Eu observava as crianças correndo pelas casas, conseguia ouvir seus gritos de felicidade quando recebiam seus doces mesmo distante como estava, escondido para observar minhas vítimas. 

A noite havia caído á pouco tempo, o céu ainda estava riscado com linhas irregulares de rosa onde a luz do sol se recusava á ir embora. Mal o dia havia escurecido, crianças e mais crianças correram de suas casas com suas fantasias extravagantes para assustar e brincar com a vizinhança. Bruxas, fantasmas e esqueletos saltitavam divertidas pelas ruas, carregando suas sacoles alaranjadas em forma de abóbora para a próxima casa. 

Na minha opinião, essa brincadeira era extremamente idiota. Fantasiar os pequenos de coisas medonhas para roubar doces ou fazer travessuras com as pessoas não era certo; ou melhor, se era para se transformar em um monstro, que fizessem com que elas realmente parecessem algo assustador como esses seres são contados nas histórias, não com purpurinas e tecidos coloridos. Isso feria o orgulho de nós, os verdadeiros pesadelos. 

Porém, acabando com nossa imagem ou não, isso realmente facilitava nossa vida, ou pelo menos a minha. Era bem mais fácil andar tranquilamente á noite escolhendo meus próximos alvos quando todos estavam fantasiados, assim ninguém reparava em mim, só pensava que minha maquiagem estava extremamente bem feita.

Mesmo com essa facilidade, eu prefiria não mostrar-me tanto para as pessoas. Nunca se sabe quando um parente de minhas antigas vítmas poderia me reconhecer, ou mesmo que alguém poderia perceber que meu rosto estava muito bem ocultado para sua ausência ser mera maquiagem. 

Observei da árvore afastada onde me escondia uma mãe andando com sua filha pequena pela calçada, a garota tinha longos cabelos, tão loiros que eram quase brancos, como os da mãe, porém esta tinha eles cortados bem curto. A menina estava fantasiada de uma bruxinha extremamente dócil, com seu vestio cor de rosa e seu longo chapéu pontudo preto. Ela segurava a mão da mãe enquanto as duas se aproximavam de mais uma casa. 

No mesmo momento percebi que essa seria minha vítima. Além de ter despertado minha atenção por ser tão graciosa, a mãe parecia ser superprotetora com a garota, sempre olhando para certificar que ela estava junto consigo, mesmo que estivesse segurando sua mão. Era isso que eu gostava, quebrar com a segurança que os pais tentavam dar para seus filhos, mostrar que nem mesmo a maior proteção que eles poderiam dar poderia me afugentar.

Atravessei a rua rapidamente, aproximando-me da casa em que as duas esperavam para ser atendidas. Escondi-me atrás de outra árvore que se encontrava perto do jardim da casa, longe da vista de todos. 

- Olha mamãe... - disse a garota, puxando o braço da mãe. Ela havia me notado, porém eu não me importava, seria até mais fácil assim. 

- Agora não, Linda - disse a mulher, apertando novamente a campainha da casa em que estavam. 

A garotinha continuou a me encarar, curiosa com o ser esquelético que a observava. Levantei a mão e acenei para ela. A garota sorriu e cumprimentou-me de volta. Fiz um sinal com a mão novamente, para que ela se aproximasse, a menina no mesmo momento soltou a mãe e veio ao meu encontro. A mulher que a acompanhava estava absorta demais na conversa com a pessoa que atendera a porta para perceber que a filha sumira. Bela proteção que ela dava. 

Enquanto a bruxinha se aproximava olhei para trás. Para minha sorte, não muito distante dali havia um pequeno bosque com árvores altas, não era uma floresta como eu gostaria, mas seria o suficiente para mim. Se eu pudesse, estaria sorrindo por ver meu plano se realizando tão facilmente. 

- Olá - ouvi a garotinha dizer, numa voz adorável. Ah, eu adorava vozes de crianças - Como vai?

Olhei para a garota, certifiquei-me de que eu estava completamente invisível em meu esconderijo para as outras pessoas e para a mãe da menina, e comecei a rodear meus longos braços em volta de seu corpo frágil. 

- Por que você não tem rosto? - ela perguntou.

Queria avisar a mãe dela para contar algumas lendas para ela ás vezes, assim ela não teria caído tão facilmente na minha armadilha, mas era tarde demais. 

Assim que meus braços estavam firmes em volta dela, comecei a correr com ela em direção ao pequeno bosque, ao meu abrigo. Percebi o olhar da garota mudar de curiosidade para pânico em instantes, ela tentou se debater, porém eu a segurava forte para que nada acontecesse, e sua força era muito pequena para mim; ela tentou gritar, mas seu pedido de socorro foi abafado pela minha mão pálida. Esperava que ela houvesse pegado bastantes doces aquele dia, haviam sido os últimos que ela havia conseguido. 

Seu chapéu infantil caiu durante sua pequena luta, e essa foi a única evidência que tiveram da menina de cabelos tão lindos, que nunca mais foi encontrada depois daquele dia.