Aurora escrita por Rafaella Dovhepoly


Capítulo 18
Capítulo 17 - Alice


Notas iniciais do capítulo

Trilha sonora: Lana del Rey - Ride
Lana del Rey - Carmen
Lana del Rey - Dark Paradise
Lana del Rey - Summertime Sadness
Lana del Rey - Cola
Lana del Rey - Oh say can you see
Lana del Rey - Burning Desire
Done all wrong - Black Rebel Motocycle Club
Arcade Fire - My body is a cage
Bon Iver - Flume
Linkin Park - Crawling
Aqualung ft lucy schwartz - cold



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Felipe arrastava Phixxon e eu Lauren.  A casa na árvore estava sob nossas cabeças e logo eu a subi com muita pressa, quase caindo umas duas vezes. Quando consegui subir tudo, agarrei uma bolsa que estava jogada ao lado da porta – a qual eu sempre deixava ali – e peguei todas as poucas roupas presentes no armário, num closet próprio da casa, que era pequeno e cheio de teias de aranha, mas muito útil.

Flanelas, bermudas masculinas, umas duas jeans femininas velhas, camisetas do Metallica velhas e desbotadas que me serviam de vestido, um coturno, outra mochila que servia para levar no avião e algumas regatas, além é claro do cheiro inconfundível pertencente ao mesmo corpo que pairava atrás de mim, encarando os mesmo objetos que eu.

- Você não mudou a nossa casa em nada. – Sussurrou Felipe.

Eu virei em direção a ele, desconfiada.

- Esta não é nossa casa, é minha. Você nunca entrou aqui. Nunca soube que isso existiu.

- A maioria das roupas aqui são minhas, embora tenham o seu cheiro nelas. – Seu tom de voz era bem baixo.

- Por que eu as trouxe aqui. Eu trouxe tudo o que... – Restou de nós.

- Eu a segui algumas vezes, enquanto ainda era humano.  Eu quem te dei de presente o pufe e trouxe a maioria dos seus livros preferidos. Queria que o lugar além de ter mais a sua cara fosse confortável para suas fugas repentinas, Alice.

Eu abri a minha boca, iria dizer milhares de palavras horrendas e endiabradas pelo meu estado de espírito assustado e em sensação de perigo, aquela que sentimos quando fugimos, me seguir, claro que ideia ótima. Ter a notícia de que agora o meu lugar intimamente secreto, já era público; Virei-me e segui para pegar meus documentos o mais rápido que pude passaporte, identidade, o visto falsificado para menores estaria com Felipe, assim como os documentos de Lauren, que estava lá em baixo, consolando a Phixxon e a si mesma.

- Alice?

Eu congelei. Foi como um tiro em meu cérebro, os neurônios morreram e os olhos perderam o brilho. Os dedos dos pés cerraram-se em tensão. Virei-me e encontrei não o par de olhos prata, mas o castanho cuja moldura era escura – olheiras profundas e escuras entupidas de preocupação, Deus como ele estava horrível.

Murilo me abraçou intensamente, suspirando feliz, eu supus.

- O pior castigo que tive foi ter achado que te perdi por uma briga boba... Ah... – Sua mão extremamente trêmula alisou meus cabelos. – Você está ruiva de novo. -Uma bomba de pressão esmagou meu peito, eu me senti pequena e gradativamente fui encurtando. Minha garganta vacilou e começou a doer, a respiração era trêmula. Eu o abracei de volta e ele me apertou, fungando demoradamente, a mão direita encaixava totalmente sobre o meu pescoço, dando a sensação de que ele poderia me matar a qualquer instante. O polegar roçou em minha nuca, passando sobre o fecho do colar que me dera dias antes de brigarmos e nos distanciarmos tempo o suficiente para que ele desabasse não só por sentir-se responsável em relação ao meu sumiço.  Sua cabeça levantou e, sem que seu outro braço desgrudasse um centímetro de minha cintura, seus olhos grudaram nos meus e o rosto chegou perto o suficiente para que ele pudesse me beijar. Murilo apenas me observou por um bom tempo, os olhos fracos, aparentavam até a ter seu movimento mais falho e demorado. Não sabia que algum tipo de dor emocional pudesse acabar com ele dessa maneira.

