Steampunk escrita por americangods


Capítulo 1
Ela, ele, e o Grande Frank




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Ela, ele, e o Grande Frank


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Ele disse que ia ter fogos de artifício. Repassou as palavras em sua mente, quase sendo capaz de relembrar o momento e ouvir a voz daquele que as pronunciou. Jogou o peso do corpo todo sobre o parapeito. Não havia com que se preocupar, aquela madeira ja devia ter aguentado pessoas com o dobro, ou até o triplo de seu peso. E também ela era a única se apoiando ali. Bom, nada impede que esse pessoal todo faça o mesmo daqui a pouco, pensou ao olhar para trás. As pessoas seguiam com suas vidinhas comuns no Cantona Square. Homens engravatados caminhando com suas esposas, crianças correndo de lojas de doces para lojas de brinquedo e vice-versa, carruagens ou automóveis conduzindo senhoras ricas e elegantes, os saudosos mendigos e bêbados importunando as jovens, criando arruaças e sendo enquadrados pela Guarda da República.

Enfim, um dia comum.

Um belo dia comum. Melhor, pensou ela: um belo entardecer. Seus dedos poderiam servir para contar a quantidade de vezes que parou para ver um entardecer, mas jamais tiveram o prazer de servir à conta dos amanheceres. Apesar de sua função exigir que ficasse acordada até tarde, nunca fez questão de olhar pela janela ou sair para dar uma volta e assistir o espetáculo do sol nascente. Preferia a luz forte e tremida das caixas de madeira que trocavam informações com o mundo inteiro.

Por outro lado, conseguiu pegar algumas vezes o sol se pondo. Mas nunca lhe foi nada marcante, tanto é que não conseguia sequer lembrar-se das ocasiões que o presenciou. Apenas que o fez, que esteve lá.

Não devia ser nada de importante afinal, formaram-se essas palavras em sua cabeça.

Só que este era um dia diferente. A garota fazia questão de ficar atenta a cada segundo que passava. Uma pena ela não ter um relógio nos pulsos só para acompanhar o giro do ponteiro, minuto a minuto. Perdera o seu há alguns dias atrás em uma das missões que participou. Até pensou em comprar um daqueles novíssimos relógios eletrônicos, infelizmente achava grandes demais para seu pulso. Além de caros. Então se quisesse acompanhar algum ponteiro, teria de dirigir sua atenção para o centro de Cantona Square, onde fora erguido um gigantesco prédio de 80 andares, 15 desses apenas destinados a um grande relógio que poderia ser visto de qualquer lado da cidade: norte, sul, leste ou oeste – esse lhe chamara a atenção por estar poucos segundos atrasados em relação aos demais. Um erro imperdoável para a majestade daquele relógio. Grande Frank, o cartão postal e símbolo daquela cidade.

Ouviu sirenes. Lá embaixo, nas ruas pequenas e movimentadas de Cantona, lotadas de muitas pessoas, poucas carruagens e raríssimos automóveis. A multidão começava a ser tocada, pessoas se espremiam nos cantos das ruas, carros saiam da pista e cavalos invadiam as calçadas. Soldados armados com mosquetes-de-repetição e longas Zhens chinesas abriam passagem apressados, dirigindo-se ao prédio mais alto daquela cidade. Tiros também passaram a ser ouvidos, e uma pequena grupo de pessoas se juntava à garota no parapeito do parque suspenso. Janelas do Grande Frank começavam a ser quebradas pelos tiros ou pelas próprias armas que os atiravam, jogadas com força contra as janelas.

Olhos se arregalavam, bocas se abriam, rostos se cobriam ao lado dela. Hipóteses, suposições e devaneios começavam a se formar perto da garota. Ouviu duas delas que estavam corretas sobre o que acontecia, e sorriu quando isso aconteceu. Ninguém pode ver os lábios arqueados dela, que encostada no parapeito, o queixo descansando o rosto sobre os dois braços cruzados.

Ela suspirou quando seus olhos avistaram ao longo dos céus as máquinas voadoras cercando o gigantesco relógio. Os cascos de madeira, as asas batendo e o balão zepellin miniatura amarrado à cordas. Eles se aproximavam e pessoas armadas pulavam do Frank às aeronaves. Então elas ligavam as hélices e sumiam nas nuvens. Lá embaixo, a Guarda da República, incapaz de subir no prédio devido à multidão que dali saia, ficava sem outra opção senão mirar para os céus e atirar nas aeronaves.

Foram quatro dirigíveis que surgiram e sumiram nos céus e cerca de duas dezenas de homens que pularam do Grande Frank até eles. Foram os responsáveis por causar aquele tumulto, e algo que ainda viria a acontecer. A garota finalmente tranqüilizou-se, quando pode contar os exatos 19 integrantes chegando aos Zips e depois desaparecendo.

Uma mão tocou um de seus ombros, e quando ela se virou viu apenas um braço surgindo do meio da multidão. O rosto do dono dele logo apareceu. Era alguém na casa dos quarenta anos, um bigode de respeito e uma barba espessa. Os cabelos não existiam, cedendo lugar à uma careca brilhante e lisa. Uma grande cicatriz sobre o olho direito que mal podia se manter aberto. Uma íris esbranquiçada nesse lado, e no outro, o azul com qual nasceu e cresceu. O sorriso quase sumia no rosto dele devido ao bigode.

Estava impecável, nenhuma poeira em seu sobretudo e a camisa apenas desarrumada, mas sem qualquer buraco de bala ou ferimento. Logo que a garota viu o perfeito estado em que o homem se encontrava, permitiu-se um sorriso ainda maior aparecer em seu rosto. Aliviada e feliz, pulou nos braços dele e o abraçou com tanta força quanto qualquer outro abraço que jamais dera.

Um grande barulho pode ser ouvido. Era seco, agressivo e se expandiu como uma reação química fruto de ingredientes demasiadamente voláteis. Um clarão cobriu os céus, cegando por uma fração de segundo todos aqueles que ousaram olhar para ele. Chegou a refletir no cabelo claro da moça, que abraçada com seu pai, recebeu com extrema alegria as palavras dele.

-Eu não te disse que teria fogos de artifício?

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Notas do autor: esse foi meu primeiro escrito ambientado em um mundo steampunk, e data de aproximadamente dois anos atrás. Eu só completei ele com o que me lembrava que seria o plot e postei aqui. Não ficou tão descretivo quanto o resto de minhas histórias, alias, longe disso hehe. Mas está ai, de qualquer forma =)

 


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