Adorável Depressão escrita por Cristina Abreu


Capítulo 2
2. Nuvens carregadas e idiotas à parte...


Notas iniciais do capítulo

Antes de mais nada: Muito, muito obrigada por todos os seus reviews! Fiquei muito feliz ao lê-los. Desculpe se ainda não respondi o seu, acontece que só tive tempo de fazer algo - e acabei o capítulo nesse tempo - hoje. Mas logo vou respondê-los com o maior carinho.
E a minha surpresa, então, ao ver uma recomendação? Faltou eu gritar de felicidade - sim, sou dramática, mas isso vocês já perceberam, né? - na minha aula de Informática! Meus agradecimentos especiais a Nídia! Obrigada, flor! Fiquei emocionada.
Agora vamos às minhas desculpas por demorar a postar. Acontece que, como dito anteriormente, só tive tempo hoje para escrever e acabei finalizando o capítulo. Mas, geralmente, será esse o padrão: um capítulo semanal, ou de dez em dez dias.
Desculpas também a quem eu leio as fic's. Prometo que vou por em dia, tudo bem?
Enfim, depois de tudo isso... Boa leitura! Nos vemos lá embaixo!



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2. Nuvens carregadas e idiotas à parte...


Olhei as nuvens que tampavam o dia e franzi a testa. Era meio de primavera e eu esperava que aqueles dias fossem mais quentes e cheio de luz. Claro, não que o inverno brasileiro fosse horrível, porque realmente não era. Uma definição para aquela estação? Chata. Se ao menos ainda nevasse... Mas era óbvio que isso não acontecia. O inverno é somente um frio desgraçado que me obrigava a por blusas e mais blusas, o que me fazia sentir como se estivesse presa. Odiava me sentir assim, mas não ligaria se tivesse uma recompensa: flocos brancos de neve indo de encontro ao chão. Moro em São Paulo, capital, e o único lugar em que as pessoas ganham essa gratificação é mais ao sul.

Revirei meus olhos. Com ou sem neve, gostava do sol e do calor. Embora um pouco de chuva pudesse fazer bem ao ar carregado.

— Acho que vai chover. – disse Ana, que também olhava para o céu, com um olhar preocupado. – Merda.

Ri e dei de ombros. O que faríamos contra a Mãe Natureza? Hm... Nada.

— Melhor irmos rápido para casa. – falei. – Não estou a fim de ficar molhada.

— É, acho que nem eu. – ela gemeu. – Mas não queria ficar em casa o dia inteiro de pijamas.

— Vista uns jeans. – sugeri, sorrindo.

— Engraçada você, não? – Ana revirou os olhos e me deu uma cutucada nas costelas. – Não quer ir lá em casa?

Assenti de pronto. Fugir da minha própria casa – ou gaiola, como costumava chamar - por algumas horas? Parecia um sonho.

— Claro que sim. – respondi mais animada. – Eu te convidaria pra minha, mas... Nem eu suporto mais ficar lá, então...

— Vamos deixar a poeira baixar, certo? – minha amiga apertou meu braço em um gesto gentil. – Tudo vai ficar bem, Katie. Eu sei.

— É vidente agora? – o sarcasmo voltou a minha voz. – Será que você pode ler minha mão, Ana? Quero saber mais do meu futuro.

— Você é mesmo uma idiota, sabia? – mas sorriu. – Venha, vamos logo ou você fará a chapinha no meu cabelo.

— E eu tenho culpa de você ter um cabelo ruim? – brinquei. Ana revirou os olhos e pegou minha mão, me puxando para fora da escola. Fui sem reclamar, tentando acompanhar seu ritmo e antes que saísse lancei um sorriso para Rafael e Alessandro, que conversavam entre si.

Não sei se Ale viu meu gesto ou simplesmente o ignorou, mas Rafa me deu seu belo sorriso de covinhas em troca.

