Lordes do Tempo: O Torneio de Sombras escrita por Thay


Capítulo 8
Capitulo 7


Notas iniciais do capítulo

bem galerinha do mal, aqui vai outro capitulo bem grandinho, espero que gostem e que não tenha ficado muito cansativo ;)



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Capitulo 7

“Interrogatório”

>Detroit

Tempo presente

Berial estava em uma parte afastada da cidade, onde se via aspectos rurais à urbanos. Ali ele poderia ver melhor o céu, longe da película de fumaça que o cobria no centro da cidade, longe dos grandes edifícios que cobriam toda a sua beleza e imensidão.

De onde Berial estava, podia ver o céu em sua total vastidão. Havia tantas estrelas, que para contá-las seria necessário todo o tempo do mundo, e Berial sabia que dispunha desse tempo.

Aquela noite, as abundantes estrelas estavam em seu acme, exalando aquele inabalável brilho prateado, que enchiam de prazer os olhos de Berial. Ele podia ver toda a essência das estrelas, todo aquele pó brilhando na escuridão da noite. Tudo estava belo.

“Até as estrelas sabem que hoje é o dia. O dia em que o fim começou”

Pensou Berial contente, pois sabia que daquele dia em diante, tudo seria belo.

Uma sutil e gélida brisa passou pela face de Berial, fazendo-o acordar do seu transe, causado pelo céu e as estrelas, dando fim aquele ínterim.

Berial esqueceu-se por um momento o que vieira fazer em Detroit. Com todos os seus anos de vida, nada era fácil de lembrar. Então lhe veio à cabeça que ele também fazia parte daquele dia grandioso, que como num tabuleiro de xadrez, tudo se encaixava. Todas as peças tinham sua função a desempenhar para que o xeque-mate fosse como planejado. Berial era só mais uma peça naquele tabuleiro.

Recordou-se o que viera fazer em Detroit. Destruir uma peça que não queria obedecer. Era apenas um peão, nada com que se preocupar, mas as pragas são melhores quando contidas.

Berial deu uma última olhada para a aglomeração de estrelas que pairava na negra noite.

Com um último suspiro, Berial havia desaparecido. Não estava mais ali contemplando o céu, não havia nenhum resquício que provasse que Berial algum dia estivesse estado ali olhando as estrelas.

***

A rua estava deserta. Tudo que poderia ser ouvido era o barulho de alguns animais. Alguns postes de luz iluminavam a rua, eles continuavam até o próximo bairro, seguindo em intervalos com padrões distintos.

A rua era caracterizada pelas imensas casas e prédios. Esses, em sua grande maioria, começavam com um vasto quintal. A grama sempre verde e grandes árvores se espalhavam pelo terreno. A fachada das casas eram sempre a mesma, depois do quintal vinham alguns degraus de granito e logo após a porta em formato retangular feita de madeira.

Porém, havia uma casa que se destacava das demais, era maior que as outras. Um grande muro branco se erguia ao redor, e a entrada se dava por um portão eletrônico de alumínio.

Repentinamente, Berial apareceu em frente ao portão de entrada, assustando a um gato desgovernado que por ali passava.

Olhou para a rua deserta, do primeiro poste de luz ao último. Seus olhos correram atentamente cada casa e edifício, procurando algum sinal de vida. Nenhuma lâmpada estava acessa, nenhum ruído era emitido de todas as casas e apartamentos. Não havia qualquer sinal de vida. Berial sorriu.

“Jack fez um bom trabalho aqui”, Pensou Berial, fazendo uma nota mental para parabenizar Jack pelo bom serviço.

Berial se sentiu mais calmo com a idéia de que não passaria por ali nenhum humano com seus estúpidos automóveis poluindo o céu.

Olhando para o portão de alumínio, Berial esperou. Passaram-se quinze minutos e o portão não dera sinal algum de que iria abrir. Berial não se incomodaria de esperar mais quinze minutos, mas seu mestre tinha pressa, além disso, sabia que não seria bem vindo naquele lugar, há tempos que não era. Uma pena, não gostaria de fazer o que viera fazer, mas não lhe deram escolha.

Berial ergueu sua mão branca e enrugada, e com o indicador trêmulo desenhou um círculo de diâmetro igual a dois metros. Por onde seu dedo passava uma linha negra ficava marcada. Ao termino do desenho, Berial encostou a palma de sua fina mão dentro do círculo e no mesmo instante a linha negra ganhou um brilho a vermelhado. Então retirou sua mão de dentro do desenho, deixando no centro deste um pequeno círculo negro, que logo em seguida pegou fogo.

A passagem abriu-se quando todo o alumínio que se encontrava dentro da área do circulo maior foi sugado pelo menor, que estava em chamas. Em seguida, tão repentinamente quanto veio, o fogo se foi. Em seu lugar estava um enorme buraco de formato circular no que restara do portão. No centro do buraco estava uma esfera feita apenas de alumínio, com cerca de oito centímetros de diâmetro, pairando no ar.

Berial fechou sua mão ao redor da esfera e a colocou no bolso de seu smoking preto. Passou pelo espaço vazio no portão e se deparou com a visão de um belo jardim já conhecido.

Um caminho de azulejos de coloração azul escuro se iniciava no portão de alumínio e terminava na fachada da casa. Quantas vezes já não caminhara por aqueles mesmos azulejos, com motivos diferentes do que aquele que o levara aquela mansão naquela noite?

A esquerda do caminho se encontrava um caramanchão, que inicialmente fora uma estufa que com o tempo fora esquecida. A vegetação que deveria ter sido criada e cultivada dentro do casebre de vidro crescia livremente do lado de fora. Alguns pés de maracujá haviam quebrado uma parte do vidro, assim cresceram o suficiente para enrolar-se a estufa. Um denso roseiral guardava a entrada do casebre de vidro. As rosas estavam descuidadas e cresciam para dentro do abrigo de vidro. Em sua grande maioria, as rosas tinham uma pigmentação vermelha, porém se destacavam as de cores brancas em cantos diversos. Pelo vidro que ainda restava na estufa, Berial conseguiu identificar algumas samambaias. Ainda havia outras plantas que se espalhavam dentro e ao redor do caramanchão, as quais Berial não conseguiu identificar. Sentiu nostalgia ao lembrar-se de sua estufa elegante em tempos passados, mas que agora estava abandonada e descuidada.

Ainda do lado esquerdo, via-se uma escultura de um homem. Este fora esculpido usando trajes típicos da Grécia antiga. A mão direita estava estendida em direção ao caminho de azulejos, enquanto a esquerda portava uma harpa. O semblante da estatua era de enorme tristeza, de alguém que acabara de sofrer uma enorme perda. Havia também algumas árvores, bem menos impressionante do que o caramanchão e a escultura, mas que ainda exalavam sua beleza natural.

Berial caminhou pelos azulejos até parar em frente a uma segunda estatua, que estava alinhada com a primeira, porém do lado direito do caminho de azulejos.

A escultura retratava uma mulher. Este fora esculpida com um longo vestido, sendo este um traje típico da antiga Grécia. A mão esquerda estava erguida, como para que encontrar a que lhe era estendida, porém inalcançável. O semblante era o de alguém que perdera todas as suas esperanças.

Berial avaliou por alguns instantes as estatuas que representavam Orfeu e Eurídice, como fazia em tempos passados, naquele mesmo jardim.

