Vongola Sky escrita por Selene L Tuguert


Capítulo 9
Arco Novo Céu - parte 1


Notas iniciais do capítulo

Minna-san, estou de volta iniciando o segundo Arco da estória ^^
Primeiramente eu quero agradecer pelas recomendações que a fic ganhou - eu tinha esquecido de mencionar isso antes x.x - Eu fiquei muiiiiiiito feliz ao ler cada uma delas!!!!
Em seguida, peço desculpas pelo atraso em responder os coments, mas além de voltar as aulas na faculdade, eu também comecei a trabalhar, então meu tempo ficou menor. Porém, mesmo demorando, saibam que vou respondê-los, então, por favor, não deixem de falar suas opiniões por conta de meus atrasos Ç.Ç
Agora preciso avisar que: Eu chorei tanto enquanto escrevia esse cap. que mais da metade dele eu não consegui usar meu óculos porque era difícil secar as lágrimas com ele. (T^T)
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Então, sugestão de música - eu demorei vários dias para descobrir quem canta, e este é o melhor vídeo que achei ¬¬ (a letra tem tudo a ver com a trama) e eu ia indicar outro vídeo, mas ele corta o clima da fic, então vou deixar para postar no novo cap. de Cielo!
http://www.youtube.com/watch?v=LRIuwKDqs0E (Angela Aki - Moral no Soushiki)
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Sem mais enrolação, KHR pertence a Akira Amano-sensei, apenas o enredo é meu.
Enjoy!



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CIEL MOLIÈRE

“A recordação da felicidade já não é felicidade;

a recordação da dor ainda é dor.”

G.G. Byron

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Liberando um suspiro pesado, Dino lança o olhar para o céu, desde que seu irmãozinho os deixou, incontáveis são às vezes em que se pega admirando-o. Tsuna costumava dizer que o outro céu de alguma forma gostava de espelhar suas emoções mais intensas, e o Don Cavallone por vezes encontrou-se concordando com tal afirmação, afinal nos dias que antecederam a sua morte, mesmo sendo primavera, o clima era mais escuro do que o habitual. Porém, naquele dia mesmo esse céu se escondeu deles, deixando a terra ser violentamente banhada pela pesada chuva, enquanto os raios rasgavam tudo em uma fúria incontida, era como se a natureza estivesse compartilhando dos sentimentos que os tem afogado nos últimos três anos. E, no entanto, hoje o céu parece uma vez mais ignorar seus estados de espírito completamente, como o puro e belo manto ensolarado cobrindo tudo sugere.

O loiro se contrai ligeiramente quando os eventos anteriores passam diante dos seus olhos. Ele já pode imaginar as reações dos Guardiões e certamente será ainda pior do que a dele ao vê-lo. Ainda assim uma parte do Don Cavallone, sem dúvidas a menos racional dele, de alguma forma anseia por outro encontro, mesmo sabendo que seu coração vai sangrar devido às cicatrizes não totalmente curadas se abrindo novamente ao repetir a experiência dolorosa.

— Boss, não vamos entrar? – indaga Romario, lançando um olhar para o seu chefe ainda um pouco pálido sentado no banco de trás; o choque não havia se dissipado completamente apesar de quase duas horas terem se passado desde o encontro, afinal mesmo ele ainda estava um tanto abalado, que se dirá do loiro que sempre foi ligado ao jovem Don Vongola.

— Não, Romario. Nós vamos para casa. Já cumprimos nossa missão aqui. Além disso, este é um momento delicado, será melhor para todos se não houverem outras pessoas presente durante este primeiro contato. Já vai ser doloroso o bastante sem interferirmos. – responde Dino, com uma expressão pesarosa em sua bela face – Reborn tem uma forma nada sutil de passar suas lições. – acrescenta em um fio de voz, lançando um último olhar para a mansão antes do carro partir, deixando a construção sombria para trás; lá dentro o caos está para começar.

Eles sabiam da chegada repentina do novo Céu. E até o instante em que as portas se abriram, eles estavam prontos para rechaçar o infeliz que irá usurpar o lugar do seu Céu. Prontos para expressar todo o seu desprezo deixando desde o início suas posições bem claras diante desse Céu falso. Ele não é bem-vindo. Eles não estão dispostos à aceita-lo. Independentemente do que ocorreu no passado, sua lealdade é apenas para o Décimo e isso é algo imutável. Mas nada os preparou para a visão diante dos seus olhos. Nada preparou seus corações para este encontro. Ali, de pé diante de seus olhos arregalados, expressões chocadas e corpos congelados é uma cópia tão dolorosamente semelhante ao seu falecido Céu, que por um momento, um único segundo radiante todos esquecem que o Decimo Vongola não existe mais neste mundo. Seus corações feridos não são capazes de impedir a centelha de esperança e alegria que começa a borbulhar em seus peitos.

Três longos e malditos anos se passaram desde aquele dia. Três anos em que constantemente eles rogaram a qualquer divindade que habita as alturas para que devolvesse seu precioso Céu. Três anos que eles imploram por perdão. E pelo mesmo espaço de tempo, eles não foram atendidos e suas frágeis esperanças infundadas se esvaíram, da mesma forma que os laços que os uniam se partiram. Mas ali, diante deles é um rosto que eles perderam tanto. Oh, como eles sonharam com um momento assim. Vê-lo. Ouvi-lo. Toca-lo. Sentir que ele é real. Sim, eles fariam qualquer coisa para tê-lo de volta. Para serem uma família novamente. Para rirem juntos, ter refeições malucas e discussões barulhentas. Para assistirem juntos os fogos outra vez. Eles podem sentir o vazio em seus peitos começando a ser preenchido pelo calor reconfortante que há tanto eles perderam. Alegria. Esperança. Felicidade. São todas emoções que juntas não são capazes de expressar o que eles sentem inundando seus corações feridos pela longa ausência e pelo maldito peso de suas culpas.

Chrome ignora suas pernas fraquejando e as lágrimas reunindo-se e embaçando seu olho visível, ela tem medo de piscar e seu gentil Céu desaparecer novamente, diluir-se no ar como no sonho de Lambo, da mesma forma que a própria névoa que usa em suas ilusões, ela não suportaria esta dor outra vez. Ryohei sente toda a energia que transbordava do seu corpo instantes antes evaporar completamente, ele se torna incapaz até mesmo de mover os lábios, ainda assim o boxeador não se importa, ele não se sente tão vivo, tão vibrante desde aquele dia nada extremo. A mão de Yamamoto, antes firme sobre a alça que mantém Shigure Kintoki sobre seu ombro, pende molemente do lado do seu corpo, seus orbes caramelo permanecem arregalados, sua garganta apertada dolorosamente, seu coração parece querer deixar seu peito com a força com que bate em sua caixa torácica. Quanto a Hayato, ele permanece congelado. Seus olhos verde-cinzentos marejados encaram estupidamente a face que ele tão amargamente perdeu, seus pulmões suplicam por ar enquanto ele mal registra o fato de ter prendido a respiração, sua mente está completamente branca, em seu peito a esperança parece ter engolido toda e qualquer outra emoção que sentia. Talvez... Apenas talvez... Eles tenham sido perdoados. E os dias escuros e sem vida tenham finalmente acabado, porque seu precioso e amado Céu voltou para eles.