Seu polegar massageando minha nuca obrigou-me a fechar os olhos, a fazer com que o ar de meus pulmões fugisse e meu diafragma encolhesse.

- Podemos voltar para casa agora? – Ele sussurrou visivelmente sentido, alimentando-se apenas da esperança que tinha. - Eu prometo que não brigaremos mais, será tudo bem melhor Lice. Eu vou ser menos idiota, eu...

Meus olhos abriram-se perdidos dos seus, lagrimosos, para minha infelicidade. O que eu havia feito, afinal?

-Pronta Lice? – Felipe perguntou.

O ar entrou rapidamente em meu corpo de novo, minhas mãos abriram-se como se o corpo de Murilo e elas possuíssem uma ligação, então Murilo voou no pescoço de Felipe, as presas trincadas e visivelmente fracas, pude concluir que durante o tempo que não nos vimos, sua abstinência fora tão grande – e Deus, tão dramaticamente dolorida – que o vampiro passara a  beber sangue humano, com isso a abstinência passara agora para a sede. O que quero dizer, é que ele passou muito tempo se se alimentar e com isso, ficou fraco fisicamente. Felipe não continha nenhuma emoção ruim aparente por fora, percebeu que um chute dele provocaria o maior estrago em Murilo e apenas o encarou pensativo.

- O que você fez seu vagabundo? O que fez com ela? – Murilo balançou Felipe. Este não abriu a boca, começando a ficar irritado.

- Ele salvou nossas vidas, Murilo! Não o mate! – Eu disse. Então Murilo parou, os olhos em Felipe, mas não prestando a devida atenção neles.

- Foi o que a garota disse... Lommer.

- Nossas? – Jared falou, saltando do teto. Ele não estava com uma cara muito boa também, mas não estava pior que Murilo.

- Sim – olhei para o chão. – Lauren está lá embaixo...  – Ele deu um passo para frente, decidido a ir atrás dela, pensei. - Com Phixxon. – Ele ficou tenso. O maxilar de Jared endureceu e seus punhos tremiam fechados. Os encarei, postura de cemitério por fora, mas de tempestade por dentro.

- Pra onde vocês estão indo Alice? – Murilo perguntou, não agarrava mais o pescoço de Felipe.

- Pra longe. – Murmurei.

- Por quê? – Sua voz parecia a de uma criança doente, substituindo as futuras tosses por um movimento de seu pomo de adão, para cima e depois voltando.

- O filho de Alpha está... morto. E ele quer vingança. – Respondi. Felipe estava ao meu lado, Murilo o observava como um felino macho, pronto para atacar.

- Vocês mataram Teseu Leonard? – Jared falou sobressaltado.

- Os próprios guardas de segurança o fizeram. – murmurei mais baixo ainda. – Não acreditaram o filho estava realmente conosco e atiraram.

- Eles estão atrás de nós agora, e não temos muito tempo. – Felipe disse. Senti a pressa voltar a assolar minha mente, meus dedos rasparam-se uns nos outros e meu maxilar estava rígido.

Murilo parecia um zumbi.

- Nós temos que ir. – Peguei a mala com roupas. Fui até a porta, virei e olhei Murilo mais uma vez ante s de ir. Meus lábios abriram-se mais uma vez, temerosos, a garganta gritou e os nervos arderam, por todo o corpo, intensa era a ardência na ponta dos dedos. Um “sinto muito” ordinário e mal feito foi o que meus lábios tentaram formar antes de sair. Os olhos chocolate, tão sem vida quanto os meus depois das maiores decepções que passei. Perdidos, incompreendidos como os de uma criança. Um “por quê?” esvaindo-se deles, dolorido, confuso. Milhares de lágrimas pareciam ter caído dali caso existissem, trazendo-me agora mais culpa e ardência nos músculos, nas entranhas. Eu desci dali, acabada mais uma vez por dentro, sem um pedaço do que pude ter tido, mas fui tão burra e medrosa para admitir que sentia algo e acabei perdendo tudo. Arrecadando apenas maus sentimentos não só íntimos e pessoais, mas alheios e esses, me apedrejavam o tempo todo. Lembranças de meus erros apareciam em minha mente e me perturbavam, mas esse, ver o par de olhos castanhos daquele jeito, me atormentaria pelo resto dos dias, ajudando-me a recordar o monstro com todos os pecados lastimáveis que eu era.

