My fair lady escrita por Reira


Capítulo 3
III


Notas iniciais do capítulo

"If I was young, I'd flee this town
I'd bury my dreams underground
As did I, we dream to die
We dream tonight..."
(Elephant gun - Beirut)



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São Paulo - 2012


Jane pôde ver sua vida passar diante de seus olhos. Todas as coisas que queria fazer... a sensação de ter a morte tão próxima é horrível. É como estar morrendo sufocado, lentamente, dentro de uma caixa apertada. Cada segundo parecia eterno... então sentiu um tranco, como se alguém a puxasse. E quando abriu os olhos, o moço estava lhe puxando pelo braço com uma certa rudeza. Ele a levou até a porta e depois de olhar em volta, e encarou com um olhar alarmado.

–- Eu não vou conseguir fazer isso. Escute, eu vou te ajudar a fugir. Mas você tem que ir embora daqui. Do país, de preferência. Você é uma pessoa de interesse, e até onde eu sei estamos lidando com gente poderosa que pode de rastrear de várias formas. Por isso, evite comprar coisas com cartão de crédito, cadastros na internet e redes sociais. – Ele simplesmente despejou essas informações sobre ela de uma só vez, o a deixou confusa e zonza em um primeiro momento. Depois de se recuperar, arregalou os olhos. Era tudo muito sério, estranho, difícil de lidar. Pessoa de interesse... já havia assistido uma série sobre isso na Warner, e ao lembrar dos vários modos de se rastrear uma pessoa, se arrepiou inteira. A diferença era que ela não era uma criminosa procurada pela polícia, então nada fazia sentido. Mas como ir embora do país ? Não tem todo esse dinheiro... ah não ser... o intercâmbio ! Se der certo... ela respirou fundo, para recuperar a voz, e disse:

–- Talvez eu vá para...

–- Shh ! – Ele colocou uma das mãos sobre a boca dela – Não me diga, não diga á ninguém para onde você vai ! Você tem um bom fôlego ? – Ela franziu o cenho, diante da estranha pergunta. Pensou um pouco antes de responder.

–- Bom, eu acho que sim, é...

–- Ótimo. Depois de te matar, eu ia ter que te levar até um terreno próximo e te enterrar. Ia te levar dentro de um saco preto. Vou te colocar lá dentro, e te arrastar até o carro, como se estivesse levando seu cadáver. Então, te levo até perto de sua casa, te dou dinheiro para o ônibus ou metrô e você volta. – Ela nem teve tempo de dizer nada. Ele foi até embaixo de cama e depois de um pouco de esforço, saiu de lá com um enorme saco preto na mão. Ajudou ela a entrar dentro e depois o amarrou. Antes de sair puxando, agachou-se aonde estava a cabeça dela e disse, baixinho:

–- Aqui em volta só temos grama, mas talvez doa um pouco ser arrastada, mas não diga nada, absolutamente nada. – Ela sussurou um “tudo bem” de volta e ele começou a puxá-la. Era extremamente desconfortável e estranho fazer papel de morta, e ás vezes cutucava. Mas ela agüentou o percurso todo, e quando sentiu ser pega no ar, talvez para ser colocada dentro do carro, ouviu outras vozes. Eles conversavam todos em inglês, mas conseguiu entender algumas coisas. Alguém perguntou onde ia levá-la e outro respondeu algo como “um campo não sei aonde”. Logo sentiu uma vibração – o moço dando partida no carro – e sentiu que começava a se movimentar. Depois de algum tempo, já quase sem agüentar o sufoco que era estar dentro daquele saco, prestes a desmaiar, percebeu que o carro havia parado. Logo viu o rosto do rapaz - um tanto desfocado devido á luz do sol atrás dele, que ardia em seu rosto e a faz fechar os olhos por alguns instantes – e logo depois percebeu que ele estava abrindo o saco com um canivete. A ajudou a sair do porta-malas e a levou até o banco de trás.