— Ciel, estes são alguns dos Guardiões da Décima Geração.

A voz de Reborn rasga o breve silêncio que se instalou no momento em que as portas duplas da mansão se abriram, a sentença do Arcobaleno parece finalmente estalar todos de volta a realidade - mesmo os poucos empregados presentes no hall, escolhidos a dedo por Lorenzi, possuem um olhar de puro choque estampado em suas faces pálidas. É como se todos estivessem diante de um fantasma.

— O Trovão você já sabe o motivo da ausência. Hibari você já conhece, e quanto a Mukuro. Bem, não importa. Se tiver sorte você não terá de encontra-lo. O restante da Famiglia será introduzido em seu devido tempo. – prossegue o Arcobaleno, como se não tivesse simplesmente descartado um dos membros da família, ignorando completamente o estado dos quatro Guardiões alguns passos atrás dele, enquanto Ciel não pisca mesmo um cílio com o comentário estranho – Vou deixar que se apresentem por conta própria. – completa, com um brilho suspeitosamente sádico por sob a fedora do chapéu.

— Ah. É um prazer conhece-los, Guardiões Vongola. Sou Ciel Molière. – é o cumprimento inexpressivo do novo Don, e é o suficiente para os Guardiões engasgarem, enquanto o sangue escoa de suas faces.

Aquela é a mesma voz que por longos e malditos três anos nenhum deles foi capaz de ouvir - e acreditavam jamais iria ecoar em seus ouvidos novamente, pois ele se foi. Algo pelo qual dolorosa e arduamente ansiavam. A voz que sempre os acolheu, que sempre transbordara calor, proteção, compreensão, que sempre lhes deu o sentimento de família. Porém... Esta voz parece desprovida de emoção e possui uma frieza que os Guardiões não se recordam de ouvir deixar os lábios de seu amado chefe, especialmente não quando direcionada a eles. E então o torpor que os cegava parece finalmente esvair-se, e instantaneamente as diferenças começam a saltar aos seus olhos ainda arregalados, fazendo-os estremecer com o que veem.

Os cabelos suaves e fofos tão familiares são os mesmos, mas esses possuem um tom a meio caminho entre o castanho e o loiro, emoldurando uma deslumbrante e pálida face mais amadurecida do que seu Céu possuía três anos antes. Os quentes olhos castanhos-avelã deram lugar a orbes como piscinas de ouro-líquido afiados e que não permitem nenhum tipo de emoção transparecer. Mesmo sua escolha de roupas parece deslocada, terno negro com uma camisa azul-marinho e gravata prata, seu Céu não gostava de usar tantos tons escuros juntos. Além disso, sua expressão neutra e um tanto indiferente em nada lembra o ar gentil que seu amado Boss possuía. É como ver uma pessoa diferente, porém com o mesmo rosto do Décimo.

E, como um punhal perfurando seus corações já sangrando, a verdade imutável os atinge excruciantemente rasgando-os por dentro uma vez mais – não importa o quanto sejam fisicamente semelhantes, não importa que eles pareçam exatamente à mesma pessoa, aquele estranho diante de seus olhos não é seu precioso chefe, ele não é o seu Céu. Eles não foram perdoados. Eles não receberam uma segunda chance. Ele não voltou para eles. Aquela pessoa é apenas uma cópia. Um maldito Céu falso. E então, com uma velocidade assombrosa toda alegria que havia brotado em seus peitos se evapora, o calor desaparece engolido pelo vazio. A dor do choque dá lugar a outro sentimento. Algo escuro, perigoso.

— Como ousa, você maldito bastardo! – estala Gokudera em um tom baixo engolfado em uma ferocidade que há muito ele próprio havia parado de sentir.

— Você está extremamente debochando de nós! – exclama Ryohei, sua energia voltando em ondas de fúria, os punhos enfaixados já em posição de combate.

— Não use a imagem de Boss. – fala Chrome, por uma vez expressando-se em um tom mais elevado do que seus habituais quase sussurros, materializando seu tridente, ignorando completamente o fato de não sentir a presença de chamas da Névoa ao redor da sala.

— Não se atreva a insultar Tsuna. – rosna Takeshi, com Shigure Kintoki já coberta pelas chamas da Chuva, pronto para retalhar a cópia, enquanto uma aura de morte espessa engole o salão de entrada da mansão forçando os poucos empregados a afastarem-se temendo por suas vidas.

O som de um disparo ecoa no hall, efetivamente silenciando todos, enquanto uma bala normal é cravada no piso desconfortavelmente próximo aos Guardiões, que instintivamente se voltam para uma figura que em seu choque, com a visão da cópia, eles não haviam percebido a presença. O homem, alguns passos para trás ao lado esquerdo do novo Don, segura uma arma negra ainda fumegante, orbes afiados encarando-os com uma frieza que provoca-lhes um calafrio, como se desafiando-os a continuarem com o ataque.

— Contenha-se, Zero.

A mesma voz que eles sempre ouviram transbordando calor, manifesta-se novamente no mesmo tom plano e desprovido de emoção, e uma vez mais o quarteto congela. Ao lado do novo Don, Zero abaixa a arma, mas não a guarda de volta em seu longo casaco em um sinal claro de que não hesitará em defender seu Boss caso alguém coloque sua segurança em risco. Do outro lado da sala a sombra de um sorriso desponta nos lábios do tutor espartano, escondido pela fedora do seu chapéu.

— Acredito que haja algum mal entendido, eu não estou usando a aparência de ninguém. – prossegue a cópia, orbes ouro-líquido fixando-se nas expressões atordoadas dos Guardiões, que não conseguem sustentar o peso desse olhar e desviam os olhos - Devo assumir que Reborn escondeu-lhes detalhes sobre a minha aparência, assim como ele fez com Dino Cavallone. – completa, lançando um brilho atravessado para o tutor, cuja expressão permanece encoberta pela fedora, o sorriso se alargando um pouco mais.

— Re-Reborn-san... – Hayato volta-se para a figura do Arcobaleno em busca de uma resposta, sua mente girando em um turbilhão de dúvidas fazendo sua cabeça doer.