Não olhei para trás, meu sentimento de dor egoísta falava mais alto. Andei a mata até a rua, sentindo-me podre, a maçã que desceu Eva e Adão do Paraíso. Caminhando pelo meio fio, meus passos engoliam minhas pernas, minha respiração não encontrava um bom ritmo entre a minha velocidade e o ar que os soluços de choro faziam entrar. Conforme as lágrimas iam caindo, ferozmente eu passava as costas das mãos sobre seu rastro, lutando ainda contra a rajada de vento frio em minha pele. Alguma mão gélida segurou meu braço, mas eu não quis virar, apenas virei e mordi a boca forçando as pálpebras.

- Irão todos, então. – Jared murmurou para mim. – Eu não deixarei Lauren, tenho certeza de que Murilo não deixará você.

- Eu quero um carro, então e Lauren irá comigo. – Murmurei.

Ele assentiu. Num segundo senti-me como nos velhos tempos.

- Jarey? – chamei-o. Ele me olhou, um pouco duro ainda, como se fosse apenas um robô a obedecer ordens. – Desculpe por partir seu coração ao meio.

- Isso aconteceu há muito tempo, Alice...

- E eu ainda não havia me desculpado contigo.

- Típico seu, chefe. – Ele sorriu de leve. Meus lábios levantaram-se milímetros tentando formar um sorriso, logo desistiram. – Espere aqui por Lauren, vou chamar os outros também e compartilhar a decisão que tomou. Seu carro virá em poucos minutos, Sally me deve um presente.

Ele se foi. Um vulto entrando na floresta, alguns pássaros voaram gritando, as folhas das árvores com aquele seu casual ruído de quebra. Era possível ouvir do meio fio referente à rua deserta, o som das folhas secas quebrando-se ao meio com pisadas não tão fortes. Pessoas caminhando em minha direção não tão calmamente. Gosto desse barulho, folhas secas despedaçando-se, ou de quando você está prestes a dormir no silêncio, mas percebe que o silêncio na verdade foi invadido por latidos estridentes de cães, ruas de distância. Percebe que não está sozinha, de certa forma, no mundo. É reconfortante.

Lauren de repente apareceu entre a mata verde, perturbada, eu diria. Murilo resolveu perguntar novamente:

- Para onde estamos indo, afinal? – Ele parecia um pouco melhor após ter me visto e sabido da última notícia de Jared. Ele acompanhava Lauren, apenas, já que Phix, Felipe e Jared foram buscar os carros.

- França. – respondi sem olhá-lo. Fitando as folhas ao chão estiradas e frágeis.

- São cerca de dez horas daqui até a cidade com um aeroporto mais próxima.

- Sim. Por isso usaremos os carros. – Respondi novamente a Murilo.

- Então... Vamos todos? – Lauren disse.

- Sim. – Murilo respondeu juntamente a mim.

Os carros chegaram. Eram três BMW’s pretas, novas e lustradas. Não houveram beijos ou abraços, apenas a minha falsa pressa de dirigir, que na verdade era apenas a vontade de entrar no carro e desabar. Puxei Lauren em direção a primeira, e quando entramos, tranquei o carro por dentro, ligando-o e dirigindo em seguida pela estrada vazia, envolta pela floresta calma e verde da região. Não passei dos 120KM, mas não saía dos 90KM. Estávamos com pressa e eu sabia muito bem que não haveria perigo dirigindo assim por enquanto. Outras duas BMW’s estavam em nossa cola, como se andássemos devagar, mas na verdade estavam nos escoltando. Supus que a de trás seria a de Felipe juntamente a Phixxon, já que o cabelo do motorista parecia estar um pouco mais espetado igualmente o de Felipe.

