Por Acaso. escrita por Aliyah


Capítulo 5
Capítulo 5


Notas iniciais do capítulo

Desculpem a demora pra postar, e espero que gostem desse capítulo ♥



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                Acordei, sentindo-me um pouquinho melhor do que na noite anterior. Sim, eu ainda estava bastante confuso e um pouco decepcionado, mas pelo menos fisicamente eu estava bem. Tinha que me desviar de todos aqueles pensamentos ruins e me concentrar em algo diferente! Vida nova, cidade nova, casa nova, era assim que eu deveria pensar. Pra acompanhar, eu certamente precisava de um emprego novo também, certo? Agora que eu era independente, teria que fazer todo o tipo de coisa que todos fazem, inclusive trabalhar, e essa era a parte mais chata de toda a independência.

                Depois de tomar meu café da manhã e o banho matinal, fui até o guarda-roupa caçar o que vestir. Se eu iria procurar um emprego, devia vestir algo mais... Formal? Revirei os olhos e peguei uma calça preta e uma blusa social, já estava de bom tamanho. Cobri meus cabelos avermelhados com uma touca preta, ignorando algumas mechas que insistiam em sair. Quando desci até a pequena recepção do prédio, a balconista me recebeu com um sorriso preguiçoso – pelo visto eu não era o único morrendo de sono ali. Saí do prédio e fiquei andando por aí por aproximadamente vinte minutos. Como é que se procura um emprego? Você entra nas lojas e pergunta se precisam de alguém ou só sai olhando se tem algum cartaz colado em algum lugar? Ah, sim, você deve estar se perguntando se eu nunca trabalhei antes. Sim, já trabalhei, mas foi na empresa do pai de um amigo, um emprego relativamente fácil de se arrumar. Eu já estava quase desistindo quando passava em frente a uma loja de doces e vi um pequeno cartaz escrito a mão: “Procura-se vendedor com ou sem experiência”. Sério, me senti o cara mais sortudo do mundo.

– Com licença... – murmurei, entrando no lugar e olhando tudo a minha volta. As paredes eram todas brancas, mas repletas de prateleiras e armários cheios de doces e bebidas, sem contar as dezenas de quadros espalhados pelo lugar. Quem eram aquelas pessoas? Não fazia idéia. Aproximou-se do balcão cor-de-rosa da loja com um sorriso debochado, e foi quando um homem o viu e se aproximou.

– Bom dia! O que o moço vai querer? – ele perguntou, apontando os olhos negros para mim. O observei contra a minha vontade. O que aquele cara careca e cheio de tatuagens estava fazendo atrás daquele balcão cor de rosa cheio de doces? Sorri, apoiando-me no balcão.

– Vi que precisam de um novo vendedor... Bem, acabei de chegar na cidade e achei bom deixar de ser um vagabundo. – dei de ombros, deixando escapar um leve bocejo. Talvez eu devesse parece mais interessado. O careca me encarava curioso, resolvi tentar outra vez e abri meu sorriso mais simpático – Estou interessado no emprego, é isso.

                O homem apenas riu e acenou, chamando alguém que estava em algo que deveria ser a cozinha ou despensa. Ele saiu de trás do balcão e, como estava vestindo uma bermuda, pude ver que não tinha tatuagens apenas nos braços, as pernas também estavam cobertas delas.

– Então acho melhor você falar com a proprietária da loja. Sabe, eu não trabalho aqui, sou apenas o filho vagabundo e desempregado da dona. Sou Kurt. – ele estendeu a mão firme para mim, e eu retribuí o aperto de mão.

                Segundos depois de Kurt ter saído da loja – sem mal me dar chance de me despedir –, uma pequena mulher saiu da suposta cozinha. Ela era minúscula, tinha longos cabelos loiros e algumas rugas ao redor dos olhos. Provavelmente, a mãe de Kurt.

– Bom dia, meu jovem. – ela sorriu e me puxou para um abraço inesperado – O que faz aqui? Para o Kurt ter me chamado não é boa coisa. – a senhora abriu um sorriso e voltou para trás do balcão, pegando algumas rosquinhas e me oferecendo.

– Bom dia... – murmurei, um tanto tímido. Finalmente a “ansiedade pré-entrevista-de-emprego” estava surgindo – Eu vi que vocês estão precisando de um vendedor e... Bem... Vim aqui ver se sirvo para o cargo.

                A pequena senhora ficou me encarando por algum tempo, seus olhos negros – idênticos aos de Kurt – estavam fixos em mim. Depois de o que me pareceu uma eternidade de silêncio e olhares, ela saltou de trás do balcão e voltou a me abraçar, dando um beijo em cada uma das minhas bochechas.