— Ah. Ciel está dizendo a verdade. – confirma Reborn, movendo os orbes negros de Molière para os Guardiões estúpidos.

Garoto, por que não nos disse nada? – questiona Takeshi rangendo os dentes, apagando suas chamas, mas não guardando Shigure Kintoki, a Chuva simplesmente não tem certeza de como reagir a tudo isso.

— Nós tínhamos extremamente o direito de saber! – acrescenta Ryohei ainda sem um cuidado com o tom elevado de sua voz, enquanto Chrome assente em silêncio pressionando seu tridente.

— Eu não me senti como fazê-lo. – responde vagamente, ignorando o olhar irritado e frustrado dos Guardiões – Além disso, vocês não reagiriam bem se soubessem de antemão como Ciel se parece. – completa, descartando o assunto.

Por um único instante o quarteto jura que o Arcobaleno agiu igual quando estava em sua forma amaldiçoada de bebê tantos anos atrás, algo que posteriormente ele só fazia para irritar Tsuna. Mas todos instantaneamente descartam o pensamento, eles devem estar apenas imaginando coisas, afinal desde aquele maldito dia o tutor não esboçou nenhuma emoção além de traços de irritação, e seu lado sádico esteve constantemente ativo, uma vez que o Décimo já não estava presente para harmonizar os ânimos sempre sombrios.

— Eles não reagiriam ‘bem’ de qualquer forma. Mas poderíamos evitar algo como isso. – comenta o novo Don no mesmo irritante tom plano, algo que serve de lembrete para os Guardiões de que este não é seu Céu, ele é apenas uma maldita cópia usurpando o lugar do Decimo.

— Tch! Como podemos ter certeza de que não está apenas usando a imagem do Jyuudaime? – rosna Gokudera, sem realmente encarar aquela face dolorosamente familiar e ao mesmo tempo tão diferente; parece errado de mais ver uma expressão tão indiferente em um rosto que sempre foi caloroso e acolhedor.

— Está duvidando de mim, Gokudera. – apesar do tom não ter se alterado, o brilho afiado do tutor fala de horas de dor.

— Mas, Reborn-san! Algo assim não é possível! – estala Hayato, encarando o Arcobaleno espartano, olhos verde-cinzentos mergulhados em confusão e dor.

— Eu pensei ter deixado bem claro que Ciel é um descendente direto de Vongola Primo. Sua aparência foi um dos principais motivos que levaram o Nono a nomeá-lo ‘Neo Vongola Primo’. Além disso, qualquer um que tentasse nos enganar eu pessoalmente teria cuidado. – comenta o tutor, lançando um olhar para o quarteto desafiando-os a continuarem com a cena patética – Agora chega dessa conversa. Caso tenham esquecido, seu novo Boss ainda está esperando por suas apresentações. Apressem-se e falem para que possamos acabar com isso. Todos temos mais para fazer do que ficar perdendo tempo aqui. - prossegue Reborn com uma borda afiada na voz, algo que os Guardiões facilmente reconhecem e estremecem com as implicações.

Quase em reflexo as palavras do Hitman, os outros três se voltam para Gokudera em um estranho acordo taciturno, todos esperando para ver sua reação, afinal ele ainda é o líder dos Guardiões. Por sua vez, Hayato cerra os punhos, forçando-se a engolir tanto sua irritação quanto a confusão afogando sua mente, assumindo uma expressão o mais neutra que consegue forças para esboçar – depois de tudo ele sempre foi o representante do Jyuudaime perante o submundo nas ocasiões em que seu precioso amigo não podia se fazer presente, e mesmo agora ele exerce com afinco esse papel em uma forma de lembrar a todos quem é seu único Céu.

— Gokudera Hayato, Tempestade e-

— Braço direito do Decimo. – completa Ciel, fixando os orbes ouro-líquido sobre Gokudera, que apenas impõem mais pressão sobre os punhos com as unhas cavando na carne, forçando-se a não saltar em maldições, enquanto desviando o olhar do Boss, mesmo que eles não são a mesma pessoa, Hayato não consegue encarar aquela face sem sentir seu coração se rasgando, é apenas injusto serem iguais e ainda não serem o mesmo.

— Ah. – confirma a Tempestade entre dentes, enquanto Ciel vaga o olhar pousando sobre Chrome.

A metade feminina da Névoa se contorce claramente desconfortável com a atenção repentina depositada sobre sua figura tímida. E embora tudo tenha sido esclarecido, ela ainda se mantém segurando firmemente o tridente, mas agora por motivos diferentes, Chrome simplesmente não sabe se é capaz de se manter firme por mais tempo sem a presença familiar da arma, tudo isso está sendo de mais para ela e sem Mukuro-sama para ampará-la, torna-se ainda mais difícil.

— Do-Dokuro Chrome. – é o que seus lábios conseguem proferir antes de sua voz sumir em um murmúrio inteligível, tudo que ela quer é voltar para seu quarto e deixar as lágrimas rolarem por sua face.

— A outra metade da Névoa. – observa Ciel, recebendo de Chrome um leve aceno de cabeça em concordância.

— Sasagawa Ryohei, Sol. – fala o boxeador em um tom áspero, sem um cuidado com o tom extremamente alto de sua voz, por uma vez não recebendo um olhar atravessado de Gokudera, mesmo sendo o mais denso na família, ele também compreende o que está acontecendo, e isso não ajuda a acalmar sua frustração crescente, ele vai precisar de várias horas destruindo alguma coisa para gastar tanta energia acumulada.

— Yamamoto Takeshi, Chuva. – rosna entre dentes, finalmente guardando Shigure Kintoki, o espadachim simplesmente não consegue suportar ficar por mais tempo na presença da cópia; encará-lo sabendo que ele não é Tsuna é como ter sua culpa esfregada na sua face impiedosamente.

— Apresentações ao estilo Japonês, eu vejo. – comenta o loiro, lançando um novo olhar para o quarteto, ignorando as auras escuras emanando de seus corpos – Bem, permitam-me apresentar-me novamente. Sou Molière Ciel e este é Zero. – prossegue, movendo um pouco o braço esquerdo na direção do Hitman de cabelos anil, cujos orbes lavanda permanecem fixos nos Guardiões enquanto inclina-se levemente em cumprimento; ao ouvir o nome a mente de Hayato estala.

— O segundo melhor Hitman do mundo. – murmura a Tempestade, tomando um melhor olhar sobre a figura.

