The Path escrita por Scarlet


Capítulo 2
Dança.




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“Suas sombras secretas lhe atormentavam dia após dia, preenchendo sua cabeça de pensamentos escuros, banhados num tom azul nas horas em que estava só. Durante o dia ela era a mulher forte que mandava e desmandava, mas a noite ela era somente um coração quebrado que clamava por uma cura que nunca viria. Uma paz que nunca alcançaria. Ela transbordava de amor. E por causa disso ela se estilhaçara.”

Deslizou suavemente para fora dos lençóis. Não conseguia pregar os olhos nem mesmo por um segundo, estando com a cabeça cheia demais para isso. Suspirou baixinho e caminhou descalça e silenciosamente pelo quarto, alcançando a porta e abrindo-a delicadamente. Avançou corredor adentro, passando pelas portas fechadas que eram os quartos de suas companheiras até finalmente alcançar a parte de trás do prédio, saindo para a noite fresca.

Respirou fundo o ar frio que soprava, permanecendo parada na porta que dava para o jardim por vários minutos antes de voltar a caminhar, sentindo a superfície áspera do chão de pedra gelada. Havia certo consolo naquilo. A sensação fria que se espalhava pelo seu corpo a cada passo trazia uma espécie de paz que ela não sabia explicar. Amenizava sua dor. Sua tão afamada dor.

A luz prateada e suave da lua cheia iluminava praticamente todo o lugar quando ela se sentou à beira da fonte, examinando seu reflexo na água parada. O cabelo ruivo caía solto ao seu redor, emoldurando o rosto de traços finos. Grandes olhos castanhos lhe olhavam de volta, refletindo toda a confusão e desespero que a preenchiam naquele momento.

Ela procurava por uma razão. Uma razão para o tempo tê-la passado para trás. Tê-los passado para trás, abandonando-os à sua própria sorte e tirando de sua vida seu tom de azul. O tom pelo qual tanto ansiava. O tom que lhe roubava os pensamentos e as noites de sono. O tom que lhe roubava seus sorrisos.

Cruzava noites adentro perdida em caminhos escuros e profundos, se perguntando o porquê de toda aquela melancolia que assombrava seu coração e seus pensamentos. Tentava esquecer, tentava deixar para trás, mas tudo era muito mais forte que ela.

No início apenas desejara desesperadamente ser a fortaleza que aparentava ser. Desejara se tornar aquela que não se importava. Desejara dezenas de vezes não ser aquela mulher quebrada que lhe mirava do espelho todas as noites. Derramara incontáveis lágrimas pedindo, por favor, para que tudo passasse. Implorando para que seu coração lhe fosse devolvido.

Agora simplesmente se perguntava por que as coisas não davam certo. Por que, pelo menos uma vez na sua vida, tudo não podia se encaixar no lugar. As peças de sua vida estavam todas espalhadas ao vento, sem se encontrarem, sem se completarem. E a mais importante delas estava perdida em suas próprias sombras, em sua própria dor regada por seus pecados.

E ela nada podia fazer. Aquela mancha azul que existia em seu coração não podia ser ajudada. Ela não podia simplesmente puxá-lo e levá-lo consigo, embora fosse o que mais desejava. Embora fugir, fugir para longe com o único que lhe importava fosse um sonho que tantas vezes acalentara.

Desviou o olhar da fonte e observou tristemente o jardim ao seu redor até se deparar com o pequeno canteiro de flores azuis. Caminhou até ele e tirou uma pequena flor de seu arbusto, trazendo-a para mais perto do rosto e tocando as pétalas com a ponta do nariz. Seu perfume era singelo. Fechou os olhos por poucos segundos enquanto deixava aquela fragrância tomar conta de si e se perguntava se o azul dos fios dele também teria o mesmo perfume.

Prendeu a flor cuidadosamente atrás da orelha e num flash de luz usou sua magia, reequipando, trocando a camisola por um longo vestido branco que lhe caía um pouco abaixo dos joelhos, e passando a carregar uma espada em cada mão. Abriu os olhos novamente e girou o corpo graciosamente, fazendo as lâminas dançarem com o movimento dos braços. Parou por poucos segundos e então deu um passo à frente, dando início a um balé que jamais fora visto por ninguém.

Movia o corpo numa graciosidade estonteante, cada passo sendo executado perfeitamente. Os braços iam em movimentos ora lentos, ora rápidos, acompanhados pelos pés que mantinham o corpo da maga em um ritmo suave. O vestido se revolvia ao seu redor, se enchendo de ar ou se colando ao seu corpo a cada passo, aparentando água correndo, e o cabelo escarlate ora levado pelo vento, ora levado pelos movimentos caía graciosamente ao redor do rosto da ruiva. Ali era apenas ela, seus pensamentos e a luz da lua que se refletia em suas espadas e no vestido branco, lhe dando um ar quase sobrenatural.

Aquilo era um escape para ela. Cada passo havia sido inventado pela maga, sendo acrescentado algo mais a cada noite que passava naquele lugar tendo somente as estrelas acima de si como sua companhia. Nunca mostrara aquilo a ninguém. Nunca deixara que a vissem enquanto dançava levada apenas pelos seus sentimentos e sua paixão, num misto de emoções que moldavam seus passos, tornando sua dança algo que nem a mais talentosa bailarina russa poderia igualar. Seus movimentos fluíam de maneira natural, e qualquer um que a visse ali, naquele momento, acharia estar sonhando.

E quando finalmente parou, tinha um pé à frente do outro e os braços abaixados, o cabelo levemente bagunçado caindo por sobre seus ombros até a cintura e contrastando com o vestido claro, os olhos fechados enquanto sua respiração se normalizava. Pouco tempo depois finalmente abriu os olhos e os ergueu para ver à sua frente.

Ironicamente, ela pensou que estava sonhando.


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Notas finais do capítulo

Comentários? É triste escrever quando ninguém parece dar importância.