Embora Berial não gostasse dos humanos, tinha que admitir que aquelas duas esculturas eram belas e a construção delas uma proeza digna de seu reconhecimento.

Ainda do lado direito, havia uma fonte. Esta se encontrava longe do portão de alumínio, mas perto da fachada da casa.

A fonte feita de mármore tinha cerca de dois metros e meio de comprimento. Uma escultura, feita do mesmo material da fonte, retratava um sereia. Esta tinha cerca de um metro e meio, sentada na beirada da fonte. Ela tinha belas feições e um cabelo comprido. Fora dotada com uma bela cintura e seios redondos, que nada tinha para cobrir sua nudez. Seus braços finos seguravam entre o ombro esquerdo um jarro, do qual saía uma torrente de água. Já a cauda estava dentro da fonte.

Berial poderia passar muito tempo avaliando aquele jardim, como já fizera tantas vezes, afinal, o tempo não lhe era problema, mas não poderia dizer o mesmo de seu mestre.

Berial obrigou-se a seguir em frente. Caminhou até a fachada da imensa mansão que se erguia a sua frente.

Uma arcada seguia a última parte do caminho de azulejos até a mansão. Seus arcos eram feitos de mármore, sendo que o último deles era maior que os demais. Nesse se encontrava uma rosácea. Esta era complexa com vitrais de diversas cores.

Absorto em pensamentos a respeito da complexidade arquitetônica dos arcos, Berial avançava devagar. Subiu cinco degraus feitos de granito e aparou para avaliar a enorme porta de metal a sua frente.

A mansão tinha quatro andares e em nenhum deles se via alguma janela. No meio daquela construção colossal estava uma porta de metal com cerca de três metros de altura e dois de largura.

Berial ficou impressionado com a complexa arte que havia no portão. No centro estava o contorno em relevo de um homem. Este fora desenhado usando trajes de linho. O cabelo era comprido, chegando à altura dos ombros. Berial o reconheceu, era Jesus Cristo e atrás dele havia vários desenhos de todos os anjos das três tríades.

Os desenhos entalhados no portão eram belos de mais, perfeitos de mais para terem sido feitos por humanos, percebeu Berial. Sabia quem foram os verdadeiros artesões. Só uma raça era capaz de esculpir algo tão impecável quanto os desenhos gravados no grande portão de ferro. Os elfos.

“É claro que é élfico” Pensou Berial com desdém.

Apenas os portões élficos eram fortes o bastante para proteger contra invasões da maioria das raças. Disso Berial tinha conhecimento, mas sabia também que tudo tem sua fraqueza, inclusive portões élficos. Felizmente Berial tinha o conhecimento necessário para destruir o pequeno obstáculo.

Retirando a cartola que cobria a cabeça calva com alguns poucos cabelos grisalhos, Berial deu um passo à frente, ficando mais próximo do portão. Colocou a mão enrugada e cheia de sardas dentro da cartola, até sentir seus dedos passarem por um fino véu. Subitamente sentiu uma brisa gélida passar pelos dedos finos e trêmulos. Continuou colocando a mão ainda mais para dentro, até que o frio cobriu-lhe toda a mão. Parou quando sentiu algo roçar nos nós dos dedos. Envolveu o objeto com a mão e o puxou para fora da cartola. Tão subitamente quanto veio a brisa gélida se foi. Não mão direita segurava um objeto desconhecido e no mínimo curioso para os humanos, mas não para Berial. Ele segurava com delicadeza um objeto parecido com um lápis, porém tendo sido feito de um material semelhante à turmalina preta. Kelasa, o modo como o objeto era chamado. Ao redor dele se enroscava uma fina e aparentemente frágil corrente de ouro, na qual estavam entalhadas algumas escrituras antigas, que há tempos Berial perdera a habilidade de ler.

Desenrolou cuidadosamente a corrente de ouro, deixando a Kelasa livre. Berial a ergueu até que a ponta encostou-se ao portão de metal, e agilmente, Berial começou a escrever.

Quando terminou, havia símbolos desconhecidos gravados no metal, desde a metade do portão até em baixo. Dando dois passos para trás, Berial contemplou os antigos símbolos, contente por ainda saber fazê-los.

– Tefra- Sussurrou.

No mesmo instante os símbolos desapareceram e o grande portão de ferro transformou-se me cinzas. Deixando um buraco de três metros de altura e dois de largura na parede.

Berial lastimava a perda de algo belo como os desenhos que estavam gravados no metal, mas era algo necessário para o bem maior, para a arte final. Quando tudo terminasse, ele poderia observar por toda a eternidade a beleza irrevogável do projeto final, mesmo que para isso tivesse que atuar como um mero peão. Ele não se importava, contanto que conseguisse ver o belo, a arte. Tudo seria infinitamente lindo.

À medida que adentrava na mansão, Berial sentia-se mais ansioso, mais perto de seu objetivo. O caminho ainda era longo, porém, ele estava um passo a frente do que estivera momentos antes.

Berial diminuía o ritmo de seus passos, até que por fim parou de andar para avaliar o local onde se encontrava. Via-se diante de um imenso pavilhão. O chão era de madeira recém polida. Nas paredes cor de creme havia uma grande quantidade de quadros de diversos tamanhos e de pintores distintos. Havia algumas réplicas dos quadros de Leonardo da Vince, Botticelli, Rafael, Verrocchio, entre tantos outros renascentistas. Ainda havia colunas de marfim até o final do pavilhão.

Berial seguiu em frente, caminhado lentamente pelo assoalho. Seus pés ecoavam por todo o cômodo, enquanto avaliava cada obra. Parou para observar um quadro específico, Melancolia I de Albrecht Dürer.

Certamente era belo, digna de reconhecimento. Porém, o que mais encantava a Berial eram os enigmas dentro do quadro, os conhecimentos ali ocultos.

Berial ouviu passos ecoarem pelo amplo pavilhão. Passos que não eram seus.

Se aproximando, vinha um mordomo. Este era corpulento, de pele escura, o que destacava seus cabelos brancos, que eram desta coloração não devido à idade, mas vinha da herança genética de sua raça. Suas roupas escuras pareciam fazer parte de seu corpo esguio. Cada músculo era visivelmente flexionado em quanto andava. Os olhos brancos e frios, fixos em Berial.

– Você não foi convidado- Disse o mordomo monotonamente.

– Mas entrei assim mesmo.

– Você não foi convidado- Repetiu.

– Eu esperei lá fora por bastante tempo.

– Você não seria convidado.

– Me vi obrigado a entrar- Berial, cansado com a visão do mordomo, virou-se para sua direita, avaliando o quadro cuja maior parte da parede era ocupada apenas por essa obra.

Inferno de Botticelli não era uma visão agradável, era bem longe disso. Cada rosto retorcido em agonia, cada demônio que sentia prazer com a tortura, e cada alma que gritava com o horror da dor lhe causavam náuseas.

– É desagradável ver o lugar para onde você vai depois que eu matá-lo?- Perguntou o mordomo com um tom irritadiço.

– Eu e você sabemos que isso não vai acontecer Bekiell- Berial suspirou, cansado com o incomodo que o mordomo representava- Saia da frente garoto. Faça o que é melhor para você.

– Eu não sou mais um garoto.

– Sim, você é!- O grito soou por todo o pavilhão. O eco fez parecer que um exército gritava a mesma frase enfurecida.