Mesmo que o nome seja bastante conhecido no submundo, não são muitos que já tiveram a chance de estar frente a frente ao homem, na verdade ninguém quer realmente se deparar com um assassino profissional treinado por dois Arcobaleno, incluindo o melhor Hitman do mudo. Porém, ele é facilmente reconhecido devido à arma negra com uma rosa sangrenta que sempre usa e que serve de assinatura. Zero é como os relatórios dizem: jovem, provavelmente na mesma faixa etária que eles - vinte e três ou vinte e quatro anos - pelos traços e o leve sotaque ele é inglês, cabelos anil na altura do pescoço e uma expressão fria nos orbes lavanda. Sua reação anterior e seu comportamento deixam claro sua lealdade e protecionismo sobre seu Boss. E tal constatação faz Hayato lembrar-se de si mesmo, para sua maior irritação, afinal ele costumava ser exatamente assim. E nestes três malditos anos nem um único dia se passou sem que Gokudera se amaldiçoasse por ter se afastado da pessoa a quem jurou sua lealdade eterna, especialmente porque a Tempestade poderia ter impedido que seu amado Céu perdesse sua vida nas mãos imundas de alguma maldita Famiglia covarde.

— Agora que as apresentações foram feitas é hora de retornarem as suas funções. Vocês terão tempo para perguntas mais tarde. – fala Reborn, atraindo a atenção de todos para si mesmo.

— Antes disso, como está o estado de Lambo Bovino? – indaga Ciel, enquanto os olhares um tanto aturdidos dos Guardiões repousam sobre ele, ao mesmo tempo em que um leve sorriso faz seu caminho pelos lábios do Arcobaleno.

— Ele está fora de qualquer perigo. Mas vai precisar de um pouco de repouso. – informa Reborn, um leve toque de satisfação permeando sua voz.

— Isso é bom. – comenta Molière, seu olhar suavizando de forma quase imperceptível.

— De qualquer forma, Ciel, Lorenzi será seu guia por agora. Eu preciso falar com o Nono sobre os detalhes da sua sucessão, mas devo estar de volta até o almoço. Deixemos a apresentação aos empregados para a parte da tarde. – avisa o Hitman, enquanto o referido mordomo se inclina respeitosamente para o novo patrão.

— Neste caso eu prefiro ir direto para o escritório. Há muitas coisas que preciso me informar sobre a atual situação da Vongola. – fala Ciel, desviando o olhar para o mordomo-chefe, o mesmo que abriu-lhes a porta ao chegarem, recebendo um aceno em concordância de Lorenzi.

— A maioria dos documentos relacionados às missões já foram levados para o seu escritório, mas se algo faltar, Gokudera é quem tem lidado com essa parte da papelada, peça a ele. – comenta o tutor, enquanto Hayato enrijece a menção do seu nome e, principalmente, por sentir o olhar da cópia pousar sobre ele - O restante Basil deverá trazer hoje à tarde ou no início da noite. – completa, encontrando os orbes ouro-líquido.

— Ah. E, Reborn, mande meus votos de melhora para o Nono. Quando possível eu irei vê-lo.

— Eu direi. – responde o tutor, permitindo a fedora encobrir sua expressão um tanto escura.

— Neo-sama, se puder me seguir. – fala Lorenzi, aproximando-se dos recém-chegados, após dar algumas instruções para os empregados congelados responsáveis por carregarem as malas do novo patrão e do Hitman.

— Claro. – responde Molière, lançando um último olhar para os Guardiões que relutantes abriram passagem para a comitiva, seguindo Lorenzi para o interior da mansão.

Com a saída de Ciel e Zero, Reborn se permite envolver pelo silêncio por alguns segundos, enquanto observa a mistura de emoções conflitantes escapando nas expressões engessadas nas faces do quarteto. Nenhum deles parece ter se recuperado completamente do choque, e o Arcobaleno tem plena consciência de que isso ainda vai levar algumas horas. De qualquer forma não é como se ele se importasse, os pirralhos merecem tudo pelo que estão passando, afinal foi culpa deles Tsuna tê-los deixado. Então, sem uma palavra extra, o Arcobaleno sai da sala rumo a sua reunião com o Nono, deixando para trás o quarteto atordoado.

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Orbes ouro-líquido tomam brevemente nas paredes em tom verde escuro com detalhes em dourado, nos sofás de couro negro, passando para a grande estande de livros próxima a mesa de mogno, onde algumas pilhas ordenadas de papelada descansam esperando por ele. De alguma forma o grande e espaçoso escritório parece familiar e ao mesmo tempo distante. Ignorando o sentimento empoeirado e jogando-o para o fundo de sua mente, Ciel se volta para o mordomo-chefe, enfiado em sua roupa de pinguim, de pé próximo às portas duplas do escritório.

— Neo-sama, se me permite um comentário. – os orbes azuis afiados de Lorenzi observam respeitosamente a figura a sua frente, esperando por consentimento – Por favor, tenha paciência com os jovens mestres. Eles têm sofrido muito nos últimos anos. E se não for ousadia de mais da minha parte, gostaria de pedir que os ajude. - prossegue após receber permissão do novo Boss, com uma expressão que lembra um pouco a de um avô intercedendo por seus netos.

Um breve silêncio se forma no escritório, enquanto Ciel volta a encarar o cômodo, e Lorenzi sente que talvez tenha falado de mais e ofendido o novo Don. Porém, antes que o velho expresse um pedido de desculpas, a familiar voz aveludada ecoa na sala.

— Eu não posso salvar quem não deseja ser salvo, Lorenzi-san. – comenta, deslizando as cortinas da janela abertas, permitindo o sol inundar o cômodo banhando seus cabelos fofos e lhes dando um brilho ainda mais dourado - Mas certamente não pretendo deixa-los perecer na escuridão sozinhos. Eles são a família do Decimo, depois de tudo. – completa, encontrando o olhar agradecido do mordomo com um brilho sutil nos orbes ouro-líquido, algo que escapa a atenção de Lorenzi.

— Obrigado, Neo-sama. Se precisar de algo, basta chamar. – fala, inclinando-se respeitosamente, deixando o escritório e fechando as portas ao sair.

— Ajudá-los, salvá-los. Eles não parecem muito receptivos, na minha opinião. – comenta Zero, quebrando o breve silêncio, escorando-se ao lado da porta.

— Você atirar neles também não ajuda muito. Pensei que saltar em ações fosse algo que apenas Izanami fazia. – observa Ciel, encontrando os orbes lavanda do Hitman, que se contrai em uma pequena careta com a comparação.

— Se fosse a hime que estivesse no meu lugar, sem dúvidas ela teria tentando corta-los no instante em que ergueram a voz para você. – argumenta o Hitman, liberando um suspiro com o pensamento, sua expressão fria de momentos antes completamente lavada de sua face.