– Mas é claro que você serve para o cargo! É incrível que alguém da sua idade queira trabalhar num lugar desses, mas tenho certeza de que você vai gostar.

                Era incrível que ela estivesse tão feliz com a minha presença. Nada de entrevistas? Nada de “aguarde meu telefonema”? Nessas horas eu começo a desconfiar das pessoas que dizem que arrumar emprego é difícil. Sorri agradecido à mulher e me encostei no balcão enquanto ela mexia em algumas gavetas.

– Sou Eileen, sua nova chefe e cozinheira geral da Eileen’s Sweet. Também sou mãe do garotinho rebelde que acabou de sair daqui e que é balconista nas horas vagas. Contando com você, somos apenas nós três, então te garanto bastante trabalho. – ela riu, pegando uma camiseta branca com o nome da loja nas costas.

– Sou Arthur, e obrigada por me deixar trabalhar aqui com tanta... Facilidade. – eu ri, tirando a touca e passando a mão sobre os cabelos. Kurt voltou à loja e riu quando Eileen me entregou o uniforme dali.

– Eu sabia que Eileen ia te deixar trabalhar aqui, ela é um anjo. – ele disse, caminhando até a cozinha.

~

                Passei os últimos dois dias trabalhando na Eileen’s Sweet, e devo dizer que era um ótimo trabalho. Eu apenas tinha que ser gentil com os clientes e lhes entregar tudo o que pedissem, tem coisa mais fácil? Kurt me ensinou algumas coisas que eu não sabia sobre doces e Eileen fazia questão de que eu experimentasse todo o tipo de doces possíveis, o que não era preciso nem pedir duas vezes.

                Se eu pensei em Chris? É claro. Me pegava pensando naquele maldito cara diversas vezes ao dia, e pensando se eu deveria ir na sua festa de aniversário. O mais lógico era que eu fosse, para entregar de uma vez por todas a guitarra que eu comprei para ele alguns anos atrás. Chris era louco para ter uma Tagima Blues, louco mesmo. Ele dizia que a guitarra era uma porcaria de se tocar, mas que o sonho dele era ter uma daquelas pendurada na parede do quarto. Assim que a banda acabou e eu vendi minha bateria, acabei comprando a maldita guitarra por impulso, esperando o dia certo para dá-lo de presente. O que mais me fazia sentido era dar-lhe naquele aniversário, então.

                Saí mais cedo da loja no dia da festa, era ótimo que eu já podia sair mais cedo no meu segundo dia de trabalho. Fui andando até o condomínio, já que era bem perto, e tomei um longo banho quando eu cheguei lá. Havia decidido que iria à festa, iria dar o presente ao Chris e seja o que Deus quiser.  Passei o meu habitual perfume – sim, eu usava o mesmo há anos – e me vesti o mais simples possível, não queria deixar visível o quão nervoso estava para tudo aquilo. Peguei meu carro com a guitarra já no porta-malas e fui dirigindo até a casa de Ana e Chris, parando por poucos minutos em um bar para uma dose encorajadora de vodka. Nessa altura, já eram sete horas da noite, provavelmente um bom horário para se chegar numa festa cheia de desconhecidos.

                Assim que parei o carro em frente à casa e desci dele, já ouvi um burburinho vindo de dentro, uma música eletrônica tocando relativamente alto e algumas vozes femininas. O portão estava aberto, então eu fui entrando direto. A porta de entrada também estava aberta. Onde estava todo mundo? Dei uma olhada rápida dentro do cômodo, mas, ao prestar atenção, percebi que as vozes vinham de trás da casa. Caminhei até lá devagar, já pensando em voltar para a segurança e conforto do meu apartamento. Antes que eu percebesse, Ana já estava vindo toda sorridente na minha direção, vestindo apenas um biquíni como todas as mulheres que estavam ali. Ela me abraçou e eu olhei para a pequena festa sobre o seu ombro.

– Caramba, que bom que você veio! Céus, estou muito feliz. Chris provavelmente está se sentindo sozinho enquanto eu e as minhas amigas nadamos.

                Ana me arrastou para perto de Christopher, me servindo uma taça de vinho. Ela parecia estar um tanto bêbada, e pela cara de Chris eu devia estar certo. Quando ele me viu, abriu um sorriso minúsculo, mas que foi o suficiente para que minhas bochechas corassem. Ignorei tudo aquilo e peguei a taça da mão de Ana, agradecendo.

– Obrigada, Ana. Mas por que só tem mulheres nessa festa? – perguntei, tomando um gole do vinho. Ana cruzou os braços sobre a barriga, fazendo bico.

