Continuava chovendo forte lá fora, mas, nunca havia deixado de ser verdade: A chuva faz de nossos sonhos agradáveis.

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Eu ainda mantinha meus olhos fechados, jogado, sem a menor cerimônia, a inconsciência. A chuva batia na janela, fazendo de meu sono agradável e minha cama ainda mais confortável que o usual. Dormia sem sonhar, mas era tranqüilo e calmante.

 Com um alto estalo sou chamado de volta a realidade, um pouco assustado, sentando-me em um solavanco e esfregando um de meus olhos, apoiando-me na cama com a outra mão. Novamente ouvi aquele som ecoar por um pouco. Ainda sonolento demorei a reconhecer: Minha campainha. Vagamente me levantei, colocando apenas um chinelo e saindo de meu quarto, perguntando-me quem poderia ser a tal hora. Não que eu estivesse incomodado, apenas curioso.

 Bocejei caminhando pelo corredor, alongando-me. Logo olhei pela janela da cozinha, reconhecendo a figura que, junto a um guarda chuva, mantinha-se do lado de fora, próximo a campainha, esperando tranquilamente ser atendido. Esfreguei os olhos novamente. Chegava a parecer adorável vê-lo assim. Ele me viu na janela e sorriu para mim. Raro... Sorri de volta e fui abrir a porta.

- O que você está fazendo aqui tão cedo?! Par Dieu! Entre, entre! – Praticamente o puxei para dentro logo que abri a porta, sem esperar suas explicações. Mas não ia querer deixá-lo no sereno muito mais tempo.

- Eu vim te buscar. Temos uma Conferência daqui algumas horas, se você não se lembra. – Riu alto, fechando o guarda chuva e bagunçou meus cabelos. Bocejei novamente. – Isso são roupas?!

- O que há de errado? Eu durmo assim! – Fiz bico, mas acabei rindo também. Usava apenas minhas roupas de baixo, deixando meu peito e grande parte de minhas pernas a mostra. Não é como se ele não estivesse acostumado. Eu não me importava tanto, depois de tudo. – Ah, merde! Eu me esqueci disso! – Me apressei de volta a meu quarto, entre tropeços. Ele veio atrás de mim enquanto eu me vestia. – Não é caminho pra você passar por aqui. – Ele deu de ombros.

- Eu não sei... Você não costuma esquecer isso, mas eu quis passar... – Eu ri um pouco e, já vestido, fui para o banheiro, lavei o rosto e arrumei os cabelos. – Ei, tem uma marca de batom no seu pescoço.

- Hum? – Procurei pela marca em meu reflexo no espelho. Ele gargalhou.

- Estou brincando, idiota! – Veio para perto de mim e me deu um tapa na cabeça.

 Logo o silencio prevaleceu, e ficamos apenas ali, assim. Trocando olhares. As coisas já não eram mais como antigamente e eu não o via com muito freqüência, apesar de nosso proximidade. As coisas mudam com o tempo, os sentimentos também e, eu, melhor que ninguém sabia disso. Mas estava tudo bem, porque, ainda sim, eu gostava de vê-lo. Sempre. Animava um pouco meu dia. Talvez fosse por ele mesmo ser animado assim. Não importava. Deixei um sorriso bobo escapar, não que isso fosse intencional, foi algo mais “automático” mesmo. Ele notou, e sorriu de volta, mesmo que não o seu costumeiro sorriso de “Eu tenho trinta de dois dentes!”. Apenas um sorriso gentil, quase que cansado.

- Você mudou, Francis. – A frase surgiu no ar, pegando-me um pouco desprevenido. O notei meio cabisbaixo e voltei a sorrir.

- Eu não mudei, Espanha. – Segurei seu queixo e o puxei para perto de mim, dando-lhe um selinho delicado. – Não mudei em nada, Tonio. – Ele gargalhou mais uma vez, me abraçando. Não foi tudo que mudou, no final. Não... Não mudou tanto.

 Sorrimos e, prontos, saímos. Enquanto eu fechava a porta senti meu celular vibrar no meu bolso e o tomei em minhas mãos, lendo uma mensagem que acabou causando-me um certo arrepio. Mas cai na gargalhada em seguida.

- De quem é? – Mostrei o celular para ele, que leu a mensagem em voz alta e logo ficou emburrado.

- “Faça chuva ou faça sol não esqueça de comparecer hoje, está bem, França?” – Repetiu irritado. – Por que o Rússia...? – Dei de ombros.

- Não se incomode com ele. – Pisquei e beijei sua testa. – Allons-ý?

- Date prisa, idiota! – Voltamos a nos entreolhar e gargalhamos, começando a caminhar, dividindo o mesmo guarda chuva.