–- Fique deitada aqui pra que ninguém a veja. Vou te levar até o a estação de metrô que você desceu mais cedo. – Ela concordou e foi o caminho todo olhando para o teto, pensando em tudo que havia acontecido e até se beliscou, porque era loucura demais. Parecia até coisa de novela. Ir tomar café numa tarde qualquer e acabar sendo arrastada em um saco preto e depois deitada no banco detrás de um estranho. E ainda ser uma pessoa de interesse. Se contasse, ninguém iria acreditar. Muito menos sua mãe. Então, esconderia tudo.

Logo chegou no seu destino. Ele abriu a porta para ela e antes de ir, ela perguntou seu nome.

–- William Raymond. – Ele respondeu. E voltou para dentro do carro antes que ela pudesse perguntar qualquer coisa. Agora, recapitulando tudo, ela percebeu que ele não falava português muito bem, e tinha um sotaque carregado. Seu nome também é um pouco diferente... Ou seja, ele não é daqui. Então, talvez, a pessoa que tenha mandado matá-la não seja daqui...

Soltou um murmúrio de cansaço e desgosto por tanta confusão. Ao passar ao lado de um espelho na estação, viu seu rosto cansado, com duas olheiras profundas, e o cabelo completamente desengonçado. Quem a visse deveria pensar que é o início do apocalipse zumbi.

Mas agora estava o triplo de paranóica. Olhava a todo momento para os lados, com medo de tudo e todos. Até mesmo dentro do metrô, apesar dos risinhos de garotas estúpidas e olhares impertinentes, que queriam saber o porque dela estar naquela situação.

Quando finalmente chegou em casa, deu graças a Deus por sua mãe estar dormindo e assim não perguntar nada. Foi até seu quarto e desabou na cama. Na verdade, o que mais queria era receber um abraço de sua mãe e dizer tudo que a afligia. Mas não poderia. Depois de alguns segundos deitada, com a imagem de Jacob a olhando com aquele revólver apontado para sua cabeça, correu pegar o telefone para ligar para sua professora de inglês e ver a quantas anda seus planos para o intercâmbio.


Londres - 1887


Sebastian colocou delicamente a xícara com chá de morango á frente de Katherine, sob a mesa. Ela sorriu e provou.

–- Está bom, senhorita ?

–- Maravilhoso. – Ela depositou a xícara na mesa com delicadeza, como dita a etiqueta, e em seguida se levantou.

–- Sebastian – Ela começou, o olhando nos olhos – Você ainda se lembra de nossa infância, não se lembra ? – Ele sorriu, se perguntando o que ela pretendia com tal pergunta.

–- Claro que lembro, senh... – Ela colocou o dedo indicador sob a boca dele, que ao leve toque, sentiu arrepiar-se da cabeça aos pés.

–- Kate. – Ela disse, sorrindo, um sorriso matreiro que ele conhecia muito bem. Aquele sorriso que ela dava quando criança, quando estava tendo uma de suas ideias mirabolantes ou querendo “fazer artes”, como diziam os empregados.

–- Claro que me lembro, Kate. – Ela sorriu satisfeita e foi abrir a porta da cozinha que dava para o jardim da mansão. Iluminado pela lua, vagalumes e por algumas lamparinas de velas; era o suficiente.

–- O que pretende ? – Perguntou o mordomo. Ela se virou com um traço de dor no olhar.

–- Sabes que irei me casar em breve – Ele assentiu sentindo seu coração pesar. – E gostaria de lembrar da liberdade que sentíamos antes de ser encarcerada. – Ele sorriu e assentiu, enquanto tirava seu terno. Ao ver que o mordomo concordara, Kate sorriu e mordeu o lábio inferior, caminhando lentamente de costas em direção ao jardim. Era a expressão que fazia quando brincavam de pega pega e ele não conseguia alcançá-la. Os cachos caíam em seu rosto, dando mais mistérios aos seus olhos azuis. Azul, mar, imensidão, profundidade, mistério e beleza. E ressaca. Aqui definimos os olhos de Katherine.

