A moda era cabelo curto. O meu era comprido. Engoli em seco. Sozinha naquela sala escura eu vi quem eu realmente era. Uma quebra do paradigma. Uma coisa que a sociedade não aceita e por isso estou aqui.

            Peguei a faca e cortei meu cabelo. Ótimo. Agora a sociedade iria me aceitar com o meu cabelo curto acima do ombro.

            Olhei para as coisas na minha frente. Todos os meus objetos. Toda a minha vida. Fora do paradigma da sociedade. Por que sociedade? Por que impôs esses paradigmas que temos que aceitar para sermos felizes e comunicativos? Por que eu não posso ser feliz com o meu cabelo colorido? Com ele comprido até a cintura? Por que não posso ouvir música antiga e rock sem ser criticada? Por que não posso ler o que eu quiser sem ser julgada?

            Ah sociedade... Você me enoja. Peguei a tinta e, deixando o pincel preto, desenhei a estrela de cinco pontas, dentro do círculo. Quem sabe isso assustasse a sociedade? Joguei meus cabelos verdes ali dentro.

            Ah paradigma... Por que existe? Por que desde a antiguidade temos que te aturar e conviver de acordo com as suas regras?

            Quer saber? Cansei.

            A sociedade não quer alguém com opinião definida; nem com personalidade forte; estilo diferente; cabelo diferente e gosto diferente. A sociedade quer alguém dentro do seu paradigma para que ela possa controlar como bem entender. Para que a economia suba sem problemas. Mas então... Eu sou uma ninguém.

            A sociedade me despreza. Eu a desprezo. Nosso sentimento é recíproco.

            Olhei para a faca, suja de cabelo verde. Sem pensar duas vezes a peguei e sujei de vermelho. O vermelho aumentava, nunca parava, não estancava. Perfeito. Chupa essa sociedade.

            Olhei para o vermelho na minha pele. Havia coisa mais linda do que aquilo? Para mim não. Aquilo era o ápice. Fechei os olhos. Nada doía, nada se sentia.

            Eu conseguia ver as pessoas entrando aqui desesperadas, vendo se eu estava viva ou morta. Mas logo depois... Depois de constatarem que eu os deixei, eles me levariam e me enterrariam. Como mais uma. E então, eu seria esquecida. Eu seria apenas mais uma que se foi dentre milhares desconhecidos.

            Foda-se sociedade.

            Com o pincel sujo de preto, molhei-o no vermelho e, acima do pentágono, escrevi “Paradigma” e um risco em cima.

            Meu corpo estava indo e nada podia ser mais satisfatório para mim do que aquilo. Deitei no chão e olhei para o teto com um pôster de um anime. Sorri e fechei os olhos, esperando a Morte me levar e me afastar dessa sociedade e seus paradigmas.