–Não sou- O mordomo, com o olhar repentinamente vago, deu um passo em direção ao idoso a sua frente- É você, Berial, quem está gritando e entrando em casas sem a permissão dos proprietários. Invasão de propriedade é isso que você está fazendo, como um garoto humano.

A comparação pegou Berial de surpresa, fazendo-o voltar seu olhar minucioso para Bekiell.

– Não me compare a um humano- Sibilou as palavras vagarosamente, carregadas com seu ódio.

–Não me dê motivos para fazê-lo- Deu mais um passou e depois outro, que o levou a terceiro e logo após o quarto. Até que ficou frente a frente com o homem de pele enrugada e olhos leitosos- Não tenha atitudes humanas.

Os olhos de Berial percorreram os cabelos brancos que reluziam como prata. A pele negra lisa e perfeita. Os olhos prateados e sem vida, e por fim a boca carnuda de tom amarronzado. Procurando ali alguma manifestação de algum tipo de sentimento, mas o rosto de Bekiell estava impassível de qualquer emoção.

– Servir alguém por motivo algum ou por interesse nenhum como um cachorro, não é uma atitude pateticamente humana não, Bekiell?

– Eu o sirvo porque ele é o meu pai. Assim como você deveria ter feito com o seu.

Aquelas palavras deixaram Berial em estado de choque, mas durou pouco. Logo seu punho cerrado se moveu em direção ao rosto de Bekiell, acertando-o fortemente. O soco fez o pescoço de o mordomo virar para o lado. Uma linha de sangue escorreu por entre seus lábios. O servente virou-se para o idoso com olhos vazios e sem vida.

Incrédulo com a reação do rapaz, Berial se ouviu perguntando:

– Mas o que diabo fizeram com você garoto?!

– Meu pai me salvou.

– Ele não é seu pai- Disse por entre os dentes.

Os olhos até então sem vida de Bekiell, reluziram, mostrando uma silhueta de raiva. Sem dizer mais nada, o mordomo moveu o punho rapidamente em direção ao rosto de Berial, acertando-o em cheio. O velho deu um passo para trás, tropeçou em suas próprias pernas e caiu no chão.

Sentado no assoalho, olhou incredulamente para Bekiell, enquanto um rastro de sangue descia de seu nariz quebrado. Berial se perguntou se o garoto não estava louco.

“Ele realmente sabe quem eu sou?” Este pensamento lhe veio à mente enquanto tocava seu nariz e o ajustava ao lugar correto. Procurou sua bengala, que quicara a alguns passos dali. Arrastando-se até ela, Berial pegou seu apoio e levantou-se.

Fitando os olhos prateados e sem vida do mordomo, o idoso entendeu que teria que lutar. Se divertindo com a idéia, o velho esboçou um sorriso discreto em seu rosto enrugado. Sim, lutar, isso seria divertido. Mexer seus velhos ossos seria bom e a batalha seria revigorante. Ele poderia brincar, afinal, todo mundo tem o direito de se divertir um pouco não é?

“Não! Eu estou aqui com um objetivo. Não é esse garoto que tenho que matar. Só preciso deixá-lo inconsciente.” Berial respondeu a seus próprios pensamentos.

Com a decisão tomada, o velho atacou com a bengala, desferindo um golpe em arco na direção ao rosto de Bekiell. Este levantou o braço direito e defendeu o golpe, com o esquerdo tentou esmurrar o nariz do idoso, mas este se abaixou, esquivando-se do golpe. Aproveitando a deixa, socou o abdômen do mordomo, porém seu punho encontrou apenas uma parede dura de músculos. Com o canto do olho, Berial viu o joelho de seu oponente vindo em sua direção. Com um passo para trás, se esquivou do ataque. O velho trouxe sua bengala para próximo de si, então, de baixo para cima, tentou acertar com sua bengala o queixo do mordomo. Este deu um passo para trás com a perna direita e para este mesmo lado girou em trezentos e sessenta graus, esquivando-se do golpe direcionado ao seu queixo e acertando a lateral do rosto de Berial, que foi jogado a alguns metros dali.

Mexendo o maxilar, o idoso percebeu que ele não havia sido deslocado. Sentindo um gosto férrico na boca, cuspiu no chão. Seu sangue manchando a madeira impecavelmente polida.

Sentindo um calor familiar passar por seu corpo, Berial levantou-se e perguntou uma vez mais.

– Mas o que diabo fizeram com você?

– Mais uma vez, meu pai me salvou.

Aquela sensação familiar transcorria pelo corpo de Berial, indo de uma extremidade a outra. Aquilo era bom. Sim, ele sabia que sensação era aquela, ele estava excitado. Queria se soltar, brincar, se divertir. Sentiu os cantos de sua boca se erguer num sorriso. Os olhos exibiam um brilho que outrora não estava ali.

– A culpa é sua, sua, sua, apenas só sua- O idoso sussurrava para si mesmo, como delírios de um louco- Foi você quem quis brigar. Eu disse pra você ir embora, para me deixar passar, mas você queria lutar. A culpa é sua, sua. Só sua.

O mordomo olhava para o velho sem entender o que ele murmurava para si mesmo, como se tentasse convencer-se de algo.

Berial aceitou aquela sensação. O calor queimando seu corpo como fogo, passando por cada dedo do pé até o topo de sua cabeça. Aquela ardência doía, mas era bom, era tão com. A dor era boa. Se sentindo cada vez mais excitado, levantou a cabeça e gargalhou freneticamente.

Seu corpo já não queimava, não doía, mas a excitação ainda estava lá. Olhou para as suas mãos trêmulas, que outrora eram enrugadas, com a pele de um tom amarelo doentio, repleta de sardas, porém, não mais. Naquele instante sua pele era branca, lisa e perfeita. Então olhou diretamente para Bekiell. O mordomo o olhava espantado, com certa admiração em seus olhos. Ainda surpreso gaguejou:

– E-eu na-não acredito. Isso é incrível. Posso ver de onde vem sua fama. Então quando eu matar o grande Be- Um poderoso soco desferido por Berial, que ali chegara rápido e furtivamente, fez Bekiell dar dez passos para trás, enquanto sangue jorrava de seu nariz quebrado.

O mordomo encarou seu oponente com olhos estupefatos, enquanto que nos de seu inimigo refletia divertimento e crueldade.

Tão rápido que olhos comuns não poderiam acompanhar, Berial se moveu para frente de seu oponente, exibindo no rosto um sorriso malicioso. Bekiell tentou em vão esmurrar o homem a sua frente, pois este se esquivou e desferiu um golpe contra o abdômen que outrora parecia uma parede dura de músculos, e que naquele momento foi golpeada por um punho que quebrara aquela parede e que a fundou-se até as entranhas do pobre ser que enfrentava o golpeador.

O mordomo fora parar a metros dali. Bekiell tentou se levantar, conseguindo apenas ficar de joelhos, enquanto violentas tosses faziam-lhe jorrar sangue pela boca.

Enquanto seu oponente tinha espasmos de tosse, Berial se aproximou lentamente. No rosto já não exibia um sorriso malicioso. Sua face portava uma boca que sorria de uma ponta a outra, e que dela saiam gargalhadas em divertimento com o sofrimento alheio.