Katherine disparou a correr pelo jardim, sentindo a brisa lhe tocar o rosto e brincar com seus cabelos, e ao virar-se, Sebastian ia logo atrás dela. Ela riu e voltou a correr, com ele quase alcançando.

–- Seus pés estão mais velozes ! – Ela disse, quando ele chegou perto de pegá-la. E realmente estavam. Não só seus pés, todo ele. Mais veloz, e mais esperto, e mais amando do que nunca. Quem visse, exclamaria “loucos!”; mas sorte de quem é louco assim. De quem nunca cresce. O processo de envelhecer e suas chatices é mais mental que físico. Viviam sua própria realidade, faziam seu próprio mundo. Corriam por entre as árvores, rindo, admirando as estrelas, a lua, as folhas, o vento. A liberdade de sentir, tão rara nessa sociedade de aparências. Naquele mundo, não existiam regras de etiqueta, nem formalidades, nem obrigações. Apenas os dois e o mundo.

Os braços fortes de Sebastian alcançaram Kate. Ao sentir-se nos braços do mordomo, sentiu-se corar e arrepiar-se. Que sensação era aquela ? O coração batia tão forte que era capaz de saltar do peito. Kate se desvencilhou dele, não se dando por vencida, e o encarou.

–- Devo admitir que correste bem melhor que anos atrás. – Ele sorriu e se curvou diante dela, estendendo-lhe a mão, gesto feito para convidar uma dama para dançar. Ao ver isso, ela riu.

–- Não temos música !

–- De que importa ? – Ele a puxou e saíram dançando no meio do jardim. Deixe-me dizer que dançavam melhor do que muitos dançarinos dos bailes que ela freqüentava, porque tinham a liberdade de dançar como queriam, com o melhor salão de danças que se pode ter. Kate ria enquanto ela levada por Sebastian, e ele sorria ao ver o riso dela, tão gostoso, tão estridente, tão doce, riso que ela tinha de segurar na corte por ser alto demais. Em sociedade, limita-se a dar um risinho. Quando ela se soltou dele, saiu a girar em volta do mordomo, o provocando com seu sorriso, que dessa vez carregava certa malícia. Jogo perigoso esse que se envolviam. Mas como perceber ? Sebastian estava completamente enlaçado por aquela menina mulher que girava em torno dele, toda ela se movimentando suavemente, o vestido girando, os cabelos se movimentando e cobrindo para de seu rosto, dando-lhe certo ar de cigana. Ela se aproximou do rosto enfeitiçado do mordomo e sorriu, deixando-o sem ar. Pobre mordomo. Quando chegara próximo aos lábios dele, riu e sussurrou.

–- Siga-me. – E disparou a correr novamente. Dessa vez, até a saída secreta que descobriram no muro da mansão, onde dava a trilha que chegava aos escombros da velha mansão. Ao chegarem lá, tudo estava como haviam deixado. Os muros continuavam com os riscos de giz e os desenhos, e alguns pedaços de giz ainda estavam espalhados pelo chão. Isso porque Kate nunca deixou de visitar o lugar, mesmo que escondida e sozinha. Nem Sebastian. Um completava o desenho do outro, o que, de certa maneira, fazia-os se sentirem próximos como já foram um dia e estão sendo nesse momento. Kate pegou um dos gizes do chão e começou a desenhar em um muro ainda limpo. Sebastian foi até o lado dela e desenharam juntos. Seus sonhos. Desenharam uma bela paisagem com ambos correndo sobre ela. Quando terminaram, se entreolharam e Kate, corada, se levantou. Foi andando e olhando todos os desenhos, relembrando cada momento. Até que Sebastian disse.

–- Me deixe vê-la. – Ela estava de costas para ele, virou-se. E Sebastian viu seu amor, seu sonho, iluminada pela lua enorme que imperava no céu. Os olhos... retórica dos namorados, deixe-me dizer o que foram aqueles olhos de Katherine...