***

De volta a minha prisão domiciliar, fui em direção ao meu quarto. Quando estava na escada, ouvi uma música triste pesada no quarto do meu irmão. Mas que milagre era aquele? Ele em casa e escutando música? Imediatamente tive esperanças de que ele estivesse sóbrio, de que fosse novamente meu porto seguro. Sem ser capaz de me impedir, fui até a porta do seu quarto e girei a maçaneta lentamente, torcendo para que estivesse destrancada. E estava. Tiago era apenas uma sombra deitada na cama.

— Ti? – chamei, entrando. Ele ergueu a cabeça e expirei quando vi seus olhos confusos – mas sóbrios – voltados para mim. Naquele momento ele voltou a ser meu irmão. Sorri carinhosamente e me aproximei, ansiando para ter seus braços protetores a minha volta. Entendendo minha expressão, Tiago me apertou contra si, suspirando.

— Mas em que porra fomos nos meter? – ele perguntou exasperado. – Essa família... Eu... É tudo um horror.

— Não diga isso, Tiago. – repreendi. – Tudo dará certo, maninho. Você verá.

Meu irmão bufou, mas manteve seus braços apertando-me.

— Você nunca foi de dizer frases... Ahn... Como é? – pensou por uns segundos e depois respondeu a própria pergunta. – Clichês. O que está acontecendo com você, Katie?

— Nada, Ti. – falei, finalmente me desvencilhando de seu abraço. Percebi que ele também sentira minha falta. – Sou a mesma garota fodida que era mês passado. – a última vez que pudera falar com Tiago sóbrio foi por aí. – Nunca mudei, irmãozinho.

Dei uma curta risada, tentando amenizar o desconforto de uma conversa entre duas pessoas que há muito não se falavam.

— Apenas acho que estou passando muito tempo com Ana. Talvez seja isso. – sorri para Tiago, que não me devolveu o sorriso.

— Desculpe, Katherine. – ele resmungou. Olhei em seus olhos, questionando a súbita mudança no clima – que se tornara tenso -, e vi que sentia raiva, voltada para ele, não para mim.

— Pelo que, Ti? A lista é longa. – brinquei, esperando trazê-lo de volta a luz. Minhas palavras tiveram o efeito contrário, mandando-o para mais longe de mim.

— Eu sei, Kate, acredite, eu sei. – suspirou. – E me desculpe, ok? Eu juro que tento, maninha, mas não consigo... Não consigo...

— Se livrar das drogas? – terminei por ele. Meu peito se apertava. Tiago estava tão perdido.

Oh, e isso é muito fodido.

Ele deu de ombros, mas era uma confirmação, eu sabia. Porém, o que desconhecia era o meio de tirá-lo daquele mundo que nem eu desejei visitar. E acredite, tentava de tudo para me livrar da dor. Ou bem, quase tudo. Há limites inquebráveis.

Não pense nisso, murmurei para mim mesma. Voltei a me concentrar em meu irmão. Até aquele problema era mais fácil de lidar. Covarde era a definição que vinha em minha mente para mim mesma.

— Por que não tentamos juntos? – perguntei com a voz fraca de cansaço e emoção. – Quem sabe eu possa...

Tiago bufou e voltou a ser o filho da puta de sempre. Desprezou-me com um movimento de mão, logo se afastando.

— Não pode. – seus olhos castanhos brilharam no escuro. – E não quero você envolvida nisso.

Fiquei furiosa.

— Não pode ou não quer, Tiago? Embora, sinceramente, pra mim, no seu caso, as duas coisas são as mesmas! – gritei e me levantei da cama, andando de um lado a outro no quarto. Minha fúria liberada. – A porra da nossa família está se afundando e você piora tudo! Pede desculpas, mas do que elas adiantam se você não vai mudar? Nada! Você não está tentando de verdade, está? É muito melhor ser um idiota filho da puta do que fazer algo de útil.

Minhas bochechas coraram com a raiva e meus olhos se cegaram com as lágrimas não derramadas. Não importava, eu não choraria feito criança na frente de ninguém, muito menos daquele babaca.