Os olhos do mordomo encontraram-se com os de seu oponente, que encontrou naqueles olhos prateados um pedido de misericórdia, uma súplica que a boca era orgulhosa de mais para pronunciar.

Bekiell era apegado à vida, compreendeu Berial, que gargalhou mais alto com a idéia de tirá-la. Será que aquela criatura infeliz que lhe suplicava com os olhos não entendia que sua vontade de viver aumentava a vontade de Berial de não permitir? Que sua anciã por misericórdia divertia o ser que desejava não conceder-lhe aquela compaixão? Não compreendia que sua miséria era tão engraçada?

Uma poderosa joelhada no queixo fez Bekiell ser jogado a metros de distância. O mordomo nem tentara levantar-se. Fitava o teto, no qual havia a reprodução de A Criação de Adão, de Michelangelo. Em seu olhar desfalecia a vontade de lutar, dando lugar à impotência diante daquela criatura que se aproximava rido de sua insignificância. Insignificância esta que lhe martelava a mente e feria-lhe o orgulho, causando uma ferida permanente em seu ego.

O mordomo observava o homem em seu quase tocar o dedo de Deus, quando um sorriso cruel e olhos que carregavam um brilho maldoso ocuparam seu campo de visão. O rosto de Berial pairava a sua frente, fitando-o como se fosse um animal encurralado, e naquele momento Bekiell sentiu que não era nada mais do que aquilo.

O rosto do mordomo estava brutalizado, o nariz quebrado de onde escorria sangue que se juntava com o que saia de um corte na boca inchada. Equimoses não muito aparentes começavam a se espalhar pela face violentada. Sua própria obra de arte naquele salão de obras primas. Berial sorriu ainda mais diante desse pensamento. Fitava os olhos cheios de uma dor além da física, quando compreendeu que sua obra não poderia ficar naquele salão se continuasse viva.

– Lembro-me que você gostava de arte- Sussurrava Berial ao ouvido do servente- Fique contente por juntar-se a elas.

A confusão passou pelos olhos de Bekiell quando o primeiro soco acertou-lhe o olho. Mais outro veio e outro, e mais um acertou o rosto já brutalizado.

A cada golpe desferido, a cada novo hematoma, ao sangue que jorrava aos montes, e a cada novo estalar de osso fraturado, a excitação e o prazer cresciam, percorriam cada centímetro do corpo de Berial. Este só conseguia pensar em como aquilo era bom e em como ele queria mais e mais forte, queria bater mais forte. Saciar o seu corpo do prazer que a dor lhe fazia sentir. Ele queria mais.

Parou de esmurrar o corpo estendendo no chão no chão quando sentiu uma mão agarrar o seu pescoço, como que para sufocá-lo. Olhou para o braço negro, trêmulo e sem forças que tentava tirar o ar que lhe passava pela garganta, mas Berial não sentia pressão alguma em sua traquéia. O braço mal tinha forças para manter-se erguido e muito menos para apertar a sua garganta.

Arqueou o pescoço para trás e riu histericamente, enquanto o braço negro, fraco débil caia inerte no chão.

Parou de rir, mas a risada ainda ecoava no imenso pavilhão quando fitou o rosto a frente, se é que poderia continuar chamando aquilo de rosto, que no momento era tão divergente a qualquer tipo de face. Berial mal via os olhos prateados, finos e inchados que afundavam em sua própria cavidade craniana. O nariz fora quebrado e se encontrava tão fragmentado em ossos diferentes, que já não tinha formato. A boca estava dilacerada, irreconhecível. Ainda havia hematomas e cortes em lugares diversos. E tinha o sangue, que jorrava por quase todo o rosto, escorrendo e formando uma poça vermelha, que mais parecia um espelho escarlate. Refletindo assim, uma gargalhada muda e sem fim, desprovida de sentimentalidade e sensatez. Rindo da dor e zelando para que ela atingisse seu zênite. Aquele espelho rubro ainda mostrava um olhar que beirava a insanidade, em vareio com a loucura, em declínio com a malevolência que se perdia em sua própria vanglória.

– Você está muito melhor assim- Comentou Berial enquanto levantava-se e ficava de pé- Sabe, estou pensando em deixá-lo viver, se é que você ainda não morreu. Bem, vou ter que conferir não é?

Berial pegou sua bengala e voltou para perto de sua vítima. Ergueu o utensílio que outrora servira apenas de apoio para as pernas bambas de um velho, e desferiu um golpe direcionado ao abdômen de Bekiell. O corpo do mordomo estava tão debilitado que não conseguia move-lo, nem mesmo mexer os olhos tão espancados que nada mais viam, nem mesmo respirar pelo nariz já sem formato. O único sinal de vida que conseguiu dar mediante a força e a dor de mais um golpe, foi soltar uma lufada de ar pela boca espancada, de onde também saia uma torrente de sangue. O ar fez o sangue borbulhar um pouco, fazendo parecer que o homem quase morto afogava-se vergonhosamente no próprio sangue. Talvez assim o fosse.

– Parece que você ainda consegue respirar. Você é bastante chato sabia? É tão, tão inútil. Você não serviu nem mesmo para me divertir- Dizia Berial enquanto girava a bengala nas mãos e andava ao redor do corpo estendido no chão, como um predador que observa sua presa- Sorte sua que você não é uma mulher, pois se assim o fosse, você poderia acabar com sua inutilidade e me divertir de outras... Maneiras. Mas você é um homem, e um fraco, aliás. Você é tão inútil!

Mas uma torrente de sangue escorreu pela boca de Bekiell quando Berial acertou novamente seu abdômen coma a bengala, um golpe mais forte que o anterior.

– Escute bem criança fraca. Eu vou deixá-lo viver porque matá-lo seria chato, você sequer oferece resistência. Não consegue mais implorar para viver ou gemer de dor, e matar alguém que não grita de dor é tão sem graça. Veja como você é patético, até para morrer você é inútil- Berial já não sorria mais, apenas olhava com desprezo o corpo inerte quando cuspiu em Bekiell.

Berial passou por cima do corpo do mordomo e continuou seu caminho no pavilhão adentro, quando se lembrou de algo e se virou, fitando o corpo do servente a alguns metros. Jogou sua bengala em direção ao corpo, atingindo a Bekiell na cabeça, que outrora fitava o teto. O impacto a forçou a virar para o lado, olhando agora a entrada do pavilhão, direção oposta a que Berial seguia.

– Se você conseguir sobreviver, vai precisar de algo para se apoiar quando for andar. Considere minha bengala como um presente.

Então, desviando a atenção do corpo, continuou a andar.

Ao fim do pavilhão, este se bifurcava em dois corredores. Berial seguiu pelo da direita. Um corredor estreito e em que uma das paredes era toda coberta por espelhos.

Enquanto andava era seguido pela imagem de um garoto de dezoito anos que trajava um smoking preto que outrora fora bastante elegante, porém as recentes manchas de sangue tiraram seu requinte. A cartola que usava por sobre os vastos cabelos ruivos era da mesma cor que o smoking, mas diferentemente deste, ainda conservava sua graça. Na face pálida do garoto, sobre os olhos escuros e cílios da mesma cor, havia algumas gotículas de sangue.