- Alice...? – Lauren perguntou num tom bem baixo

- Sim?

- Você está bem?

Mordi o lábio e engoli em seco, procurando prestar ainda atenção na estrada.

Assimilei rapidamente, respondendo-a antes que o silêncio deixasse-a encontrar a resposta por si mesma.

- Sim, e você?

Houve um bom tempo de espera. O motor do carro rugia levemente enquanto alguns Outdoors passavam por nós como rabiscos e alguns pontos brancos com manchas pretas apareciam aleatoriamente pela grande área verde. Seriam vacas e alguns cavalos, pelo o que pude ver.

- Sabe... Eu reconheço muitas das vezes que você mente, mas procuro não teimar sobre isso.

Fitei-a por três segundos rápidos. Não respondi.

Os minutos foram passando em silêncio e Lauren olhava – quando eu roubava alguns milésimos de segundos de minha atenção sobre a direção – atentamente para frente, pra estrada reta que parecia nunca ter um fim, vezes envolta por alguns morros floridos, outras por algumas árvores e pontos de venda abandonados. Meus dedos tamborilavam o volante, tornavam-se mudos, minha garganta ardia e cedia, o carro de trás distanciava poucos centímetros e depois voltava, eu suspirava e depois prendia o ar.

-O que é uma Glock, Lice? – Finalmente Lauren quebrara o silêncio.

Deixei que o ar entrasse lentamente e permiti-me ter o poder de senti-lo em meu esôfago antes de sair alguma voz por minha boca.

- É uma arma cuja a bala foi adaptada para a Glock ou, melhor, os vampiros criaram uma Glock TRP - (tiro de repetição rápida)- especialmente pras balas de pedra-do-sol... - Ela assentiu e olhou para a janela ao seu lado. Abri um pouco do vidro ao meu lado e acendi um cigarro, dirigindo além e mais além. O ar frio penetrou sobre a parte interna do carro e me provocou arrepios. Daqueles que remexem seus nervos e os deixam desordenados, de tão fortes. Depois de muito tempo me segurando, passei a chorar.

Chorei como uma bebê de 3 anos em silêncio, mordendo a boca para não sair esgoelando ao vento as minhas tristezas e acordar Lauren. Chorei por ter visto Murilo mal daquele jeito, Deus, os olhos, o que eram eles? Parecia que o que os deixava movimentar-se eram correntes, não vontade. Ele matou alguém, chegou ao ponto de querer ter outro vício, outra preocupação com si mesmo. Ele chegou a preferir viciar-se com sangue humano do que continuar a sentir minha falta. Fez a mesma coisa que eu fiz e percebera como eu que novos vícios homicidas não tomavam conta da feroz saudade, do vazio que fica quando alguém que você tanto ama parte. Mas eu ainda via amor nele, via sentimentos humanos e bons. Ele não tinha se estragado por inteiro, mesmo que esse tenha se tornado seu principal objetivo.

Mas ele sofreu, sentiu a dor que eu senti, e só de saber isso, a cratera criada em meu peito queimou, a garganta doía como o Diabo. Brigamos, brigamos feio naquela noite e ele carregou totalmente a responsabilidade de que meu sumiço fora culpa dele. Mas na verdade a minha teimosia fora a causadora de todos esses males. De trazer Lauren a todo esse perigo enjoativo, essa adrenalina perversa. Agora ao meu lado estava ela, dormindo tranquila, mas no fundo tinha certo arrependimento, eu tinha um grande arrependimento. O quão segura ela podia estar nesse exato momento se estivesse na casa de seus pais?

Bati no volante com raiva. Se ela não fosse naquela bendita festa quando eu mandei!

