Uma Estrada Para O Oeste escrita por Ugly King


Capítulo 1
Parte 1




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PARTE 1

            O salão cheirava a incenso de Myr ou de qualquer um desses malditos lugares além do Mar Estreito. Os corpos jaziam em dois caixões. “Incenso e caixões, um último luxo ao menos.” Will Harion e seu irmão Roy eram os únicos no salão. O incêndio matara seus pais, mas a maior parte das mercadorias estava intacta. Tecidos, especiarias, tapetes, vidro, lentes, tudo isso pouco importava agora. Proveriam rendimento para ambos os irmãos viverem confortavelmente por décadas, fora o ouro guardado no cofre da família. O patriarca Tom “ Apple” começou a vida trabalhando como carregador no cais e em vinte anos já era um comerciante rico em Porto das Gaivotas, casou-se por amor com Helena Harion, filha mais nova de um Lorde empobrecido. “Mas agora se foram” pensou Will.  

            A porta do salão foi aberta brusca e ruidosamente fazendo algumas das velas se apagarem. Um rapaz alto e magro apareceu, Will demorou alguns segundos até reconhecer o primo Anders. Sentiu uma súbita satisfação. O primo entrou silenciosamente e deu um forte abraço nos dois irmãos:

            — Meu pai e minha mãe não puderam vir, o Lord está ocupado demais lá pelo Oeste e minha mãe, você sabe como é a saúde dela.

            —Tudo bem, já é muito bom te rever. — disse Will com um sorriso — tem a mesma cara de arrogante de sempre, mas precisa cortar esse cabelo ridículo.

            Terminadas as solenidades funerárias e o enterro, os três foram para uma taverna próxima. O lugar era um salão escuro e quente e estava lotado naquela noite, provavelmente alguns marinheiros tinham descoberto essa taverna que antes era mais tranquila. Anders escolheu uma mesa no canto. A criada que atendia as mesas era uma velha alta e com pelos no queixo.

            — Três cervejas por favor. — a velha resmungou alguma coisa e logo retornou com três canecas feias de cervejas. Os três beberam silenciosamente quando Anders falou.

            — Eu tenho notícias. Meu pai está no Oeste, como eu já mencionei, ele está arranjando um casamento para mim!

            Anders era filho de Lord Arthur Spencer, um pequeno nobre juramentado a casa Coldwater. Ainda assim os Spencer aumentaram gradativamente de poder ao apoiarem Dareon II durante a rebelião Blackfyre há muito tempo atrás. A casa era antiga, mas pouco conhecida fora do Vale, o que tornava surpreendente um casamento no oeste.

            — Mais fácil você se casar com a sua égua! — disse Roy — você não estava prometido à filha de um cavaleiro com terras?

            — A filha de Sor Robert Escudorei, espinhenta e gorda, esse era um casamento que iria me dar motivo para rir. — lembrou Will.

            — Que bom que tenho primos que realmente se importam comigo, minha noiva não tem espinhas nem pesa mais que eu mesmo. Eu recusei a proposta de Sor Robert e em troca meu pai doou algumas terras para o homem. Meu pai vai me casar com uma Sarsfield! Na verdade sou apenas um pretendente, ela se chama Joanna e é a sexta filha de Lord  Seja-lá qual-é-seu-nome Sarsfield, o velho é conhecido do meu pai e prometeu a filha a mais alguns fidalgos mas a última palavra é a dela, não terei dificuldade nisso, sou bem melhor que esses rapazes do Oeste.

            — Seria bom que cortasse esse cabelo ou você será confundido com a própria Joanna! —Exclamou Will.

            — Meu primo é melhor calar a boca ou será confundido com alguém sem dentes. Olha agora vamos falar sério, amanhã parto para Sarsfield e quero vocês comigo.

            — Impossível, eu e Will temos negócios a fazer, mercadorias para vender, navios a fretar, e agora que nossos pais morreram temos que fazer tudo sozinho. Não somos filhos de Lord Anders.