– Combinamos de que eu convidaria minhas amigas e Chris os amigos dele, mas quem disse que ele convidou alguém? Eu mesma deveria ter feito a lista de convidados!

                Antes que eu pudesse responder, Ana saiu andando firme até as suas amigas, cochichando algo para elas e fazendo-as rir. Agora que a mulher estava de biquíni, eu não podia deixar de notas sua barriga. Dois bebês. Dentro daquela mulher. Dois bebês de Chris. Suspirei, dando mais um gole no vinho.

– O que te trouxe aqui? – fui surpreendido pela voz grossa de Chris, que agora estava um pouco mais amigável. Ele não parecia estar vestido para entrar na piscina, e agradeci por isso mentalmente.

– Eu não tinha muito o que fazer em casa, por que não vir fazer amizade com meus novos vizinhos? – menti, quase me dando um tapa por isso. Por que eu não contava logo que eu era o Arthur dele? Medroso.

– Você parece estar mentindo. – Chris disse, dando de ombros. Mais um gole de vinho para mim.

– E como sabe que estou mentindo? Ora, nós não nos conhecemos de algum outro lugar? – arrisquei. Por favor, me reconheça. Por favor... Chris virou o rosto para mim, me encarando com seus olhos coloridos, que instantaneamente ganharam um brilho a mais. Infelizmente, esse brilho sumiu em questão de segundos.

– Não, nós não nos conhecemos de nenhum outro lugar. Mas eu tenho uma sensação estranha sempre que fico perto de você... –ele deu um sorriso, encarando o copo de vodka na sua mão – ou talvez eu esteja bêbado.

                Minhas bochechas coraram e eu abaixei a cabeça. Aquilo foi uma decepção e tanto. Desde quando eu me importava tanto com Chris? Desde que eu percebi a burrada que fiz quando o deixei ir embora. Respirei fundo, bebendo o último gole da taça. Não sabia o que dizer, e percebi que Chris me encarava.

– Você ta um pouco vermelho. Quer ir andar um pouquinho? Tomar um ar? – olhei para ele. Essa era a minha deixa. Era agora ou nunca. Confirmei com a cabeça, já me levantando.

– Vou pegar um negócio no carro, você vem comigo?

                Chris concordou e fomos andando até o meu carro. Não conversamos muito no caminho, eu estava nervoso demais para isso. Ele me disse que mais tarde me mostraria um dos seus livros e que eu deveria me sentir especial por ter permissão para entrar no escritório dele, já que ninguém nunca havia feito isso. Parei em frente ao meu carro e Chris parou do meu lado enquanto eu abria o porta-malas.

– Na verdade, é uma coisa pra você. – murmurei, enquanto enfiava a chave ali. Chris me encarou, os olhos levemente maiores que o normal.

– Pra mim? – ele disse, um pouco alto demais. Ficou apenas observando quando eu abria o porta-malas e tirava de dentro dele uma guitarra, coberta por uma capa de couro preta. Entreguei nas suas mãos em silêncio, enquanto encarava a grama aparada abaixo de mim. Tudo, menos olhar para Chris. Minhas bochechas queimavam feito fogo. – Arthur... Arthur. – ele sussurrou, a voz rouca parecia lhe queimar a garganta ao falar meu nome.

                Arrisquei olhar para ele, e me arrependi do que fiz. Chris estava agora olhando nos meus olhos, esquecendo totalmente a guitarra que segurava. Suas sobrancelhas se arquearam e ele me olhava com tristeza. Engoli em seco, apertando os nós dos meus dedos por dentro do bolso.

– Acho que nós realmente nos conhecemos de algum lugar. – eu disse baixinho, encarando-o.

                Chris respirou fundo, fechando a capa da guitarra e colocando-a nas costas. Parou e me observou mais um pouco, dessa vez dos pés à cabeça. Ele sorriu, mas seus olhos continuavam com aquele brilho triste. Será que ele sabia que eu havia percebido? Provavelmente não.

– Eu me esforcei tanto pra te esquecer. Esquecer sua voz, seu rosto, seu beijo... – Chris respirou fundo, sorrindo enquanto dizia. Quando uma pequena chama de esperança acendeu dentro de mim, ele fez questão de apagá-la rapidamente – Acho que todo o meu esforço deu certo. Eu nunca te reconheceria.

                Engoli em seco, surpreso. Por que esse cara sempre fazia isso? Por que sempre me dizia coisas que me deixavam mal ou cheio de pensamentos infames pelo resto dos dias? Encarei-o. Tinha certeza de que ele percebia a minha tristeza enquanto se virava e caminhava para dentro da casa, apenas me chamando com um breve aceno.


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Notas finais do capítulo

Deixando aquele final de suspense só por que sou má. He 8D



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