Não, não irei plagiar nenhuma história. Parei por aqui.

Aqueles olhos que brilhavam como safiras, que ameaçavam puxá-lo para dentro de tal forma que fosse impossível retornar. Os cabelos ao vento, a simplicidade de seu vestido, ela tão perto de si, tão livre e solta. E ela, vendo seu querido mordomo, seus braços fortes nos quais sonhou estar durante tanto tempo, seus olhos de café com leite, cor de mel, que a faziam sentir uma sensação tão estranha e nova, um calor e um frio, indefinível. Ficaram ali se encarando, tentando entender o que estava acontecendo. Será a alegria do amor correspondido ? Essa coisa tão mágica, rara e bonita ? A pele, aquela pele branca de Kate que Sebastian sonhou tocar durante tanto tempo. Ele se aproximou devagar, como se qualquer movimento brusco pudesse afastá-la. E ao chegar perto, tocou-lhe suavemente o rosto, afastando os cachos de seu rosto. Ela fechou os olhos, deliciando-se com a sensação. Aonde ele havia tocado queimava, ardia, e sentia uma sensação estranha no estômago... pareciam borboletas alçando vôo. E ironicamente, uma borboleta azul passou e pousou sob o ombro dela. Sebastian viu a beleza daquele ser tão pequeno e delicado, e tão belo, parecia ser a comparação perfeita para Katherine.

Não disseram uma única palavra. Não eram necessárias. Ela tocou os braços dele, sentindo as formas tão perfeitas, e sentindo o perfume, aquele perfume forte dele, que contrastava com seu perfume suave. Abriu os olhos e olharam-se. Como se os olhos dissessem tudo que precisava ser dito. Conhecendo-se e desvendando-se. Ele beijou sua testa e ela sentiu tremer todo seu corpo. Em seguida sua bochecha corada, e em seguida, seu lábios.

Esta parte é digna de um parágrafo único, pois Katherine sentiu-se tão leve, e ao mesmo tempo tão pesada, que teve de se segurar no mordomo para não cair. Se sentiam completos. Naquele instante, tudo fez tanto sentido... tudo tão óbvio ! Ela colocou as mãos no rosto dele e aprofundaram o beijo. Como descrever uma coisa tão bonita, tão única e misteriosa ? As sensações de ambos eram tão abstratas e confusas e mutáveis, que não tenho palavras ! Resta usar a imaginação, leitor.

Os braços de Sebastian a seguravam firmemente pela cintura, o que a fez se sentir segura como nunca antes. Era como se tivesse encontrado seu lugar no mundo. Um lugar só seu.

Mas tudo que é belo acaba. E sem fôlego, se separaram, e se olharam sem palavras. Ambos surpresos e encantados com tudo que acontecera.

–- Eu devo ir – Disse Katherine, olhando para o chão. Soltou-se do mordomo, e, antes de ir, olhou para ele uma última vez. Aqueles olhos, aqueles lábios perfeitos, a manga dobrada de sua camisa que o deixava tão charmoso. O jeito como ele movia os lábios ao falar e ao sorrir, e o jeito que juntava as sobrancelhas quando estava concentrado. As várias expressões e gestos tão bonitos que o faziam. Lembrou-se de todos naquele momento, assim como ele lembrou-se dos dela. Apreciavam cada detalhe um do outro, inclusive a beleza mais serena e essencial, a beleza que vinha de dentro, que se revelava nos traços já belos de cada um. A beleza que é capaz de transparecer o físico e iluminar alguém. Ou apagar. Não há amor sem beleza. E que sorte daqueles que sabem de qual beleza me refiro.

Relutante e com o coração pesado, ela virou-se e disparou a correr de volta para a mansão, mas desta vez, sem ser seguida por ele.



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Notas finais do capítulo

Espero que gostem *-* Mereço reviews ?



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