No passado, em todas as vezes que seguira por aquele mesmo corredor, Berial sustentava sua imagem de velho frágil, de corpo magro e corcunda, de uma cabeça calva de poucos fios brancos, de pele enrugada e olhos leitosos, de um velho enfermo. Nunca gostara dessa imagem, que a sua culpa o forçava a portar. Talvez por isso sempre tivesse antipatia por aqueles espelhos e o cômodo onde se encontravam, pois sempre o forçavam a ver o que não queria.

Naquele instante, quando vira seu reflexo de um jovem forte, de corpo robusto e esguio, de cabelos ruivos e vastos, de pele branca e lisa, de olhos negros que possuíam um brilho psicótico, de um jovem invicto e vigoroso, os espelhos não incomodavam tanto assim. Na verdade, Berial pensou que era até bom ver sua imagem em seu acme, onde ele não sentia culpa, apenas aquele estado de vacância que o impelia a procurar a procurar divertimento na dor.

Continuou caminhado, acompanhado pela imagem de sua magnificência. Parou em frente a uma luxuosa porta dupla de madeira, que como em tempos passados, abria à sua aproximação.

Berial adentrou em um amplo cômodo quadricular, tendo paredes elegantemente forradas por veludo de diferentes tons e o chão ainda de madeira polida. Do teto pendia um grande lustre de cristal e na parede paralela às portas duplas havia um enorme quadro de bordas douradas. Na tela continha uma representação da fachada da mansão. Mais adentro, na metade do cômodo, havia dois sofás estufados feitos de couro negros posicionados paralelos um ao outro. Entre os dois assentos se encontrava um tapete, no centro deste uma gravura de um cavalo marrom e musculoso, e seu cavaleiro, que usava apenas roupas de linho e um turbante, portava uma espada de formato adunco. As bordas da peça de arte eram vermelhas e douradas. Mais para perto do quadro havia uma escrivaninha de mogno escuro, que sustentava vários papéis e um abajur.

Berial sempre achara as paredes forradas de veludo uma extravagância. Foi até os sofás e sentou-se em um deles. Afundou no assento até se sentir confortável. Aqueles sofás lhe pareciam mais confortáveis nas últimas vezes em que sentara neles, provavelmente porque em todas às vezes era apenas para descansar suas pernas fracas e bambas, sua coluna curva e dolorida. Apenas para descansar seu velho corpo enfermo, mas naquele momento ele não tinha mais essa necessidade.

Ainda achava aquele cômodo bonito, sofisticado, apesar de tê-lo visto tantas vezes, perguntava-se com freqüência por que ele não perdia seu encanto. Foi olhando as paredes que o incomodavam, mas que nunca deixaram de roubar o seu olhar, que sentiu as memórias vindas. Não lhe agradava lembrar-se de momentos em que portava a aparência de um velho doente, não quando ele era como agora tão magnífico. Não obstante, deixou que as lembranças viessem junto com o sentimento de nostalgia de um dia mais quente que aquele, em que encontrara um garoto naquele cômodo.

***

Berial fora chamado a aquela sala para pegar um novo trabalho. Não sabia do que se tratava, nem uma única pista, apenas que seria algo diferente do que costumava fazer. Foi a rara curiosidade de um velho que o fez atravessar o corredor de espelhos que tanto o desagradava.

As portas se abriram à aproximação de seu andar coxo. Entrou na sala e encarou as paredes primeiro, como sempre fazia, tentando desvendar o mistério daquelas extremidades de sala que faziam do seu olhar prisioneiro, quando o incomodava tanto se encontrar em tal posição, porque ele, como amante da arte, sabia que aquelas paredes eram feias. O veludo deixava o cômodo sem janelas mais abafado e quente do que o normal, não que isso incomodasse Berial, ele gostava do calor.

– Achei que fosse demorar mais- Falou uma voz desagradável vinda de por trás da escrivaninha de mogno. A voz às vezes soava fina e outras grossa, aumentando o tom de algumas palavras, como se o estado do dono alternasse entre infância e puberdade- Sei que você não gosta dos espelhos.

– Então você muito bem poderia retirá-los.

– Creio que não. Eu gosto do meu reflexo.

Berial adorava a arte, inclusive escutar o que belas vozes tinham a lhe contar, mas naquele instante não era o caso. O descompasso da voz que lhe falava doía em seus ouvidos. Decidido a acabar logo com aquela conversa, foi direto ao ponto.

– Então, o trabalho, do que se trata?- Perguntou enquanto caminhava a um dos sofás de couro preto com anseio de descansar suas pernas doloridas.

O homem em pé atrás da escrivaninha fez um gesto com a mão e de trás do move de mogno saiu um garoto, que se moveu até ficar do lado direito do homem.

Berial avaliou o garoto negro que aparentava dez anos de idade. Notou por de baixo dos farrapos que o menino tinha um físico muito magro, com exclusão da barriga que parecia grande, dura e arredondada. Berial acreditava ser devido a lombrigas. Os lábios carnudos do garoto estavam cortados e inchados. Seu nariz afilado, que mostrava que o menino não tinha apenas parentesco africano, exibia vários cortes. Sua bochecha esquerda estava inchada, assim como um de seus olhos prateados. Apesar de estarem curtos, percebia-se que seus cabelos brancos eram lisos. Berial poderia apostar que nas costas do garoto havia marcas de chibata. Fazia pouco menos de uma década que a escravidão havia sido abolida nos Estados Unidos e ainda andavam por ai branco que se diziam ser patrulhadores de escravos e se julgavam no direito de espancar os negros. Berial sentiu pena do garoto por ter sido vítima desses brancos ignorantes.

– Um Refain?- Perguntou o velho que relaxava no sofá- Desde quando você está acolhendo eles? Achei que seu trabalho fosse fazer o inverso.

Espantado, o garoto negro esbulhou o único olho que conseguia mexer quando Berial terminou de falar. Então, lentamente virou a cabeça e encarou assustado o homem ao seu lado.

– Não desta vez. O garoto será seu.

– O que?!- Pegou a bengala que deixou apoiada no sofá, e se pôs a levantar- Pare de brincar.

– Não estou brincando- O homem falou em sua voz estranha e distorcida, enquanto ia para trás da escrivaninha e sentava-se na cadeira que ali estava- Você ira cuidar dele. O garoto é sua propriedade a partir de agora.

– Eu não sei cuidar de coisas, você sabe disso. A única coisa que sei fazer é matar, e isso também é de seu conhecimento.

– É exatamente isso que eu quero que você faça.

De esguelha, Berial viu o garoto dar alguns passos frouxos para trás, até que suas costas encontraram o veludo e seu corpo escorregou parede abaixo para então sentar-se no chão em posição fetal. O menino choramingava sem fazer ruído. Provavelmente devido às circunstâncias a que fora submetido durante sua vida até ali, aprendera a chorar sem fazer barulho, para não chamar atenção para si mesmo. Foi o que Berial supôs.

– Você quer que eu mate o menino?- Indagou o velho, quebrando o silêncio que a falta de som do choro do garoto produzia.

– Não. Eu quero que você o ensine a matar.

O choro que não fazia barulho parou quando o menino levantou seu rosto e fitou Berial com seu único olho que estava apito para enxergar.

Viu surpresa, assim como uma centelha de esperança naquele único olho. Talvez o garoto esperasse poder vingar-se daqueles que o maltrataram.

