar sobre mim; acho que a sua história é mais interessante, mas quanto a meu nome, pode me chamar de Albert. – Albert Greyleaf... a única coisa que restou do meu passado.

Uma menina muito carismática; com perguntas habilidosas e muita personalidade conseguiu desenterrar minha história, ou melhor, uma pequena parte dela. Confessei ter vindo da Europa, vim para a America  resolver uns negócios da família e nunca mais retornei, aqui minha vida mudou completamente e não pude mais partir, contei-lhe um pouco sobre minha família e amigos, estranho, nunca havia me sentido a vontade ao falar do meu passado.

Um clima descontraído tomou conta do ambiente, a companhia de Ana era agradável, e me fez sentir-me vivo novamente, não era mais a emoção da caça que me movia, mas sim um sentimento que há muito não sentia, a vida é cheia de surpresas, quem diria que num lugar daqueles encontraria alguém como ela. Chegamos ao nosso destino, um luxuoso hotel no centro da cidade, Ana parecia extasiada com o tamanho do lugar, esse é um dos meus muitos defeitos, luxuria, gosto do luxo e do conforto, gosto de desfrutar do bom e do melhor que o dinheiro pode comprar, essa tem sido a minha única distração em todos esses anos.

Subimos para nosso quarto, simplesmente o mais luxuoso disponível no hotel, entramos, tranquei a porta para não sermos incomodados. Servi uma taça de champagne à moça, ela tomou tudo de uma vez e se aproximou sensualmente de mim.

- Agora me deixe cuidar de você – E me beijou ardentemente enquanto despia meu blazer e em seguida minha camisa –... Você está gelado!

- Isso a incomoda? – Achei certa graça em sua surpresa, pela primeira vez parecia abalada.

- Não... Nem um pouco. – Recompôs-se depressa e continuou me arrastando para a cama.

Retribui suas caricias com a mesma intensidade, seu corpo perfeito se arrepiando ao meu toque gélido, deixando-a cada vez mais excitada. Desvencilhei-me dela e fui até a janela, perplexa ela me seguiu.

- O que foi? Está com medo de mim? – Brincou.

- Talvez... – Respondi – Qual é o seu nome?

- Já disse, eu me chamo Ana. – Estava muito segura de si.

- Até aqui o que vi foi a garota de programa que peguei naquele ponto, quero te conhecer de verdade. – Agora sim ela parecia realmente surpresa, estava acostumada a clientes buscando apenas o prazer e nada mais e, de repente um estranho diz querer conhecê-la de verdade, isso era fora do normal – E vamos começar pelo seu nome.

- Eu... Me chamo... Jessica, Jessica Greenwood... Ana era o nome da minha mãe. – Parecia tímida ao revelar o nome verdadeiro.

- Muito prazer em conhecê-la Jessica Greenwood. – Aproximei-me de vagar e carinhosamente puxei seus cabelos loiros, como imaginei eram artificiais, apenas uma peruca. Ao retirá-la lindos e compridos cabelos castanho-escuros caíram por sua costas, ela entendeu onde eu queria chegar, com a manga da jaqueta jeans que usava limpou o que pôde da maquiagem que cobria seu rosto e retirou as lentes que deram lugar aos olhos negros mais luminosos e intrigantes que já vi. A verdadeira Jessica começava a aparecer e era ainda mais linda e estranhamente atraente para mim do qualquer uma que encontrei em minha longa vida.

Olhei profundamente em seus olhos procurando entender o porquê de eu ainda estar aqui parado e a razão para eu agir desta forma, que sentimento é esse que essa pessoa insignificante poderia estar causando em mim? Ela corou e sorriu constrangida.

- Você não é como os outros, digo, como os outros homens, tem algo em você... – E parou, talvez tentando encontrar a palavra certa, mas não continuou.

- Diga, agora fiquei curioso. – Incentivei-a.