— Então quer saber? Vai se foder, Tiago. – gritei. – Desisto de você e dessa família!

— Katie... – ele me olhava abismado, mas com um pingo de outro sentimento no olhar. Nervosismo? Orgulho? Amor? Tanto fazia.

— Não. Corre pros seus amiguinhos, Ti. Eles podem te oferecer mais coisas: drogas, doenças, putas... Só me deixe em paz, ok? Porque se você e essa família quiserem afundar, eu não vou junto!

— Não fique brava... – meu irmão ia dizendo, mas o interrompi.

— Sabe o que é pior? É que você era a única pessoa que eu verdadeiramente amava nessa família. E agora, parece que você ferrou com isso também. – sussurrei. Dizer aquilo doeu tanto em mim quanto nele, como pude ver em seus olhos. Assim que as palavras saíram de minha boca, me arrependi. Mas não podia e nem havia como voltar atrás. O que eu disse ficaria para sempre dito.

Saí do quarto batendo a porta com força. Pisquei nervosamente e não conseguia me desfazer da sensação de ter mentido. Eu não deixaria meu irmão foder com o pouco que tinha. E também não afundaria com nenhum deles porque, eu bem sabia, já estava no fundo do poço.

Corri para meu quarto e tranquei a porta. Mal podia conter as gotas salgadas que escorriam por minha bochecha. Minha vontade era de deitar e soltar todos os soluços que estavam no meu peito.

Porém, antes de me jogar com tudo em cima do colchão vi que a cortina da janela ainda estava aberta e que lá fora chovia torrencialmente. Olhei as nuvens negras soltando toda a sua fúria, mas sabia que acima delas um céu azul e limpo reinava. Aquela negritude, que a todos assustava quando era avistada, ficava somente na superfície, não ousando tocar a profundidade do universo.

Seriam, também, os problemas superficiais?

Eu duvidava, mas no momento não importava. Deitada em minha cama, apertando a cara contra o travesseiro, fiquei olhando para o lado de fora, enxergando tudo como um borrão meio às gotas violentas que caíam.

Sei que pode ser presunção minha, mas parecia que a tempestade chorava comigo, como se eu fosse uma garota especial e ela sofresse às minhas dores. Como eu disse, era apenas presunção.

***

Enquanto chovia fiquei zapeando pelos canais, sem encontrar nenhum que me fizesse querer prestar atenção. Televisão se tornara, para mim, apenas mais um eletrônico sem graça. Em pensar que eu ficava horas na frente da tela assistindo desenhos! Ora, como o tempo passava e mudava tudo.

Minhas lágrimas não escorriam mais, mas meus olhos continuavam vermelhos. Já era para lá de sete da noite e eu ainda não deixara o quarto, certa que voltaria a chorar caso encontrasse meu irmão por aí. Hm, não que isso fosse acontecer. Ele provavelmente estava longe uma hora dessas.

Esperei um pouco mais, até que não consegui mais ignorar a fome e me levantei. Dei uma rápida olhada no espelho, feliz em ver que aos poucos os sinais de tristeza iam se esvaindo de mim. Quer dizer, da minha cara. A minha alma já era algo que eu considerava perdida.

Voei escada abaixo e fui direto para a cozinha. Apenas minha mãe estava lá, olhando a mesa fixamente, o rosto não muito melhor do que o meu estava há algumas horas.

Pensei em ignorá-la, já que achei que não poderia dar nenhum conselho ou carinho, magoada como estava. Mas bem, ela é minha mãe, então, como eu conseguiria passar reto? O que ignorei foi a pontada de dor quando vi minha mãe limpar os olhos com as costas da mão.

— Oi, mãe. – chamei baixinho. Ela levantou o rosto e tentou dar um sorriso tímido que mais pareceu uma careta.

— Olá, querida. – respondeu, passando a mão em meus cabelos embaraçados.

— O que foi? Por que estava chorando? – exigi saber, muito embora já soubesse da resposta.