            — Desde quando Harion não é uma casa nobre. Nossas mães são irmãs e bem nascidas, vocês são filhos de uma Lady.— retrucou Anders, ofendido.

            — Eu irei. Faz tempo que queria viajar, além do mais, você tem tudo já arranjado com os navios e o cais, só precisa vender a mercadoria. — disse Will

            — Você é quem sabe, só não venha me pedir parte nos lucros, pegue o que é seu na herança e faça o que bem entender. — Roy se levantou irritado jogou algumas moedas pela cerveja em cima da mesa e foi embora. Os dois riram da situação e pediram mais bebida enquanto faziam planos de viagem.

            Já fazia quase dois dias que haviam partido de Vila Gaivota, Anders com seu corcel de guerra, negro e gigante comparado ao castrado também negro e recém-comprado de Will. O tempo, por sorte, estava ameno e já era quase noite. Procuravam por um lugar para montar acampamento e seguir ao amanhecer quando ouviram o barulho de cavalos se aproximando da direção em que seguiam. Atentos não chegaram a desmontar, os cavaleiros surgiram em um aclive e em alguns minutos estavam próximos o suficiente para enxergar os rostos. Eram quatro ao todo, não usavam elmos ou armaduras, mas carregavam espadas na cintura e escudos pendurados nos seus cavalos. O cavaleiro que vinha a frente era baixo e forte, de meia idade e um rosto aparentemente senhoril não fosse as cicatrizes acumuladas, montava um corcel branco, seu escudo ostentava um represeiro seco rodeado de corvos . “Blackwood” sussurrou Anders antes que os cavaleiros se aproximassem mais. Os outros três eram aparentemente cavaleiros andantes. Um era loiro, jovem e feio, sorria com os dentes tortos e um enorme nariz, os outros dois ambos morenos e barbados um, porém era forte e alto com o rosto orgulhoso, poderia se passar por um lorde não fossem suas roupas de qualidade terrível e gastas. O último baixo, ranzinza corpulento levantou a mão em saudação.

            — Boa noite amigos. — disse o homem com o escudo Blackwood. — Sou Sor Edmund Lawrence, Mestre de Armas da Árvore dos Corvos, e não intencionamos nenhum mal. Estamos em busca de um rapaz da idade de vocês, viajando com dois homens que se passam por cavaleiros andantes, talvez vocês tenham visto algo do tipo na estrada.

            — Olá Sor, sou Sor Anders Spencer e esse é meu primo William Harion, não passamos por nenhum grupo semelhante na estrada, mas podemos ajuda-lo, alias eu devo ajuda-lo já que meu voto de cavaleiro me obriga a tal.— respondeu pomposamente e se gabando dos recém jurados votos.

            — Sor, temo que por hora não precisamos de mais companheiros em nosso grupo mas caso tenha alguma informação Lord Blackwood garante que será recompensado, o rapaz deve ser trazido em segurança no entanto. Os outros dois devem ser mortos, não se engane, não são cavaleiros. Agora tenho de ir muito obrigado.

            — Muito bem, boa sorte em sua busca. — respondeu Anders feliz. Enquanto os cavaleiros galoparam rapidamente pelos dois levantando poeira.

            — Estranho não é mesmo? Posso jurar que esse rapaz é algum filho do Lord Blackwood, ou irmão talvez, não conheço nada sobre as famílias do tridente.— Afirmou Will.

            — Eu muito menos, reconheci o escudo porque já o vi em um duelo, na verdade vi já vi Lord Blackwood em um torneio, ele se chama... Edmund eu acho, ou Jon talvez. De resto não sei. Que tipo de nobre deixa seu filho ser raptado por dois cavaleiros andantes. É um pouco imbecil da parte dele.

            — Sim, ou faltam cavaleiros decentes no tridente. — completou Will — Aqueles quatro devem ter vindo de alguma estalagem aqui perto, afinal seus cavalos não pareciam ter viajado muito. Que tal passarmos lá pra comer uma refeição quente dessa vez e descobrir sobre esse Blackwood.