Berial estava prestes a recusar quando parou por um momento para pensar. Aquele era um pedido estranho, normalmente lhe era pedido para matar algumas pessoas e coletar suas almas, rápido e simples. Mas treinar uma criança na arte de matar era algo totalmente diferente. Talvez o homem pretendesse destituí-lo de seu cargo e colocar o garoto no lugar. Não, pensava Berial, o menino era um Refain e eles viviam pouco para o tempo de trabalho que seu cargo exigia. Além disso, ainda tinha uma dívida para com aquele homem, então duvidava que este fosse privá-lo da oportunidade de pagar tal dívida, para infelicidade do velho. O que aquele homem planejava? Berial queria descobrir. Talvez pudesse suborná-lo a tirar seu débito depois que descobrisse o plano, para então matá-lo. Não podia simplesmente perguntar qual era a intenção dele para com o garoto, o homem podia desconfiar de suas indagações. Portanto, decidiu por treinar o menino, assim poderia descobrir as intenções do homem.

– Tem certeza de que quer isso? Ele é um Refain, sabe que não vai durar muito tempo- Falou Berial.

– Eu sei muito bem disso, ainda sim quero que você faça o que lhe pedi- Confirmou com sua voz desprovida de qualquer beldade, que zurziam os ouvidos do velho.

– Então irei treinar o garoto. Que você saiba que essa também é uma forma de pagar minha dívida com você, Mamon.

O homem apenas acenou com a cabeça.

Berial voltou-se para o menino que o encarava intensamente.

– Venha. Primeiro vamos encontrar alguma roupa decente para você- Falou enquanto andava em direção as portas duplas, sem se preocupar em checar se o garoto o seguia- Deve haver algum terno e um robe de chambre nessa mansão que caiba em você.

Escutou passos soarem no assoalho.

– Quantos anos você tem?- Berial perguntou, já atravessando as portas e entrando no corredor que detestava.

– Sete, senhor- O menino tinha a voz bastante rouca, como alguém que não fala a muito tempo. O velho se perguntou com qual freqüência era permitido ao garoto falar sem ser espancado. Ele era mais alto do que sua idade aparentava.

“Mas é claro, o menino é um Refain afinal de contas” Pensara Berial.

Enquanto seguia por entre o corredor, vislumbrou o reflexo do negro e de sua barriga volumosa enquanto todo o resto do corpo era cadavérico.

– Temos que nos livrar de suas lombrigas.

O garoto apenas assentiu e continuou andando olhando para o chão.

– Qual o seu nome?

– Bekiell, senhor.

***

Berial afastou os olhos da parede assim como de sua lembrança. Irritou-se consigo mesmo por permitir que aquela memória lhe viesse à cabeça. Ele estava tão feio, assim como aquela criança xexelenta que andara ao seu lado, aquele garoto valetudinário que só aumentava a feiúra que o acompanhava.

Mais uma vez seu olhar repousou na parede e ele começou a pensar, mas então se levantou e começou a zanzar pela sala, como tentativa de evitar ser vítima daquela parede desagradável e de suas lembranças.

– Você não costumava ser tão inquieto assim- A voz veio das portas duplas que se abriam. A voz era desprazerosa, soava fina e então engrossava em algumas palavras, as quais tinham seu tom aumentado. Era tão feia aquela voz, Berial pensava- E certamente era mais feio.

Berial virou-se e viu um homem atarracado passar pelas portas. O jaleco que usava era visivelmente adulterado para lhe caber, o tamanho fora diminuído enquanto a vestimenta continuava larga para caber sua barriga, que se espremia dentro da blusa social azul que usava.

O homem se dirigiu a um dos sofás e fitou o acento por alguns segundos ates de decidir-se por sentar.

A beleza do cômodo entrava em contraste com a feiúra exibida por seu dono. A pele branca e cheia de manchas era um insulto ao chão imaculado de madeira recém polida. A boca tão fina que parecia apenas um corte no rosto incrivelmente redondo era um desenho feio e inacabado, que acentuava a beleza da detalhada pintura da fachada da mansão. O nariz adunco se assemelhava ao formato curvo da espada do cavaleiro retratado no tapete, porém sem a beleza e a glória deste. Os olhos puxados, negros e miúdos eram tão opacos que intensificavam o brilho do lustre de cristal. Os cabelos negros, oleosos e ensebados eram repartidos no meio, e diferentemente das paredes de veludo que atraiam o olhar, aqueles cabelos sebentos causavam repulsa. Berial nunca soubera dizer em quê aquele homem gostava em seu reflexo, nem como suportava ver-se toda vez que fosse aquele cômodo.

– Você, por outro lado, continua tão feio quanto me lembro.

O homem se levantou. Os seus sapatos sociais marrons estufados, devido aos pés gordos que o calçavam, fizeram leves ruídos no assoalho ao andar a passos lentos em direção a Berial.

– Até sua voz está mais agradável, diferente daquela sua antiga voz arrastada e feia quanto à morte. Você bem que poderia sê-la, aquele seu corpo parecia tão velho quanto ela. Você era tão cheio de enfermidades e fedia a morte. Era tão, tão feio- O homem sorria de satisfação.

Berial reconhecia que sua aparência velha era feia, mas não gostava de lembrar e odiava quando outras pessoas ressaltavam sua antiga aparência, principalmente aquele homem. Mamon não tinha o direito de falar o que quer que fosse de sua aparência, não quando ele próprio era tão feio, tendo o rosto da ganância e a voz da inconstância.

Lembrou-se que não precisava mais ver aquela imagem horrível e ouvir aquela voz desfigurada. Então, não fazia sentido deixar com que o dono daquela visão tortuosa continuasse a falar.

Berial deu um passo à frente, para se aproximar mais do pequeno homem que o olhava coma cabeça erguida. Em um segundo deu para ver apenas um leve movimento do braço, no outro, a mão de Berial já estava aplicando um golpe na jugular de Mamon, que caiu por suas próprias pernas, inconsciente.

Pegou o homem gordo caído no chão, o levantou sem maiores esforços e o colocou estendido em cima da escrivaninha de mogno, que surpreendentemente agüentou o peso que lhe posto.

Berial tirou a cartola da cabeça vasta de cabelos ruivos e passou por entre a cabeleira, desarrumando-os um pouco. Colocou sua branca e fina mão dentro da cartola. Sentiu seus dedos passarem pelo fino vel que vinha carregado de uma súbita sensação gélida. Continuou tateando aquele vácuo até encontrar o que procurava. Retirou sua mão da cartola assim como quatro algemas, que usou para prender os pés e as mãos do homem na escrivaninha. Da cartola também tirou um conjunto de adagas de diferentes tamanhos e formatos.

Rasgou as roupas que Mamon usava, deixando-o nu, exibindo sua gordura e a pele manchada e cheia de pelos grossos e retorcidos.

Berial sentiu o corpo pegar fogo, tremer e sua masculinidade enrijecer. Ah, se o corpo a sua frente fosse o de uma mulher... Mas não era, porém, isso não tirava o divertimento do que iria fazer. Decidiu se entregar a seus prazeres carnais, afinal, por que havia de negá-los?

Mais uma vez sentiu seu corpo queimar, como fogo líquido passando por suas veias, fazendo-o sentir dor, uma dor tão prazerosa que o fez gemer por alguns instantes. Então, sentiu seu corpo transforma-se uma vez mais.