— Ah, problemas de adultos. – disse sem especificar. Revirei os olhos para minha mãe e apertei sua mão gentilmente. Estava gelada.

— Corta essa, mãe. – eu falei. – Vamos, me fale o que está acontecendo!

Uma sombra cruzou o seu olhar e eu pensei que ela voltaria a chorar. Por sorte, estava enganada. Com um suspiro melancólico, mamãe se controlou e não permitiu que as lágrimas se derramassem. Dei-lhe um pequeno sorriso amarelo.

— Não posso me divorciar. – ela soltou, me pegando de surpresa. Como assim não podia?

— Hein? Por que não? Se você está infeliz...

Eu não queria terminar a frase. Ela nem deveria começar com “se”, não era uma possibilidade. Era a realidade.

— O que você acha que vamos fazer sem o Jorge? – seus olhos se arregalaram só de pensar nas possibilidades. – Meu emprego não é capaz de sustentar nós três.

Opa, calminha aí. Minha mãe só estava com aquele homem por dinheiro? Ergui uma sobrancelha e tentei conseguir a resposta por meio de mais perguntas. A possibilidade de ela ter se casado somente para termos em quem se sustentar me assustava.

— Podemos dar um jeito, não é? É com isso que você está se preocupando agora? – dei ênfase na última palavra.

— É com o que me preocupo desde sempre, Katherine. – Paula suspirou. – Como você acha que eu poderia sustentar a seu irmão e você? Oh, querida, isso é impossível...

— Você só se casou por dinheiro? – gritei, abismada. Tipo... Isso deveria ser um crime! – Nunca o amou de verdade?

Mamãe riu, sem humor. O som gelou o sangue que corria por minhas veias.

— O que é o amor, querida? Nada. Você apenas deve pensar no seu melhor, e naquele tempo, casar-me com Jorge era o que precisava ser feito. Pensei em vocês, antes de tudo.

— Mamãe! – repreendi-a. – Como pôde?! Nós teríamos dado um jeito, como sempre demos!

— Com seu irmão caindo nas drogas e com você ainda criança? – ela rebateu. Ela sabia sobre meu irmão? Sabia e não tinha feito nada até hoje?!

— Tiago só entrou nessas merdas por sua culpa! – gritei e me levantei. Meu rosto corou-se de raiva. – Poderíamos ter sido mais felizes se nós três tivéssemos ficado sozinhos! Ele não usava até que você se casou de novo e eu... Bem, eu nunca precisei de muita coisa para ser feliz, não é mesmo?!

Mentira. Eu desejava um tudo. E isso era muita coisa.

— Kate, você pode me culpar por querer dar o melhor para você? – Paula bufou. – Jorge era essa possibilidade a um preço muito pequeno.

Suas palavras me acertaram como um tapa. Então ela praticamente se vendera a alguém que mal conhecia – creio que ela não teria se interessado por muito mais além da conta bancária do cara – para tentar fazer todos os nossos caprichos?! Eu não podia acreditar no que ouvia!

— Sim, eu a culpo, mamãe! – uma lágrima de raiva escapou dos meus olhos e entrou na minha boca. Seu gosto era salgado e seu rastro em minha pele parecia queimar. – Nunca te pedimos isso! Nunca! E como você pode saber do Ti e não fazer absolutamente nada?! Nada!

Como ela era tão egoísta? Bem, eu não a deixaria fazer-me acreditar que era a culpada. Não pedi a ela que se casasse, na verdade, lutei contra isso até mesmo dentro do ridículo vestido que escolheram para que eu usasse. E Tiago... Por que ela não o ajudava? Por que só era capaz de se concentrar em seus problemas e esquecer-se dos seus filhos?!

— Não grite comigo, Katherine. Sou sua mãe! – Paula agarrou meu braço e me fez olhar em seus olhos lacrimosos. Oh, ela ainda sentia alguma coisa?, pensei sarcasticamente. – O que posso fazer com Tiago? Quer que eu o coloque numa clínica de reabilitação para que fique louco? Para que fuja de lá e se perca ainda mais no mundo? É isso o que você quer?!