            — É você quem manda “Lorde Harion”, o estalajadeiro poderia ter uma filha bonita para me aquecer a noite. — gracejou Anders

            — Falou como um homem casado. — respondeu Will rindo

            Estavam certos no palpite, em alguns minutos avistaram uma casa de dois andares bastante iluminada. Uma estalagem beirando a estrada e uma aldeia em volta, muito bem organizada para uma dessas aldeias que rodeavam as terras juramentadas aos Royce. A estalagem não possuía nenhuma placa ou nome aparente e era ladeada por um estábulo pequeno, mas bem construído. Entregaram seus cavalos a um menino sujo que trabalhava nos estábulos. O salão da taverna estava repleto de cavaleiros andantes e algumas pessoas comuns. Um músico magro e com cabelos longos tocava harpa, mas era quase abafado pelas vozes altas. Os dois se sentaram na única mesa vazia, no centro do salão. Ao contrario das expectativas as moças que trabalhavam nessa taverna não eram nem um pouco bonitas e todas pareciam com o homem atrás do balcão, magro vesgo e baixinho.

            — Olha tem uma que não é estrábica! E vem na nossa direção! — falou Anders com entusiasmo fingido

            A moça era na verdade menos feia que as suas colegas (e provavelmente irmãs), ela chegou à mesa e sorriu para Will, um sorriso torto e hediondo.

            — Hoje nois temo Javali e galinha. Vão quere o que ? — falou com um sotaque forte.
            — Javali, por favor, e cerveja! Aliás, não, vinho você tem vinho? — perguntou Will.

            — Tão tá Sor. — respondeu a garota, que nem era tão feia assim, e saiu trocando risinhos com as outras meninas. A porta da estalagem se abriu e dois cavaleiros andantes entraram e se sentaram perto do balcão, todos encararam com desconfiança os novos cavaleiros.

            — Olhe Will, aqueles podem ser os dois cavaleiros andantes!— disse Anders empolgado.

            — Claro, eles iriam vir justamente pra onde estão sendo procurados. — Nesse momento a cerveja chegou acompanhada de uma coxa generosa de Javali. A menina deu um sorriso para Will que retribuiu com um “Obrigado” meio tímido.

            — Oh Will acho que está apaixonado. — riu Sor Anders. Outros estranhos entraram no salão e com eles Sor Edmund Lawrence e os cavaleiros andantes que o acompanhavam. Acomodaram-se em algumas mesas recém-liberadas enquanto um rapaz modestamente vestido se dirigiu a Will:

            — Me desculpe Sores, mas não consigo encontrar mesa vaga e vocês parecem ter um espaço à mesa de vocês. — perguntou um cavaleiro loiro e jovem — meu nome é Sor Adrien da Pedranegra.

            — Will Harion, não sou nenhum Sor, e esse é o meu primo Sor Anders Spencer.

            Sor Adrien se sentou a mesa, era de altura mediana era muito pálido, tinha uma cara redonda e macilenta e sorria o tempo todo. Fez sinal à garçonete que esta entendeu como pedindo uma cerveja.

            — Então vocês também estão atrás da recompensa não é mesmo? Todo mundo nessas redondezas parece estar!

            — Nós só estamos de passagem, ficamos sabendo que algum membro da casa Blackwood está desaparecido e foi visto com dois cavaleiros. Mais nada.

            — Um dos filhos do Lord Blackwood na verdade. Parece que seu cavalo foi encontrado em um estábulo perto dos Portões da Lua há algumas semanas, ninguém sabe quem era o cavaleiro. Há três dias três cavaleiros foram vistos perto daqui, um deles foi reconhecido como o garoto perdido. É tudo o que sei.

            — E você está atrás da recompensa imagino?— perguntou Will

            — Disso e de um castelo que precise da minha espada, mas antes disso tudo eu ia à um torneio em Pedrarruna. — respondeu Sor Adrien.