Foi até a cadeira localizada atrás da escrivaninha e subiu nela, ficando em pé com suas pernas de criança. Olhou para as próprias mãos pequenas e braços finos, que eram cobertos pelas mangas do smoking que encolhera junto ao seu corpo. A vestimenta estava tão pequena que caberia apenas em uma criança de seis anos.

Berial olhou para o corpo do homem que só lhe era possível ver porque estava em cima da cadeira. Decidiu começar a brincar. A partir daquele momento ele seria um grande cavaleiro, honrado em todas as canções e conhecido por todo o reino. A ele foi dado à missão, pelo rei, de encontrar o grande Mago Negro, capturá-lo e conseguir as respostas que o rei desejava.

– Acorde grande Mago!- Gritou Berial quando, com sua pequena e fina mão, detentas de grande força, esmurrou a barriga do homem. As banhas oscilaram como ondas formadas no mar.

Em um ataque de tosses, Mamon levantou-se de um sobressalto, mas logo foi puxado pelas correntes que o prendiam de volta a escrivaninha. O homem olhou ao redor, perplexo e um tanto admirado quando viu ao seu lado uma criança por sobe uma cadeira.

– Você é uma caixinha de surpresas- Sussurrou.

Aquela voz ainda lhe incomodava os ouvidos, não o deixava se concentrar, quebrando algum pedacinho de seu mundo imaginário. Provavelmente era alguma magia. Ele precisava achar algum jeito de se proteger e concluir a missão que o rei lhe dera.

– Pare de usar suas hediondas bruxarias em mim! Suas magias não iram funcionar em mim, o renomado cavaleiro do rei!

Surpreso com a explosão súbita do menino, por sobre a monocelha grossa e preta, os olhos miúdos estudavam a criança que se autoproclamava cavaleiro em seu mundo de faz de conta.

– Mas que porra é essa? Pare de brincar.

Berial odiava quando as pessoas não participavam de sua brincadeira. Estava sempre jogando sozinho, salvo uma única vez, em que uma garota brincara com ele, fazendo parte de seu jogo, ou ele que fizera parte do dela, não sabia ao certo. Na verdade, nem sabia dessa tal garota até lembrar-se dela naquele momento. Uma garota cujo nome não sabia e aparência desconhecia.

– Não é uma brincadeira. Eu conheço sua natureza Mago Negro, sua magia de voz não ira funcionar comigo- Disse a criança, enquanto pegava uma adaga de lâmina xifóide de um palmo e meio- A única maneira de acabar com sua magia é lhe enfraquecer.

Berial esfaqueou diversas vezes a camada de gordura exposta. Mamon urrou de dor enquanto poças de sangue se formavam ao seu redor. A criança sorriu, exibindo pequenos dentes brancos, com o prazer que aquilo o fazia sentir. Até mesmo na dor aquela voz continha aquela dualidade, que fazia parecer que duas vozes gritavam, entrelaçando-as uma a outra.

Mamon parou de gritar e arfava pesadamente. Gotículas de suor se formavam em sua testa quando moveu os olhos lentamente para encontrar os de Berial, que exibiam a loucura como o carrasco da dor, o deleite por ser o ouvinte das confissões dos desesperados, e desdém direcionado a aquele corpo feio, veloso e hediondo. O sorriso ostentava claramente seu prazer lúdico.

– Escute, diga a Persona que- Mamon fora bruscamente interrompido quando, mais uma vez, a lâmina de da adaga era afundada em suas entranhas. Sendo que desta vez, Berial girava a lâmina no buraco já aberto. O homem urrava e a criança grita por cima de seus berros:

– Não diga o nome do meu mestre! Não figa o nome de ninguém enquanto eu estiver brincando com você, entendeu? Você é meu brinquedo, meu! Meus brinquedos só amam a mim. Se você amar qualquer outro dono, será castigado!- Então apunhalou mais uma vez o gordo, como que para confirmar o que dissera.

– Você é louco!- Gritou o homem por entre as lufadas de ar que tentava empurra para seu corpo adentro e o sangue que tentava sair dele- Você é feio e sempre continuara sendo. E eu não falo só da aparência.

Berial não se importou com que o homem dizia. Sua aparência era adorável e ele sabia. Provavelmente aquelas palavras eram apenas a tentativa do Mago de desviá-lo da missão dada pelo rei.

– Pare com suas tentativas de desviar-me da missão- Mamon o olhou confuso. O mago realmente sabia fingir, ele não deve ter ganhado sua reputação a toa, desconfiava Berial- Por que você mandou matar a princesa?

– O que?!

– Por que você mandou seu servo do mal matar a princesa?

– Mas de que porra de princesa você esta falando?!

Com as costas da mão, Berial bateu no rosto do homem. O estalar soou no cômodo silencioso.

– Pare com seus truques, Mago- A criança olhava para o gordo nu com tamanho desdém, como alguém que olha a carcaça de um animal a beira da estrada. Confuso, Mamon olhou para Berial por alguns segundos.

– Suponho que esteja falando do garoto- Murmurou. Como a criança não gritou coisas sem sentido ou o apunhalou, o homem assumiu que sua suposição estava certa- Então é realmente o garoto...

– Então você admite ter matado a princesa.

O homem ficou em silêncio, olhando fixamente o lustre de cristal a cima de sua cabeça. Algumas das pedras de vidro, as mais baixas, refletiam em suas partes simétricas o escarlate do sangue.

– Por que você mandou matar a princesa?- Interrogou novamente. O homem continuou em silêncio, ainda fitando o brilho rubro nas contas de cristal. Um sorriso inocente tomava o rosto de Berial. Ele não estava esperando o Mago falar tudo por pura espontânea vontade, mas fora por isso que foi incumbido a ele, o mais bonito e poderoso cavaleiro do reino, extrair as respostas do Mago- Entendo. Terei de usar os meus truques em você.

Mamon virou os olhos assustados para a criança que pegava uma adaga menor e de lâmina mais fina do quê a que usara outrora.

Um sorriso ingênuo estampava o rosto infantil de Berial quando começou a cantar com sua voz doce e encantadora.

– “A dona aranha- Cantava enquanto desenhava, com a adaga, uma aranha, rasgando a pele do corpo nu a sua frente- Subiu pela parede- Fez um grande corte paralelo as patas ensangüentadas da aranha- Veio a chuva forte- Fez diversos cortes menores ao redor da aranha, de onde escorreram gotas como uma chuva de sangue, que como um lamento escorria pelo corpo lentamente, carregando dor e desespero, até atingir sua venérea presa. A aranha, cujo os cortes de que era feita também escorriam sangue, se juntou a aquela chuva rubra, que foi caindo, caindo, como tinta molhada, até se aglomerar ao redor do corpo do homem que urrava- E a derrubou”- Então apunhalou profundamente e diversas vezes o lugar em que outrora a aranha subia a parede. Era a décima quinta vez que iria enfiar a adaga no estômago do homem, quando gotas de sangue espirraram em seu rosto e Mamon gritou palavras.

– Foi um trabalho, um trabalho!

Berial parou no meio da décima sexta vez.

– O que disse?

– Foi um cliente- O homem arfava rapidamente, respirando tanto quanto sua dor permitia- Ele pediu para matar o garoto e foi bem específico quanto à arma. Você sabe como é que funciona, eu trabalho para quem paga mais.