Agora Lauren carregava um fardo de dor dentro dela, culpa tão minha quanto da própria carregadora, nossa teimosia causou mortes, vingança, fuga, raiva, destruição. Eu não conseguia imaginar o que pensava na mente de Alpha, afinal, do que é capaz um pai que acabara de perder seu filho?

 Estávamos viajando para a França, tentando criar novamente um ramo de negócios e provavelmente viver por lá por mais alguns anos, quem sabe até para sempre. Íamos encontrar novas boates, novos rostos, novas mentiras e novas prostitutas. Íamos começar uma nova vida.

Já havíamos saído das pequenas áreas de Little State e duas horas passaram. A rua agora era mais movimentada e eu ultrapassava os carros mais vezes, a rua depois da linha amarela, como quem voltava para Little State era usada mais por caminhões de cargas, trazendo mantimentos, materiais escolares e outras coisas mais secretas. A estrada tornou-se monótona demais e na rádio, a música que tocava era Slow Life, transformando a atmosfera interna do carro parecida com a de um cemitério. Algumas buzinas mais à frente, mais borrões de árvores e pedras aparentando aquarela, placas localizando a cidade de Lukster por perto, tão pequena e fofoqueira quanto Little State. Os policiais das redondezas me conheciam também, costumam comprar drogas não só para uso quanto para incriminação de inocentes; Algumas casas estavam na estrada, pousadas, na verdade não muito longe das estradas da cidade. Aumentei um pouco a velocidade e Felipe continuou com a BMW colada na minha traseira, ótimo.

Mais algumas horas foram passando, meu raciocínio foi ficando mais lento, o sono já abatia minha pálpebras e minha fala. As lágrimas secas deixavam a sensação de inchaço em meu rosto e me dava mais sono ainda. Por um tempo, um flashback passou por minha mente, algo que eu havia escutado uma vez de algum dos amigos de pôquer de meu pai morto:

Nunca tinha sido como aquelas crianças que corriam pela casa toda, jogavam os brinquedos e gritavam asneiras infantis para as visitas, eu prestava muita atenção nos adultos, gostava de captar as mentiras deles, ainda mais nos jogos. Meu pai adorava isso, ganhava muitas rodadas porque graças a mim, sabia quando um jogador estava blefando. Na época meus cabelos eram armados porque eu não os escovava e muito menos ligava quando as meninas da minha sala me caçoavam, muitas vezes eu adoraria simplesmente dizer a elas que preferia meu cabelo armado a um pai corno como a maioria delas tinha, segundo as amigas da mamãe, antes dela entrar em depressão; Para contar ao meu pai sobre os blefes, eu precisava ficar escondida durante todo o tempo de jogo, numa passagem secreta que encontramos, ao lado de sua cadeira de jogo que era tampada por um tubo de ventilação. E isso uma vez fez com que eu ouvisse um comentário de seu amigo, estavam apenas ele e papai, depois de um grande jogo, conversando sobre crianças quando eu fui o alvo de conversa e as seguintes palavras desse amigo nunca mais desgrudaram de minhas lembranças:

- Sabe Lenner, a sua filha é uma grande garota. Quando ela for maior, vai ser um pesadelo pra você. – O amigo fumava um charuto barato e olhava atentamente para o dinheiro que contava.

- Ora Kyle, está dizendo besteiras sobre Alice, meu caro. Ela só é mais pensativa e presta mais atenção nas coisas do que uma criança costuma ter.

- Não... Ela é diferente. Essa menina será uma bomba pra você, Len. Aliás, para qualquer um que chegar muito perto. – os olhos castanhos de Kyle grudaram em meu pai, como se o alertassem - Você sente algo diferente perto dela, um perigo eminente e ao mesmo tempo uma tranquilidade absurda. Ela é linda, com todo o respeito, e esse será um dos motivos que o fará ter um grande trabalho. É intensa, como pude perceber. Têm os olhos de uma futura líder, um ar superior que não parece nem um pouco com falta de humildade. Alice será uma espécie de blefe a ser encontrado, Len. Essa menina vai fazer um grande estrago ao seu redor, eu sinto isso. E ainda vai afetar você.