Ah, eu ficara cansada. Soltei meu braço de seu aperto com um movimento brusco, sentindo aos poucos o sangue voltando a circular. Esfreguei o músculo sensível, onde a marca de sua mão estava gravada em vermelho em minha pele pálida.

Olhei-a com desprezo e mal pude reconhecer minha voz fria enquanto dava alguns passos para trás.

— O que eu quero é que ele sare. E isso não vai ser com você, vai? – era uma pergunta retórica. – Na verdade, é você quem fodeu com tudo. Agora tente consertar. Boa sorte, mamãe.

Aquela palavra virou xingamento com minha voz gélida dizendo-a. Virei-me de costas e segui para a porta de entrada, puxando com tudo a maçaneta e saindo para o ar frio. Por sorte, não chovia mais, mas o vento empurrava meus cabelos para trás e me fazia tremer.

— Katherine, volte! – ainda consegui ouvir a voz da minha mãe me chamando do batente da porta. – Vai congelar! Katherine!

Não lhe dei ouvidos e continuei andando, mesmo que o ar carregado fizesse meu corpo doer a cada movimento meu.

***

Acabei em um parque quase vazio. Por lá ainda estavam alguns skatistas que desafiavam o chão molhado e escorregadio. Fiquei observando-os por alguns momentos a distância, até que segui para o pequeno lago que aumentara de volume por causa da chuva. Não se via nenhum dos animais que costumavam frequentá-lo e eu agradeci mentalmente, já que não gostava dos gansos que geralmente nadavam lá. Quando pequena, um desses perseguiu a mim e ao meu salgadinho e desde então tinha pavor desses animais. Para onde eles tinham ido não me importava realmente.

Fiquei debaixo de uma árvore grande às margens das águas, tentando me abrigar meio a suas folhas. Uma vozinha disse-me que eu poderia estar na casa de alguém agora, mas isso representava que teria que falar sobre o que aconteceu e eu não queria isso. Não estava pronta para afirmar que minha mãe era mais um monstro da humanidade, nem que eu provavelmente me transformaria em um também.

Cravei minhas unhas compridas em meu braço esquerdo e só retirei quando a dor me causou arrepios. Cinco marcas eram nítidas e derramavam pequenos filetes de sangue. Sorri com as pontadas agudas e fechei os olhos, alisando a área em que me ferira.

— Cara, você é masoquista? – alguém perguntou às minhas costas. Dei um pulo com o susto e rapidamente me virei, encarando um menino um pouco mais velho que eu, com um piercing na sobrancelha negra, cor igual dos seus cabelos repicados e curtos. Seus olhos tinham o tom de cinza e exalavam algum sentimento que não pude desvendar. Hm... As nuvens acima de nós possuíam a mesma cor profunda e escura...

— O que está fazendo aqui? – perguntei nervosa. Tapei meu braço e senti meu rosto corar. Fazia tempo que não me provocava dor.

— Estava na pista de skate. – ele indicou por sobre o ombro, mantendo seus olhos nos meus. – Acabei te vendo e pensei que era maluca por estar vestida desse jeito num tempo desses.

Notei o skate aos seus pés. Era claro que ele não viera andando com aquilo porque eu teria ouvido... Não teria?

— E aí decidiu me seguir? – arqueei uma sobrancelha e revirei meus olhos. Ele sorriu e passou a língua pelos lábios. Acho que vi algo metálico na língua... Aquele garoto era mesmo um fã de piercings, não era?

— Algo assim. – respondeu. – Então, você gosta de dor?

— N-não. – gaguejei. – Não é assim que funciona.

— Mesmo? Como é? – ele se aproximou. Dei alguns passos para trás e minha camiseta enganchou num dos galhos da árvore. Ah, que porra!

— “Pera” que te ajudo. – falou e seus dedos rapidamente me livraram. Suspirei e voltei a manter distância, tomando cuidado por aonde ia, desta vez.