Berial não se importou muito com o que Mamon lhe dizia, não ligava para o que aquelas palavras significavam. Deixaria aquela informação para seu mestre interpretar e calcular quais os danos que o tal cliente, seja lá o que isso fosse, poderia causar ao plano, porque naquele momento Berial só queria brincar. Não obstante, assentiu para o homem, como se já absorvesse tudo o que aquela informação poderia indicar, porque era isso que os adultos esperavam que as crianças fizessem quando lhe falavam algo importante.

Cansara de ser cavaleiro, afinal, estes tinha que ser inteligentes, astutos. Naquele momento ele seria um pirata. O melhor e mais bonito pirata do Barba Negra, que teve seu tesouro roubado por um ladrão, gatuno este que está na sua cabine de navio para ser interrogado.

–Quem lhe mandou roubar o tesouro do grande Barba Negra?

Mamon o olhou confuso.

– Você está falando da princesa, suponho- Falou relutante.

– Não, seu ladrão burro que não vale nem metade de um barriu de cerveja. Estou falando do tesouro.

– Você quer saber qual foi o cliente?

– Sim- A criança confirmou, embora não soubesse o fosse “cliente”, pois os adultos não gostavam quando as crianças não entendiam o que lhe eram dito. Portanto assentiu.

– Ele me pagou por sigilo.

Berial já esperava por isso. Já interrogara ladrões antes e eles eram todos iguais, não resistiam aos seus truques de pirata.

Tirou a cartola da pequena cabeça e enfiou a mão fina, a procura de algo, dentro do vel que só lhe era possível passar através da cartola. De dentro desta começou a puxar algo para fora. Primeiro uma espécie de gancho de metal, segundo uma corrente de mesmo material e por fim uma espécie de roldana bastante grossa.

Prendeu o gancho em uma das extremidades da corrente. Em seguida enrolou a corrente na roldana, que prendeu no lustre de cristal.

Puxou a extremidade da corrente que tinha o gancho e lentamente o inseriu, através dos cortes feitos pelas diversas apunhaladas, no intestino delgado de Mamon, que durante todo o processo se debateu na escrivaninha, forçando as algemas que o prendiam. Já Berial, sorria com todas as etapas.

– Você vai gostar disso. As pessoas adoravam quando eu fazia isso na época da inquisição.

A criança segurou a outra extremidade da corrente, que estava do lado oposto à parte do gancho na roldana. Então devagar, começou a puxar.

O homem gritava de dor quando seu intestino delgado começou a ser erguido lentamente.

– Pare! Eu digo quem foi- Gritou em desespero.

– Não estou ouvindo, as ondas estão fazendo muito barulho- Disse a criança, que continuou a puxar a acorrente, sentindo deleite ao ouvir os gritos de dor e ver as lágrimas de horror jorrar aos montes dos olhos agora esbugalhados de Mamon.

O cheiro férrico de sangue maculou o ar. O odor agradava Berial e aumentava seu prazer hediondo e eloqüente.

– Pare! Por favor, pare!- Chorava desesperadamente.

A criança soltou a corrente, devolvendo o intestino a seu devido lugar.

– Então diga quem é esse tal cliente.

Mamon chorava e gemia enquanto sangue espalhava e escorria por todo o seu corpo nu. Ele tentava violentamente empurrar lufadas de ar seu corpo adentro, quando este pequeno esforço lhe causava tanta dor. Berial pegou mais uma vez na corrente.

– Não, espere!

– Diga o nome de quem lhe mandou roubar o tesouro- Informou a criança, ainda com a mão na corrente, porém sem puxá-la.

O homem o olhou com um ódio profano antes de responder.

“Esse ladrão nunca mais pensará em roubar de Barba Negra” Pensou Berial.

– Mephisto- Respondeu a contragosto.

De repente, a criança não queria mais brincar.

A roldana se desprendera do lustre e caiu em cima do pé de Berial, que olhou com desprezo o objeto de metal que lhe causava um pouco de dor. A criança se agachou, pegou a roldana e a atirou do outro lado da sala.

– Foi sua culpa ter caído em cima de mim- Dizia para o objeto que arremessara- Sua coisa burra. Não quero algo que não consegue ver meu pé.

Voltou seu olhar para o homem nu, que parecia aliviado por a roldana ter sido arremessada.

Berial não gostou do nome do cliente- começara a entender o que aquela palavra significava- só de pensar, lhe causava calafrios. Não queria mais brincar, queria ir para casa.

Pegou a adaga de lâmina fina e se aproximou mais da cabeça de Mamon.

– O que você vai fazer? Eu já disse tudo que você queria saber!- Gritou o homem desesperado, temendo o lhe seria feito.

Invés de responder, Berial começou a cantar com sua voz doce e infantil.

– “Boi, boi, boi- Cantarolava enquanto colocava a lâmina no pescoço gordo e cheio de banhas do homem e a cortava horizontalmente, logo abaixo queixo- Boi da cara preta- O sangue jorrou instantaneamente, como cascatas de água que borbulhavam todas as vezes que Mamon tentava respirar, fazendo ruídos e gemidos enquanto se afogava no próprio sangue. A criança pôs a mão dentro do corte e a enfiou mais profundamente, tateando em busca de algo. Sentiu o sangue denso e viscoso. Sua mão escorregava quando passava os dedos pelos músculos vermelhos e inchados, pelas glândulas pequenas e escorregadias. Sentiu-se tentado a agarrar as cartilagens e as forçar para fora, mas não, ele estava à procura de outra coisa, quando a encontrou, segurou-a firmemente- Pega essa menina que tem medo de careta”- Pelo orifício do corte, a criança deslocou a língua de sua vítima para o lado de fora da garganta. A enorme língua escura e inchada, que era banhada por uma torrente de sangue, parecia uma gravata exótica e ludibriadora. O menino olhou para o rosto ensangüentado do homem, para a boca escancarada em um grito de dor que não tivera tempo para ser emitido. Fitou os olhos esbugalhados que neles estava cristalizado o seu último momento de dor e horror.

–Gostei da gravata- Sussurrou a criança, que se afastou do corpo morto, terminando seu último ato de diversão.

Berial cainhava em direção as portas duplas, quando uma semente de culpa começava a desabrochar em seu interior. Ele não precisava ter matado aquele corpo. Ele já tinha conseguido as respostas que precisava, então por que fizera aquilo? Por que ele era tão mal? Por quê? Provavelmente foi por ele ter sido uma criança cruel que seu pai o abandonou. Seu pai não o amou porque ele era uma criança má. Odiou seu pai por não tê-lo amado. Odiou a si mesmo por ter odiado o pai.

Sentiu as pernas que outrora foram jovens e cheias de energia ficarem maiores e doloridas. Sentiu as mãos firmes ficarem esqueléticas e trêmulas, os cabelos ruivos e vastos caírem e deixá-lo calvo. Sentiu-se ficar corcunda devido ao peso que a culpa que carregava nas costas o impelia a adotar.

Quando passou pelo corredor de espelhos, já não era um jovem magnífico ou uma criança saudável e bela. Era um velho inválido e desajeitado.

Berial caminhava tão depressa quanto suas pernas doloridas o permitiam. Mas não corria de seu próprio reflexo, pois aceitava o castigo que impusera a si mesmo por ser mal. Corria porque queria chegar logo em casa, ele não poderia se atrasar estava quase na hora do chá.


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Notas finais do capítulo

Então, o que acharam? por favor comentem, tenham a bondade de fazer um escritor feliz :)



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