Um rugido agudo e mecânico tirou-me da lembrança. Olhei para a estrada e um caminhão estava vindo em nossa direção, aliás, eu quem estava com o carro na contra mão e ele buzinava cada vez mais assim como os metros de distância entre nós diminuíam cada vez mais.

- ALICE! – Lauren berrou assustada juntamente a mais uma buzina do caminhão.

Virei o volante rapidamente jogando o carro para o lado, saindo da rua e encontrando a grama úmida. O cantar de pneus foi forte e as outras BMW’s frearam bruscamente na grama também. Eu destravei as portas e logo elas foram abertas. Jared puxou Lauren para fora, tocando seu rosto, perguntando se estava tudo bem. E Felipe me perguntava a mesma coisa, tendo atrás dele, Murilo parado encarando-me curioso e preocupado.

Balancei a cabeça.

- Eu não sei. – sussurrei.

- Passe pro banco do lado, Lice... – Uma voz masculina disse e eu a obedeci. Em outro ponto da grama era possível ouvir Jared dizendo que Lauren iria com ela.

- Tome cuidado com ela, Lommer, ou eu te quebro o pescoço. – Felipe disse em tom de mau humor.

As portas foram fechadas e o carro ligado. Voltamos a viajar silenciosamente, meus olhos não desgrudavam do porta-luvas. Ele ligou o rádio e as músicas agitadas que tocavam não combinavam com o ar mórbido que havia entre nós dois. Murilo dirigia bem mais rápido que eu o que me deu vontade de gritar e sorrir. Velocidade me interessava, fazia-me um bem grande e eu costumava relacioná-la com liberdade.

- Porque fez esse estrago consigo mesmo? – perguntei num murmúrio.

- Você sabe o porquê. – Ele respondeu gravemente.

- Não devia tê-lo feito. – sussurrei desejando, na verdade, que ele não escutasse.

Ele riu sem humor, balançou a cabeça e não respondeu mais nada. Fora uma resposta óbvia para mim, afinal, quem eu era para dizer a alguém o que era certo e errado fazer? Desconsiderando, é claro, o fato de cada um achar o se certo e o seu errado sobre seu livre arbítrio.

- Seu cabelo está mudando de cor... Será que junto com essa tinta toda esvaecendo teu senso rebelde também tá indo embora? – Murilo me olhava algumas vezes enquanto dirigia para falar, porém eu não ousava olhá-lo por culpa.

- Eu nunca fui rebelde. – Tinha certeza disso, os motivos de eu ter feito o que fiz até hoje, foram de certa maneira egoístas sim, mas sempre fui sozinha. Não havia pais presentes para me apoiar nas decisões idiotas de uma garota de 17 anos. Também não os culpava por essa ausência.

- Eu te conheço desde pequena Alice, você sempre teve um pé para o lado do esquisito e da rebeldia discreta.

Não respondi. Apenas fiz como Lauren, alguns minutos atrás e deitei minha cabeça no encosto do travesseiro e acabei dormindo. Fora um sono oco, sem sonhos e me ajudou a descansar bastante. O banco estava mais puxado para trás o que possibilitava alguns movimentos meus. Logo, pude ouvir que a rádio fora alterada propositalmente para uma que tocasse músicas mais calmas e monótonas. Foi quando o carro parou que eu acordei e percebi que havia não estávamos no aeroporto, mas sim na frente de uma lanchonete de estrada. O freio de mão foi puxado e meu rosto acariciado pela palma de minha mão.

- Quer comer? – Murilo perguntou. Balancei a cabeça, abrindo uma garrafa de água, apenas, já que minha garganta estava seca.

- Tem certeza? Jared está obrigando Lauren a ir comer, por isso paramos. – Assimilei e continuei olhando para o porta-luvas.