— Ah. Isso foi um dos motivos que me fez trazê-lo comigo ao invés de Izanami. Tanto quanto possível eu pretendo evitar atritos com os Guardiões do Decimo. – fala, desviando os orbes ouro-líquido para o céu azul além da janela - Eu mal consigo imaginar o quanto tudo isso deve ser difícil para eles. – prossegue, enquanto uma sombra perpassa sua bela face por uma fração de segundo, ainda assim não escapando aos olhos treinados do jovem inglês.

— Neo, sobre os Guardiões. – ao ouvir o tom mais sério, Ciel não precisa olhar para saber que o Hitman estampa uma expressão apreensiva.

— Estou bem, Zero. Eu já esperava por esse tipo de reação. Eles estão confusos. Eu lhes lembro alguém que eles perderam, e isso não facilita a situação. – fala em seu habitual tom neutro, seu olhar suavizando sutilmente – Como disse Lorenzi-san, é necessário ter paciência. – completa, os fios entre o loiro e o castanho deslizando sobre sua face e cobrindo parcialmente sua expressão.

Em um silêncio confortável, Zero se permite analisar seu Boss por mais alguns segundos, por fim dá-se em derrota – goste disso ou não, o Neo é sempre assim.

— Estarei observando a área. – informa, rumando para fora da sala e fechando a porta ao sair.

Uma vez sozinho no grande escritório, Ciel assume a poltrona de couro negro e começa a trabalhar na papelada, que sem dúvidas irá prendê-lo por várias horas atrás desta mesa.

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Em movimentos muito além do que o olho humano é capaz de acompanhar, Yamamoto move Shigure Kintoki reproduzindo um dos vários golpes que desenvolveu desde que aprendeu o estilo Shigure Souen Ryuu, enquanto sua mente insiste em arrastá-lo para uma de suas memórias mais dolorosas.

Aquela havia sido apenas uma das muitas missões que ele se auto atribuiu nos últimos meses. Ele só tinha de acabar com o contrabando de armas de uma Famiglia que caiu no radar da Vongola, nada muito importante. Mas ele se descuidou e acabou com alguns ferimentos e teve de voltar à mansão para receber algum tratamento médico, algo que ele definitivamente queria evitar - tratamento significa ficar preso na sede junto com ele, e até onde a Chuva sabia, nem mesmo Hayato estaria na mansão Vongola, na verdade, nenhum deles estava lá, o que só o perturbava mais.

“Takeshi.” – Yamamoto se encolhe um pouco ao ouvir a familiar voz aveludada, imediatamente desviando o olhar para longe da figura que adentra a enfermaria, o Boss estava em uma reunião com outros chefes quando a Chuva chegou à mansão – “O que aconteceu?” – há uma certa hesitação, insegurança na voz, e o espadachim vagamente se pergunta quando isso começou a ocorrer; o Décimo há muito havia perdido esse tipo de comportamento, mas a Chuva ignora o pensamento lançando-o para o fundo de sua mente, como tem feito com tudo que envolve o Boss desde aquele dia em que tudo mudou.

“A Famiglia Bonesso não reagiu muito bem ao fato de ter sua fonte de lucro negada e tentou revidar. Não foi nada grande. Você já sabe o diagnóstico, apenas uma costela quebrada e alguns cortes.” – responde em um tom um tanto áspero, levemente tentado a rir de sua própria má sorte, mesmo com o tratamento das Chamas do Sol uma costela quebrada o condena a pelo menos três dias preso nesta cama.

Um silêncio tenso se segue as suas palavras - outra coisa que se tornou normal quando o Boss está presente. Apesar do silêncio ser irritante, nenhum deles parece muito disposto a prolongar a conversa, por fim o Décimo é quem se manifesta primeiro, depois de tudo, é sempre ele quem tenta manter algum diálogo. E novamente Yamamoto se pega questionando quando mesmo isso começou a se tornar cada vez menos frequente. É como se a falta de cooperação e interesse dos Guardiões finalmente estivesse consumindo as energias do Don e o Boss começou a perder a vontade de continuar tentando, e desta forma as conversas se tornaram mais escassas e breves. E, por mais que ele o esteja evitando nos últimos meses, lá no fundo o espadachim ainda sente algo aquecer em seu peito ao simples som da voz do Céu, embora esse sentimento esteja quase completamente afogado com a massa de dúvidas e receio que corroem seu coração dia após dia.

“Takeshi, descanse o quanto precisar. Não há pressa com o relatório.” – Tsuna informa, após mais alguns segundos, em um tom quase arrastado, lançando um olhar para sua Chuva que se recusa a encará-lo, assim como os outros.

“Como quiser, Tsunayoshi.” – responde Yamamoto, sem perceber o leve tremor nas mãos de Tsuna, ou o enrijecer de seu corpo ao ouvir a forma indiferente como seu precioso amigo começou a se referir a ele há cerca de dois meses e meio, algo que só o rasga ainda mais por dentro.

“Ah. E, Takeshi, bem-vindo de volta.” – fala Tsuna pouco mais alto que um sussurro, sem mesmo se dar ao trabalho de forçar seus lábios pálidos a formarem um sorriso, depois de tudo não é como se sua Chuva fosse ver qualquer expressão que ele esboçasse, nenhum deles se importa.

Se naquele momento Yamamoto tão somente tivesse erguido os orbes caramelo ele teria percebido a palidez, as olheiras e a aparência frágil de seu chefe. De qualquer forma, nenhum deles sabia que há menos de vinte e quatro horas era o próprio Tsuna quem estivera ocupando uma das camas da enfermaria após perder a consciência em outro colapso por exaustão. Era uma ordem sua que nada fosse dito aos seus Guardiões, independentemente de quão mal ele pudesse estar. Shamal já estava ficando louco com ele, mas o Décimo apenas ignorou as reclamações do médico pervertido, enquanto o jovem Don pudesse trabalhar estava tudo bem para ele, mesmo que seu corpo estivesse lentamente sucumbindo a um profundo estado de fraqueza.

Três dias se arrastaram desde que Yamamoto chegou à sede Vongola, dias em que ele mal via Tsuna, uma vez que o Don iria vê-lo apenas quando o espadachim estava profundo em seu sono, de modo que a Chuva não perceberia sua presença. E então, após receber permissão para retomar suas atividades normais, Takeshi se encontrou no escritório do Boss para receber uma missão, ao invés de se auto atribuir uma. Tsunayoshi estava de pé diante da grande janela, a expressão encoberta pelos cabelos castanhos, o terno negro de alguma forma parecia um pouco mais solto em seu corpo do que deveria, mas a Chuva não pagou atenção a isso, ele só queria deixar a mansão o mais depressa possível - ainda assim, sua mente, por algum motivo, fez gravar cada detalhe daquele dia. Estava nublado lá fora e um clima pesado pairava dentro da sala, havia muitas pastas e arquivos espalhados em pilhas ordenadas não apenas sobre a grande mesa de mogno, mas sobre a mesa de centro e sobre um dos sofás. Tudo em tudo parecia que o Décimo estava fazendo algum tipo de busca ou catalogando algo. Fosse o que fosse o espadachim nunca descobriu o que era.

