Era noite do 31 de outubro e os preparativos para a festa de Halloween que aconteceria no andar térreo da pousada Pedaço de Lua Enfeitiçado estavam mais barulhentos do que de costume... Não que eu gostasse do silêncio que antes pairava naquele lugar...

            Elas eram bruxas, não eram? Não havia nada mais óbvio do que comemorarem o Dia das Bruxas... Mas eu já morava naquele lugar há muito tempo e era a primeira vez que eu via as cinco realmente animadas com a data.

            Tinha sido numa noite como aquela que eu conhecera Sereny, uma das bruxas mais estranhas com quem minhas quatro patas já cruzaram... Por mais que eu fosse um condenado sobre a Terra a pagar pelos meus erros, ela não me julgou ou se importou de me acolher e, ao invés de ser minha carcereira, como talvez devesse, ela me tratava como se eu ainda fosse um igual...

            Mas havia algo perdido em seu olhar que me revelou desde o início que ela também tinha aprendido uma dura lição como eu... Não importa se você tem poderes ou não, existem coisas entre o céu e a Terra que não podemos controlar...

            Eu era seu conselheiro, seu irmão, seu melhor amigo... E ela era minha dona, exatamente como devia ser... Uma bruxa e seu gato...

            Quando a Pousada Pedaço de Lua Enfeitiçado nasceu para socorrer aqueles que podiam ter uma segunda chance da Vida, eu vi com meus próprios olhos amarelos aquelas cinco bruxas buscando um motivo para viver como aquele que elas devolviam às vítimas que salvavam.

            Sereny tinha reprimido tanto dentro de si seus desejos que desaprendera a querer... Abrira mão de tantas coisas que já não encontrava mais o caminho de volta...

            Chibi sempre cobrara ser tão boa quanto a irmã e sempre fora cobrada a amadurecer depressa, que ela atropelara o próprio ritmo e acabara por não conhecer mais quem via no espelho...

            Rei sofrera em silêncio tudo o que a vida lhe jogou em cima, sem reclamar, sem fugir, sem chorar, guardando sozinha toda a dor sem ter com quem dividir, sem ter quem a tirasse da escuridão...

            Haruka buscara por tanto tempo a aprovação dos outros a sua volta que no fim já não conseguia agradar a si mesma, deu tanto valor a ídolos falsos, que acabou perdendo, sem perceber, aquilo que realmente tinha valor...

            Tsuki sofria com o coração partido pelo vazio que a vida lhe deixou, aquele vazio que apenas os que já amaram alguém e perderam conhecem, aquele vazio que quanto mais se sofre, mais aumenta...

            E em silêncio eu assisti... Eu, que já tinha meus próprios problemas, as vi reunir suas forças e magias e buscar um novo caminho... Bruxas também amam, bruxas também sofrem e não há poção mágica capaz de restaurar um coração partido...

            Noite após noite, do quarto minguante ao quarto crescente, eu as vi salvar vidas que encontrariam seus fins nas estradas... Vi Ban se juntar a elas em sua missão tão nobre com todo o seu vasto conhecimento sobre magia e sobre a escuridão das almas...

            Eu assisti uma alma perdida atrás da outra repousar naquele lugar para retornar ao mundo restaurada, esperando que meus grilhões se rompessem também e chegasse a minha vez...

            Todo 31 de outubro, eu sentia como se tivesse perdido uma das minhas sete vidas, porque minha existência naquela forma não tinha propósito a não ser me torturar...       

            Não... Eu não era um gato... E u tinha sido um bruxo, mas perdi meus poderes quando fui condenado àquela forma... A única forma que eu encontrara de voltar a ser humano era na primeira e na última noite de lua cheia, com um medalhão de Sereny (e isso a deixava realmente enfurecida)... Isso não era permitido... Eu não podia voltar a ser homem antes de cumprir minha sentença... E quebrando-a daquela maneira mais cedo só anexava mais tempo condenado...

            Há muito tempo eu deixara de me importar se eu era ou não um condenado, um infeliz... Era irônico viver com as bruxas que restauravam as esperanças dos outros... Elas não conseguiam fazer nada por mim...

            Eu perdera a pessoa que eu mais amara, não como Mariana... Ela me deixou para ficar com outro... E eu gastei meus poderes e energias para tê-la de volta... Porém, nós não temos a permissão de manipular os sentimentos e eu fui transformado em um gato...

            Meu coração ainda estava ligado ao dela, apesar de tudo o que eu passara... Eu ainda a ouvia em meus sonhos e devaneios e ia atrás dela sempre que podia... E acabava sempre nos braços de outra mulher...

            Todo 31 de outubro eu desejava voltar no tempo, desejava ser eu... Desejava poder me contagiar pelo sentimento que pairava no ar junto com o cheiro dos quitutes de Halloween...

            Eu vivia no Pedaço de Lua Enfeitiçado, com cinco bruxas que aprendiam a amar novamente e aprendiam a lidar com elas mesmas... Tentavam ser bruxas melhores e ajudarem os outros sempre que podiam... E eu vivendo do passado, como se meu feitiço fosse o meu fim e como se aquele lugar fosse meu funeral...

            Podia ouvir seus passos e suas conversas no andar debaixo... Podia ouvi-las com seus hóspedes favoritos, entusiasmadas pela festa e pelo que o futuro guardava...

            Podia sentir pela janela, os ventos de mudança que varreriam aquele lugar... Muito em breve, aquele seria um lugar mais feliz...

            Naquela noite de bruxarias, deitado no escuro, com o som e o cheiro quente me distraindo,eu ouvia a lua e a noite dizendo, chamando em um sussurro: Sirius...