Murilo pegou em meu queixo, fazendo-me olhar para seu rosto.  Seus dedos passaram levemente sobre as minhas olheiras, lembrando-me de que minha maquiagem estaria borrada ao máximo.

- Olhe para mim, nem que seja pelo menos uma vez, Alice... – Seu tom de voz era triste e pareceu pular sobre meu peito, no intuito de me machucar.

Eu olhei e as olheiras fundas de seu rosto contorceram minha garganta. Eu recuei alguns centímetros, sentindo-me má. Observei seus braços trêmulos e forcei as pálpebras, respirando tão fundo quanto um pulmão de fumante conseguia.

- Olhe para mim... – ele sussurrou novamente. Quando ergui minha cabeça, seu rosto veio para frente, o hálito penetrando minhas narinas e atacando meu cérebro. Os lábios pouco carnudos vindo em direção aos meus e seus braços prontos para me esmagar num abraço de saudade. Pude sentir a ponta de seu lábio superior encostando-se à ponta do meu lábio inferior, porém a aproximação além de cautelosa parecia demorar milênios. Deus, como eu derretia quando ele segurava firme, porém delicadamente em meu pescoço. Murilo roubava-me ar, era isso o que ele fazia, e de olhos fechados sorria, satisfeito, como se estivesse fazendo algo que não cometia há anos.

Tomei coragem para continuar a cena, tomei ânimo, vontade transbordava sobre os meus poros corporais. Segurei em sua camiseta, abaixo do braço que segurava o pescoço e levantei o corpo para ir à frente.

Três batidas leves na janela do carro foram suficientes para ambos acabarem frustrados. Murilo soltou-me e abriu a janela do carro. Abri a minha bolsa e peguei a carteira de cigarros. Acendi um e esfreguei os dedos polegar e indicador na testa.

- Alice não vai comer? – Perguntou Felipe.

- Não. – respondeu Murilo. – Disse que não queria.

- Estamos saindo então, Lauren comerá durante o caminho para pouparmos tempo.

- Como preferir. – Murilo fechou a janela. A minha estava aberta e Felipe apareceu ali, roubando meu cigarro e tascando-me um beijo leve, provavelmente vingando-se do que acabara de ver entre mim e Murilo. Devolveu-me o cigarro e saiu até o carro onde Phixxon aparentemente segurava seu braço.

Foi então que envergonhada não olhei mais para Murilo. Engolindo em seco e sendo possuída pela tensão indesejada que ali fez moradia.

As horas naquele carro arrastaram-se mesmo que poucas. Sussurrei a letra de algumas músicas na rádio procurando manter-me longe de tédio enquanto tomava alguns goles de água e observava os borrões correndo pela janela limpa e cheia de película protetora envolta da BMW.

Quando por fim chegamos ao aeroporto, compramos as passagens para França e não esperamos muito até o avião chegar e as malas estarem em seu devido lugar. Dei graças pela autorização falsa ter passado despercebida tanto para mim quanto para Lauren que estava verde. Já era final de tarde e o Sol não apareceu o dia todo, felizmente. Quando entramos no avião, fiquei ao lado de Lau, sentada na janela e enjoada pela altura. Procurei reconforta-la e convencê-la a trocar de lugar para que a janela não a enjoasse mais, porém ela negou. Phixxon acabou dormindo de tanta dor ao lado de Felipe nas poltronas ao lado e Murilo juntamente a Jared sentaram nas poltronas da frente.

Tomei remédios para dormir no avião e dei alguns para Lauren ficar tranquila, dormimos tentando assistir um filme antigo o qual ajudou muito e então, só acordamos no pouso do avião, já na capital Francesa. 

Após esperar Felipe pegar carros alugados, nos hospedamos em um hotel de frente para a grande Torre Eiffel, já de madrugada. Aproveitei e saí pelas ruas próximas ao hotel vendo o que tínhamos por perto para comer e comprar caso precisássemos de algo. Queria encontrar o endereço de Pierre, meu padrinho que morava aos arredores e não quis usar a secretário do hotel, temendo ser pega por Alpha.