— Obrigada. – agradeci e corei, olhando para o chão. Ele era alguém que se podia chamar de gatinho. Gato, mas não podia se passar por um modelo profissional. Talvez, com mais treinos... Esbofeteei-me mentalmente e senti meu rosto ficando ainda mais quente. – Tem quantos anos?

Ele sorriu com a mudança de assunto.

— Dezesseis, e você? – dois anos... Não era uma grande diferença. Balancei a cabeça com meu pensamento. – Algo errado com minha idade?

— Ahn, não, claro que não. Tenho catorze. – murmurei.

— Então, menina que gosta de dor... Qual é o barato disso? – perguntou-me novamente. Merda, não conseguia fugir do assunto.

— Não sei explicar. Não costumo fazer isso com frequência. – acrescentei rapidamente. Não queria que ele pensasse que eu era maluca ou algo do tipo.

— Por que se machuca? – sua sobrancelha com o piercing elevou-se.

— Porque não dói... Quero dizer, doer dói, mas é... Suportável. – chacoalhei a cabeça, confusa. – Já disse que não sei explicar; só é algo que me faz escapar de uma dor maior.

— Dor que acaba com dor? – ele riu. - Isso é bem fodido.

— Bem-vindo à minha vida fodida. – sorri. – E qual é a dos piercings? – indiquei com os dedos para o que era visível. O garoto fez uma careta, mostrando a língua e sorriu. Havia mesmo outro lá.

— Época de rebeldia. – riu. – Fiz isso pra irritar meus pais, mas não garanto que adiantou alguma coisa.

Ele revirou os olhos cinza e bufou. Hm, os pais também eram um problema para ele? Uma coisa em comum, ao menos.

— E de que dor está sofrendo? – ele não iria desistir, iria? – Acabou com seu namorado?

Desta vez fui eu quem revirou os olhos.

— Óbvio que não. – falei. – É algo bem mais complicado do que um garoto.

Poderia ser complicado como um garoto, se eu tivesse um. Catorze anos e ainda total boca virgem. Ainda bem que só Ana sabia disso ou eu cairia nas gracinhas dos meus colegas.

— Que bom, ou eu pensaria que você é mais burra do que acho que é.

Ofendi-me.

— Não sou burra!

— Estava se machucando quando deveria estar fazendo algo melhor. É burra, sim. – ele contra-atacou. – Além disso, você está conversando com alguém que nem conhece!

— Você nem sabe meu nome! – gritei indignada. – Como pode ir me julgando assim? – bufei. – Você também não me conhece e está conversando comigo. Você me seguiu!

— Piorou. Você costuma falar com algum perseguidor? – mordeu o lábio tentando não rir. – Vitor, prazer.

— Katherine. – murmurei de mau gosto.

— Nome incomum para brasileiras. – Vitor disse.

— Minha mãe é drogada. – falei sarcasticamente. Mas acho que ele não compreendeu a ironia. Depois a burra ali era eu?

— Mesmo? – seus olhos se arregalaram. – Eu...

— É brincadeira. – ri de seu desespero. – O único drogado na minha família é meu irmão... Por enquanto.

— Por enquanto, hein? – suspirou. – Por favor, não seja ainda mais besta do que já é.

— Eu não era burra?

— São sinônimos. – Vitor sorriu maliciosamente. – Mas óbvio que você não ia saber isso, né?

— Vai se foder. – respondi, mas sorri.

— Que boca limpa! – ele fingiu-se de ofendido.

— Como se a sua fosse melhor. – murmurei. Parecia que era melhor, infinitamente melhor. Ele queria que eu tirasse aquela dúvida? Porque eu o faria... Katie!, repreendi-me.

— Quer provar? – ele lia meus pensamentos?

— Não, obrigada. “ de boa”. – ah, eu queria sim.

Um relâmpago clareou o céu, seguido de um trovão que me fez tapar os ouvidos. Logo a chuva iria recomeçar e eu não queria ficar ali. Não mesmo. Apesar de tudo, pretendia continuar viva.