- Tem algo... Estranhamente diferente em você... Sua pele, seu modo de falar e agir, não parece desse tempo... Parece que busca algo mais além do prazer, me pergunto o que seria... – Jessica estava sendo transparente, e não era mais por causa de meu dom, agora ela realmente sentia que podia confiar em mim, mas até quando?

- Se você soubesse metade das coisas sobre mim, desejaria não ter se perguntado. – Quis parecer ameaçador, porém tudo o que consegui foi aumentar sua curiosidade.

- É tão terrível assim? – Perguntou fazendo cara de quem está apavorado – Me abri pra você, agora é a minha vez de te conhecer de verdade! – Sua convicção era invejável, mas estava certa, talvez eu devesse isso a ela, mas eu temia sua possível reação.

- Sabe a história de que vim pra cá a negócios? – Ela acenou com a cabeça afirmativamente – E se eu dissesse que isso foi há exatamente 150 anos atrás? – Eu esperava que ela, na melhor das hipóteses, risse ou que, na pior, corresse aterrorizada, mas não foi o que aconteceu, em vez disso apenas me encarava, querendo ouvir o resto.

“Uma complicação surgiu e eu tive que me mudar as pressas para a America, tinha que ajudar na administração de uns bens da família, quando cheguei fui muito bem recebido por parentes e, mais tarde fui apresentado à um amigo da família, seu nome era Antoine.

Antoine era um rapaz muito gentil e logo nos tornamos muito próximos, mas a amizade não durou muito pois acabei adoecendo e estava a beira da morte, pois a doença não tinha cura. Em meu leito, já perto de minha morte, Antoine me ofereceu uma cura... Eu aceitei, e naquela noite eu morri.”

Não havia percebido a quão perto Jessica estava de mim, como se avaliasse uma escultura frágil ela passava levemente os dedos por meu rosto, meu peito, me estudando.

- Mas você está aqui... – Enfim falou e eu sorri.

- Sim, mas não sou como você, pode-se ver pela minha pele fria e apesar de meu esforço, quanto mais as horas passam, mais ela se torna pálida e rígida. Estava certa quando disse que eu buscava algo mais além do prazer. Sou um vampiro, estou faminto, e quero você. – A essa altura não podia mais esconder minhas verdadeiras intenções, mas havia algo mais nessa garota que me fazia querê-la, não como alimento, mas...

- V-vampiro...? – Ela sentou-se na cama, parecia tentar digerir minhas palavras – Você vai me matar? – Disse com uma voz quase inaudível.

- Essa era minha intenção, mas há algo em você... Há algo que passei a sentir com você que não sentia a mais de um século, você é diferente de tudo, de todos... – Eu não sabia como me expressar, por todos esses anos caçando desta forma e agora a minha própria presa me coloca numa situação difícil como esta.

- Apesar de estar diante da morte, sinto-me feliz, depois de tantos anos sendo tratada como lixo, você me deu um momento de alegria, me permitiu ser eu mesma por um instante e eu te agradeço. – Uma lagrima escorreu por seu rosto, apesar da aparência era uma pessoa frustrada, cansada da vida ingrata, talvez ela até estivesse se sentindo aliviada por se ver livre dela.

- Não quero te matar, você é mais do que um alimento pra mim... Jessica venha viver ao meu lado, deixe-me tirá-la desta vida e te mostrar um novo mundo, a eternidade tem sido vazia e sem sentido, seja o sentido da minha existência. – Jessica levantou a cabeça e veio até mim, me abraçou fortemente e ficamos assim por algum tempo. Era corajosa, eu não sabia o que viria a seguir.

Ela me beijou e disse por fim:

- Sim, serei sua razão de existir... e você será a minha... Para sempre.

Sem poder me conter mais, cravei meus dentes em seu pescoço, seu sangue era delicioso, Jessica não ofereceu resistência, o prazer do Beijo¹ era intenso, mas eu tinha que parar, deixei-a a beira da morte, abri meu pulso e deixei que meu próprio sangue caísse em sua boca, nesse instante terminei por entregá-la a morte... E a revivi para a eternidade.

FIM


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!