            — Bem eu não me preocupo com nada disso, viajamos para o Oeste, amanhã partiremos. — respondeu Anders decidido

            Os três beberam e comeram até o salão começar a esvaziar. Não era tarde, portanto ficaram até restarem alguns bêbados. O cantor havia parado a muito tempo, mas só agora que notaram a sua falta.

            — Sores, vou para a minha tenda, amanhã recomeçaremos as buscas. Boa viagem, que nos encontremos mais vezes.

            — Boa noite Sor. — respondeu Will enquanto Anders olhava bêbado pelo ombro.

            Quando Sor Adrien foi embora os dois se levantaram e Anders anunciou que ia sair para “atender ao chamado da natureza” enquanto Will acertava o débito da ceia. Entrou novamente no salão e Will não estava mais lá, provavelmente havia subido para o quarto. Cambaleou pelas mesas e subiu as escadas que davam acesso ao quarto atraindo o olhar carrancudo do estalajadeiro. O segundo andar eram dois corredores largos e repletos de portas um na vertical e outro na horizontal. Anders passou pela silhueta do que parecia a filha do estalajadeiro e mais alguém, e quando achou o quarto que tinha alugado um vulto passou pelas suas costas fazendo barulho e saltou da janela do corredor que estava aberta, caindo no teto do estábulo com um estrondo, atrás vinham alguns cavaleiros que repetiram o feito desajeitadamente e berrando. A silhueta dos amantes revelou ser Will e a garçonete.

            — Corre Anders, corre atrás deles... — e correu também em direção à janela. Anders seguiu sem entender, com uma agilidade surpreendente para a sua situação alcoólica. Os dois caíram no teto do estábulo, já meio quebrado e caíram na entrada da estalagem onde alguns outros cavaleiros também corriam em direção a mata alguns segurando tochas, outros sacando de punhais e espadas. Corriam todos na mesma direção, passando por alguns camponeses assustados que saiam das suas casas e se juntavam aos perseguidores. A multidão já não sabia mais o que perseguia e começou a parar à medida que entravam na floresta. Anders e Will encostaram-se a uma árvore, ofegantes. Foi quando Will avistou alguma coisa bem estranha. Duas mulheres escondidas em um arbusto, rindo e sussurrando no ouvidas uma da outra, como duas amantes, ignorando grupo que subia a colina atrás do suposto criminoso. Nenhuma percebera os dois.

            — Hei vocês duas!— disse Will agarrando uma delas pelo braço. A outra chutou sua perna, mas Anders a dominou facilmente. Foi quando Will percebeu que não segurava uma garota, e sim o cantor. O rapaz era da idade de Anders embora mais baixo fosse imberbe, ou fazia a barba todos os dias, tinha o rosto fino e alongado. Os cabelos longos e castanhos o tornavam ainda mais parecido com uma mulher. Ele se desvencilhou do braço que o segurava e disse.

            — O que foi? Eu não fiz nada, nos deixe em paz!— falou o cantor em uma voz grave e melódica que de nada combinava com sua fisionomia.

            — Você é a mulher mais feia que eu já vi! — exclamou Anders.

            — É o homem mais bonito que eu já vi. — disse a mulher, uma camponesa bonita de cabelo preto.

            — Imagino que sua referência de homem seja do Anders pra baixo. — brincou Will. — De toda forma o que vocês estão fazendo aqui durante a perseguição?

            — Ah... Eu e Gregory estávamos aqui bem antes dessa bagunça. — respondeu a garota com uma risadinha.

            Foi quando se deram conta de que a perseguição havia parado, obviamente pela maneira com que desciam a encosta, percebia-se que nenhum sucesso havia sido obtido. Muitos nem sabiam quem estavam perseguindo. Foi quando alguém gritou uma ordem e ao poucos em meio a murmurinhos as pessoas voltaram a subir a encosta. Antes mesmo de Will perguntar a um transeunte o que acontecera, alguém gritou:

            — Blackwood decapitado! Morte aos assassinos!




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