— Tenho que ir ou a chuva me pega. – falei.

— Ora, está pensando? – Vitor zombou.

— Sou mais inteligente do que você, idiota. – revirei os olhos.

— É... Não mesmo. – outro trovão nos assustou. – Bem, mas eu também deveria ir...

— Tomara que caia do seu skate e quebre uma perna. – roguei, sorrindo maldosamente. – Minhas pragas quase sempre acontecem.

— Ui, que medo! – ele levou suas mãos para frente do peito e estremeceu.

Sorri com seu fingimento, entretanto.

— Eu levaria mais a sério se fosse você. – dei de ombros.

— Certo, macumbeira. Vou levar. – Vitor sorriu e se colocou sobre o skate.

— Katie! – escutei alguém gritando. Levantei meus olhos e vi meu irmão na outra margem do lago, muito distante, mesmo que suas formas fossem reconhecíveis.

Suspirei dramaticamente e acenei. Ainda estava puta com ele, mas não voltaria para casa sozinha.

— Já vou! – gritei de volta, irritada. Voltei-me para Vitor, murmurando: — Tenho que ir...

— Relaxa. Vai lá e... – olhou meu irmão, rindo sozinho. Meu rosto corou de vergonha. – Boa sorte com esse aí.

Valeu. – cerrei os dentes e comecei a contornar o lago. Quando me virei para olhá-lo e acenar um último adeus, ele não estava mais lá.

Olhei confusa para os lados, tentando distinguir um barulho de asfalto sendo arranhado, mas não escutei nada, até que ouvi um baque. Olhei para meu irmão e vi que ele havia caído.

Gritei de raiva e corri até ele, eu mesma quase caindo duas vezes no chão molhado.

— Sim, Katie, você é burra! – gritei para os céus. – Por que continua ajudando esse filho da puta? Burra, burra!

Cheguei até Tiago e o ajudei a levantar. Em sua testa tinha uma laceração, mas nada sério.

— Oh, Tiago... Por quê? – sussurrei. Meu irmão se pendurou em mim, jogando todo o seu peso nos meus ombros. – Bem, acho que não vai ter problema de te levar assim pra casa... Mamãe já sabe de tudo mesmo... Só espero que não comece a...

Senti o primeiro pingo antes de acabar de falar, seguido de outros e mais outros. Logo estávamos encharcados e eu deveria carregar, praticamente, alguém com mais peso que eu.

— Ótimo! – minha voz foi engolida pela tempestade. – Ótimo!


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Notas finais do capítulo

E então, o que acharam? Particularmente... Não sei se eu gostei, mas e vocês? Reviews, críticas, dicas... Por favor, deixem suas opiniões! Ah, qualquer erro de gramática, me avisem também. Apesar de escrever no Word, ler e reler o capítulo, às vezes algo sempre me escapa, ainda mais quando estou cansada, feito agora.
Para não demorar tanto quanto essa vez, verei se vou conseguir adiantar nesse feriadão, mesmo tendo que ler quatro livros. Logo começam minhas provas e eu gostaria de deixar alguns capítulos prontos para não empacar. Isso não é justo com vocês e novamente, me desculpem!
Tá, já sei o que vocês tão pensando: "Cala a boca, mulher!" Eu calei, eu calei. Só tô teclando. "Nossa que besta!" Eu sei, eu sei, mas não gritem comigo.
"Nossa, que bipolar!" Sou mesmo e a prova é estar imaginando isso. Sério, eu própria me provoco medo de vez em quando, mas enfim...
É isso, leitores da Cris! Não deixem de comentar e desculpa ficar enchendo vocês nas Notas... Prometo que vou tentar não me prolongar no próximo... Ok, não prometo, não.
Agora eu vou, antes que receba pedrada. Beijos e até os reviews!!!
PS: Eu costumo avisar quando posto os capítulos, então, se você não gostar... Avise-me que eu paro.