“Se isso é tudo, estou indo, Tsunayoshi.” – informa Yamamoto, segurando firmemente o envelope contendo as instruções para sua nova missão, algo sobre sondar os negócios de uma Famiglia que pediu uma aliança com a Vongola.

“Takeshi, você se lembra de quando vimos os fogos de artifício juntos pela primeira vez?”

A pergunta inesperada faz Yamamoto encarar estupidamente a figura diante da janela. Sua mente tentando entender o ponto da questão. Não é como Tsunayoshi ficar relembrando o passado. Por outro lado, há muito o Boss parou de agir da forma que o Guardião conhecia.

“Eu lembro como se tivesse sido ontem. Eu realmente pensei que não fossemos conseguir nos reunir com os outros por causa da confusão com Kyoya e os senpai delinquentes. Mas no final deu tudo certo. Foi divertido.” – Tsuna divaga, claramente perdido em seu próprio mundo impenetrável, ignorando o silêncio levemente atordoado da Chuva – “Eu me pergunto se terei a chance de vê-los novamente.”

Um sentimento estranho agita-se dentro de Yamamoto ao ouvir a última sentença, dita em um sussurro. Por algum motivo ele sente o desejo de abraçar seu Boss, não, de abraçar Tsuna, de derramar toda a angústia que o está corroendo por dentro nos últimos meses, e, principalmente, pedir perdão. Mas tão rápido o desejo veio o mesmo desapareceu, embora o sentimento de frio não o deixou.

“Desculpe, estou prendendo você. Por favor, tenha muito cuidado, Takeshi.” – prossegue o jovem Don, sem mover-se de sua posição diante da janela, não se dando ao trabalho de encarar a Chuva.

Se tão somente o Guardião tivesse prestado atenção ao invés de virar-se e sair do escritório, ele teria visto o rastro de lágrimas deslizando pela face pálida sob os fios castanhos. Só horas mais tarde, já a caminho da sua missão, que Yamamoto iria se dar conta que, ao contrário das outras vezes, Tsuna não havia lhe dito ‘até breve’ quando se despediu, algo que só intensificou o sentimento de frio em seu corpo. Cinco dias depois, esperando no embarque para a Espanha onde completaria sua missão, quando seu telefone tocou e o garoto lhe deu a pior notícia de sua vida, Takeshi compreenderia que aquela despedida estranha havia sido dolorosamente definitiva.

Yamamoto sente seu corpo deslizar até cair de joelhos, seus braços buscando apoio em Shigure Kintoki já em sua forma de bambu. Todo o seu corpo treme, seu aperto sobre a espada faz seus dedos perderem a cor. Ele não sente estas memórias tão vivas há muito tempo. Ver aquela face, ouvir aquela voz e saber que não é seu Céu, saber que Tsuna não voltou para eles, saber que ele novamente não poderá pedir perdão por toda dor, amargura, tristeza e solidão que causou a pessoa a quem deve sua própria vida, é algo tão terrivelmente agonizante que o ar parece não querer entrar em seus pulmões. Seu peito dói quase tanto como naquele maldito dia em que ficou de pé diante de uma lápide com o nome do seu precioso amigo. O dia em que seu mundo desfez-se diante dos seus olhos, o dia em que finalmente se deu conta de quão estúpido ele havia sido. Infelizmente Takeshi precisou perdê-lo para perceber que ele nunca realmente deixou de considera-lo seu melhor amigo.

E agora aquela cópia veio para ocupar o lugar do seu Céu. Veio para esfregar em seus narizes que eles jamais terão Tsuna de volta. Que eles estão fadados à solidão, assim como eles condenaram seu querido amigo no dia em que lhe viraram as costas, indiretamente causando sua morte. Definitivamente a vida encontrou uma forma cruel de puni-los ainda mais – dar-lhes um Céu falso no lugar do seu chefe precioso.

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Gokudera cerra os dentes, há muito ele desistiu de tentar conter as lágrimas rolando por sua face e simplesmente deixou que continuassem correndo. Além disso, Hayato sabe que se não encontrar uma forma de limpar a bagunça afogando a sua mente, ele pode acabar fazendo algo estúpido como Yamamoto ou Sasagawa, e sendo o líder dos Guardiões ele não pode se dar ao luxo de quebrar – mais do que já está. Algo assim só irá trazer mais problemas, e isso todos eles já têm aos montes, soterrando-os como uma bola de neve que parece nunca parar de crescer, pronta para esmagá-los.

Seus orbes verde-cinzentos embaçados pelo choro mal são capazes de ver o nome escrito na lápide a sua frente. Mas ele não precisa ler para dolorosamente saber a quem o pedaço frio de mármore pertence. Hayato jamais vai esquecer o nome do seu Céu, a pessoa que jurou seguir e proteger por toda a sua vida. O primeiro amigo que teve. A primeira pessoa que o reconheceu, que lhe deu valor, que lhe deu um motivo para lutar, para viver. A mesma pessoa que por sua maldita culpa morreu e ele nunca conseguiu vinga-lo. Da mesma forma como a Tempestade nunca conseguiu pedir-lhe perdão por quebrar suas próprias promessas, por também abandoná-lo como os outros sem ao menos tentar descobrir a verdade, preferindo acreditar nas aparências, e desta forma imunda fazendo seu precioso amigo sofrer.

— Jyuudaime... Por um momento... Por um momento eu achei que Ahoushi estivesse certo. Eu desejei que ele estivesse certo. – sua voz pouco acima de um sussurro deixa sua garganta dolorida pelo choro, seus punhos cerrados encontram-se a um passo de rasgar a carne da palma de suas mãos com a força que emprega sobre os mesmos – Eu realmente... Realmente achei que você tivesse voltado... Que eu finalmente poderia implorar por seu perdão por falhar como seu braço direito... Por falhar como um amigo...

Uma brisa afaga seus cabelos prateados, enquanto Hayato luta para recuperar o fôlego, o choro e a onda de emoções afogando seu corpo parecem querer cortar qualquer ar que seus pulmões são capazes de reter. Há três anos ele fechou seu coração, dilacerado pela culpa e pela dor da perda, para o mundo. Ele selou boa parte das suas emoções em uma tentativa de impedir-se de cair, de sucumbir a seus erros e assim continuar lutando. E, no entanto, bastou um olhar naquela face dolorosamente similar, para todas as barreiras irem por terra, expondo seu coração ainda sangrando enquanto a verdade imutável era esfregada em sua face. Talvez simplesmente não haja perdão para o que eles fizeram.