- A madame está procurando alguém? - um malandro perguntou. Coincidentemente estava brincando com uma moeda, atirando-a para cima com o polegar e catando-a, vendo se é cara ou coroa.

Ele me lembrava dum mendigo que vi certa vez antes de fugir da casa de meus pais agora mortos, usava luvas que iam até a metade dos dedos e as roupas não estavam muito limpas. Seu cabelo era bem curto e preto, eu só não poderia responder o que era mais negro, a gadeia ou os olhos.

O beco onde nós recém nos encontramos era bem escuro e a única luz presente ali era a que iluminava o sujeito, aparentemente traiçoeiro e alcoólatra.

- Eu procuro Pierre Lumau, a última vez que tive contato com ele foi por uma carta e seu endereço é parece ser aqui.

- Pierre não mora aqui há um bom tempo,  mon amour. Criou asas, arranjou uma boa quantia em dinheiro e foi-se embora da área reservada aos plebeus de paris.

Ele saiu da parede em que estava encostado, era possível ainda ver sua silhueta mesmo que com dificuldade. Eu podia sentir o cheiro de cachaça perto de mim, perto de minha bolsa encostada em minha barriga. Seus passos obviamente eram silenciosos, mas não o vácuo que seus movimentos deixavam.

- Se pensar em roubar minha bolsa e sair correndo, você morre.

Ele riu, não pude saber se era humano ou qualquer outra coisa.

- Soube das novas, ruivinha?

Não respondi.

- Está chegando a hora de a Família Real alterar a nossa nova autoridade.

- O que importa?

Ele riu baixinho.

- Quantos anos você tem, menina? 17? Há exatamente dezessete anos, a majestosa filha dos Callaham foi abandonada, por quem, ninguém sabe, aliás, a minoria mal sabe que essa tal filha existiu.  Os poucos que viram a pequenina-sem-nome nascer, simplesmente foram destruídos na guerra.

 - devo usar a minha bola de cristal para adivinhar como você sabe disso?

- eu fui o único que sobrevivi pra contar essa pequena história, conheci bem o rei Callaham para poder dizer que não terá ser mais justo e honesto comandando o poder de seus negócios.

A voz fétida passeava ao meu redor, procurando algum resquício de falta de atenção minha para poder aproveitar-se de algum jeito. Mal sabia ele que meu dinheiro estava dentro de minhas meias em meus sapatos.

- E o que essa princesa tem a ver com a minha questão?

- Manter-se bem informada das notícias atuais é bom de vez em quando, moça.

- Certo. E então?

- O que acontece, é que os reis estão dando uma recompensa para quem encontrar sua filha. Uma enorme quantia em dinheiro, um terreno gigantesco para poder criar o que quiser - sim, eu também acredito que eles pararam seu pensamento na era colonial - e alguns lucros vindos de seus negócios. A recompensa é grande assim como os riscos.

Essa menina pode estar em qualquer lugar do mundo - ele falava rápido - pode ter qualquer nome, ou simplesmente ter morrido. Esses monarcas estão desesperados, minha jovem. Querem a sua filha, a sucessora, a futura rainha e chefe dos grandes acordos sub-conhecidos para os humanos. E eu daria tudo para poder ajudá-los.

- E no que eu ajudaria você, já que nem seu nome eu sei?

Ele voltou para a luz segurando uma espécie de carteirinha, era a minha identidade. Suas presas então estavam à mostra juntamente a um sorriso satisfeito.

- Você é Alice... Campbell, certo? Você é mais conhecida aqui do que pensa. Soube que deserdou uma família inteira por lá e os motivos foram mínimos.

Minhas sobrancelhas automaticamente ergueram-se. Realmente a proposta real não era ruim e talvez com a quantia que fosse ganha, eu pudesse montar um novo lar e novos negócios na França.

O malandro não deixou eu responder.

- Venha por aqui Campbell, a partir de agora, você é a chave para o meu tesouro.


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Notas finais do capítulo

é isso aí, pessoal :}



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