— Jyuudaime... Eu... Eu sei que já lhe disse isso tantas vezes... O mesmo que eu disse a Yamamoto dias atrás, sobre não me importar de morrer se isso... Se isso o trouxe-se de volta... De volta para nós... Mas isso é a mais pura verdade. Eu morreria feliz se eu pudesse vê-lo uma última vez... Rogar por seu perdão... Mesmo sabendo que o que eu fiz... Nós fizemos... É imperdoável até mesmo para você... - sua voz some em sua garganta ressequida, enquanto a brisa segue agitando as flores e as árvores ao redor da clareira onde a lápide repousa, completamente indiferente a sua dor e amargura.

Um longo silêncio se segue as suas palavras, enquanto as lágrimas lentamente abrandam, clareando sua visão e lhe permitindo ver à inscrição que Reborn-san pediu que escrevessem - algo que os Guardiões estavam abalados de mais para dar atenção, e não é como se alguém realmente tem estômago suficiente para questionar o maior Hitman do mundo. Com os orbes fixos na frase, Hayato não consegue evitar o riso amargo e zombeteiro que rasga sua garganta dolorida com a ironia de toda a situação. Escrito em letras pequenas na parte mais inferior da lápide está uma maldita sentença em francês ‘La vie c'est un beau mensonge’.

— ‘A vida é uma bela mentira.’ – repete Gokudera entre dentes, as gotas carmesim finalmente começando a escorrer por entre seus dedos – Jyuudaime... Eu juro que aquela cópia maldita jamais irá se tornar o meu Céu.

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Hibari ergue uma sobrancelha para a figura sentada estilo oriental a sua frente, visivelmente inquieta. Tem mais de três anos desde a última vez em que esteve em uma situação similar. Ele realmente não esperava ser a pessoa a quem o herbívoro iria recorrer após os eventos de horas atrás, mas ali está ele pressionando os punhos, enquanto uma aura escura parece emanar do seu corpo. Era por coisas assim que o ex-prefeito detestava ficar na mansão Vongola, porém, depois do que aconteceu naquele dia, algo que resultou em seu maior distanciamento e na quebra de qualquer contato com a família – como o onívoro irritante tão orgulhosamente os chamava - Kyoya acreditava que ele estava livre desse tipo de ocorrência, aparentemente a Nuvem superestimou os herbívoros.

— Então, para que você veio aqui? – indaga Kyoya, ao mesmo tempo em que se pergunta por que não mordeu o herbívoro até a morte no momento em que ele invadiu os seus aposentos, enquanto desfrutava de uma xícara de chá após seu almoço.

— Eu estou extremamente confuso! Ele se parece extremamente com Sawada! Mas ele age como se fosse outra pessoa! – exclama o boxeador sem um cuidado no tom alto de sua voz, para maior irritação de Hibari.

— Akanbō não lhes disse sobre isso. – comenta Kyoya, soando levemente divertido, ignorando o olhar fumegante do Sol.

Depois de tudo o ex-prefeito não se deu ao trabalho de ver a chegada do novo Don, aglomeração com os herbívoros é chato e só resultaria nele mordendo-os até a morte, além disso, no fundo ele esperava por esse tipo de atitude do Arcobaleno sádico. Mesmo tendo ficado afastado da sede Vongola por três anos, informação é sua função e como tal ele manteve um olhar sobre o que os herbívoros irritantes estavam fazendo e por isso ele sabia que o Akanbō os esteve punindo sem piedade por terem provocado a morte do onívoro.

— Então você extremamente sabia sobre isso, Hibari! – rosna Sasagawa, a aura escura emanando do seu corpo ficando ainda maior, enquanto o ex-prefeito o encara impassível.

— E?

— Hibari, como você pode extremamente estar tão tranquilo, quando aquele Molière está aqui para tomar o lugar do nosso Boss ao extremo! – estala Ryohei, orbes cinzentos ardendo em fúria.

— Eu não tenho nenhum Boss. Não me considere como vocês herbívoros fracos. – retruca Kyoya, com um olhar gelado e cortante.

— O que disse! – rosna o boxeador, saltando a seus pés.

— Vocês herbívoros não deveriam estar fazendo tanto barulho sobre a chegada de Molière Ciel quando foram vocês mesmos que provocaram isso. ­

Mal as palavras deixam os lábios da Nuvem e carne e metal se chocam violentamente, o impacto das chamas varrendo e quebrando todos os objetos menores ao redor da sala, mesmo a xícara de chá, que Kyoya estava bebendo instantes antes da chegada do boxeador, espedaça-se ao cair no chão.

— Wao! Pensei que fosse contra as regras do boxe atacar desta forma. Você está se deixando levar. – comenta Hibari, mantendo a tonfa coberta pelas chamas da Nuvem na altura do seu rosto, um sorriso predatório em seus lábios.

Sasagawa contrai as sobrancelhas, cerrando os dentes em frustração, ele pode sentir a onda de adrenalina correndo em suas veias fazendo seu coração pulsar ainda mais rápido, e ele sabe que Hibari está certo. Ele deixou a fúria assumir seus punhos novamente, foi a mesma coisa com Yamamoto no dia em que chegou a mansão, e em todas as vezes em que se descontrolou. Ryohei sempre foi extremista e pronto para uma luta, mas nunca antes ele saltou para uma briga com nada além de ira impulsionando-o. O seu amado boxe não é assim, não é algo sobre violência gratuita. Ele não era assim. Porém, desde que Sawada os deixou foi como se ele tivesse perdido a noção e o controle sobre si mesmo. O Sol se tornou um tipo errado de ‘extremo’.

E não importa o quanto ele tenha tentado refrescar sua mente correndo e treinando nas últimas horas, ele apenas não consegue aceitar e entender que uma cópia do seu irmãozinho é quem vai assumir o lugar que pertence apenas a Sawada. Mesmo que no decorrer dos anos com a maturidade ele tenha sido capaz de se tornar mais rápido no raciocínio devido a todas as viagens que fez como Guardião em nome da Vongola, todas as pessoas que conheceu e experiências que viveu, certas coisas simplesmente são confusas de mais para o Sol assimilar, ele sempre foi de agir e não de pensar, Gokudera é quem sempre pensava mais entre os Guardiões, e ainda assim a Tempestade também parece perdida como todos eles. A chegada da cópia só serviu para despedaçar a energia pura que finalmente havia começado a brilhar nele quando achou que Sawada havia de fato voltado para eles. Quando acreditou que ele havia recebido uma chance de se redimir por todas as coisas estúpidas que fez, por toda dor e lágrimas que provocou nas pessoas mais importantes para ele - sua irmã Kyoko e seu chefe, amigo e alguém que adotou como irmão para proteger com seus punhos, sua vida. As mesmas duas pessoas que ele amargamente decepcionou.

— Você não precisa dizer o óbvio, Hibari. – fala em um tom anormalmente baixo, afastando o punho, antes coberto pelas chamas do Sol, da tonfa – Ninguém precisa dizer. Mesmo eu sou capaz de ver meus erros. Embora eu já não saiba como repará-los. E mesmo que eu soubesse, não há mais como fazê-lo. Sawada se foi e não vai voltar. – prossegue, baixando a cabeça com os punhos caídos molemente ao lado do seu corpo, deixando a sala.

Estreitando os orbes azul-cinzentos, enquanto guarda as tonfas, Kyoya lança um olhar irritado para a sala cheia de objetos espalhados e/ou quebrados. Mesmo o vaso japonês que Kusakabe Tetsuya lhe deu quando veio a primeira vez para Palermo, por causa da cerimônia de herança, virou uma pilha de cacos espalhados pelo chão. Ele realmente precisa morder alguns herbívoros até a morte para extravasar um pouco da sua frustração latente. Como se na sugestão, uma bagunça familiar de cabelos entre o castanho e o loiro surge na porta, orbes ouro-líquido encarando-o com um olhar que o ex-prefeito facilmente reconhece.

— Como chegou até aqui sozinho? – indaga Kyoya, repensando a ideia de guardar as tonfas agora que o outro onívoro veio até ele por conta própria.

— Eu senti. – responde vagamente, recebendo um olhar em branco de Kyoya – Eu posso sentir tanto a aura assassina quanto as chamas. Além disso, vocês não são muito sutis. – explica sem alterar sua expressão estoica, vagando o olhar pela bagunça na sala – Você sabe, eu não vou cuidar da papelada extra que isso vai dar. – comenta, voltando a fixar seus orbes ouro-líquido na Nuvem.

— Hn. Chegou em boa hora. Lute comigo, Molière Ciel.

— Você realmente precisa parar de falar isso como se estivesse convidando alguém para beber uma xícara de chá. – murmura o Neo liberando um pequeno suspiro, ignorando o olhar de morte do Guardião – Guarde suas presas para outra caça, Hibari. Tenho uma missão para você. – prossegue, com um brilho levemente alaranjado surgindo em seus orbes ouro-líquido.

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Reborn atravessa os longos corredores trilhando um caminho que há muito decorou. A reunião acabou se estendendo mais do que ele esperava, visto que com o atual estado de saúde do Nono a mesma teve de ser interrompida várias vezes para que o antigo Don pudesse descansar e tomar sua devida medicação, como resultado ele não pode regressar à mansão para o almoço e teve de ligar avisando de sua ausência – algo que ele decididamente esperava evitar. Conhecendo o atual humor dos Guardiões e, ainda mais, a tendência de um certo aluno de se perder no tempo quando mergulhado na papelada maldita – por mais que a odeie - a mesa na sala de jantar deve ter permanecido vazia. Afinal, mesmo que Zero tivesse vindo com seu Boss, o jovem Hitman é por de mais complacente com o novo Céu e é pouco provável que iria força-lo a se alimentar – nesse ponto a espadachim é muito mais inflexível.

Abrindo a porta do escritório, imediatamente os orbes negros do Arcobaleno caem sobre a figura familiar e Reborn não consegue evitar o sentimento de nostalgia que invade seu corpo. Ver essa cena após tanto tempo só serve para lembrar-lhe o quanto ele perdeu a companhia de dame-Tsuna, e um leve sorriso faz seu caminho em seus lábios. O Céu está de volta. – sua mente sussurra. E como se na sugestão, orbes ouro-líquido emergem da papelada fitando-o.

— Bem-vindo de volta, Reborn. - cumprimenta com a habitual expressão estoica, depositando outro arquivo sobre a pilha crescente dos ‘lidos’ do outro lado da mesa.

— Se você já foi capaz de passar por todos estes documentos, significa que não almoçou. – repreende, lançando um olhar afiado para Ciel, que permanece impassível – Talvez eu deva ter uma palavra com aquele meu ex-aluno e lembra-lo de não ser tão mole quando se trata da saúde do seu chefe. – prossegue, com um brilho sádico, enquanto o Neo se contrai um pouco com a implicação por trás das palavras do Hitman.

— Na verdade, tanto Zero quanto Lorenzi-san tentaram me persuadir, mas eu dispensei o almoço por vontade própria. Eu queria analisar a maior quantidade possível de documentos, então pedi para não ser perturbado. – argumenta, recostando-se na cadeira de couro negro.

— Pedirei a Pizio que prepare um lanche para você enquanto fazemos a apresentação formal aos empregados. Pelo tempo em que vim aqui, Lorenzi já deve tê-los reunido no salão da mansão. Falaremos sobre a sucessão mais tarde. – declara com outro brilho que não deixa margem para discussão.

— Ah. – concorda Ciel, levantando-se e seguindo Reborn para fora do escritório.

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Chrome se enrolara em uma bola em sua cama, seus braços envolvendo protetoramente contra seu peito a boneca que o Boss lhe deu de presente. As lágrimas correm por sua face sem sessar. Assim que eles ganharam permissão para se retirar do hall da mansão, ela correu para seu quarto onde tem permanecido o dia inteiro. Sem Mukuro-sama para fazer-lhe companhia e com muito medo de vê-lo, ela acabou não saindo nem mesmo para comer algo, de qualquer forma não é como se ela tivesse apetite - embora seu estômago não receba alimentos desde o dia anterior.

Quando ela soube que eles iriam ganhar um novo Céu, seu corpo e sua mente foram dormentes. Por mais que tentasse assimilar a ideia de que eles teriam um estranho assumindo o lugar do seu Boss, mesmo o quarto que pertencia a ele, a informação era tão estranha que seu cérebro simplesmente se recusou a processar. Como eles podem aceitar algo assim? Como o Arcobaleno-san pode não se importar que alguém vai tomar o lugar do seu aluno? Como ele pode parecer vagamente satisfeito com isso? Tantas perguntas, nenhuma resposta. Embora Chrome nunca tivesse sido a pessoa mais extrovertida, mais comunicativa, Boss sempre lhe deu o sentimento de que ela realmente tinha um lugar ao qual pertencer. Mesmo nos meses em que esteve longe, a metade feminina da Névoa de alguma forma ainda sentia-se parte da família, e esse sentimento a fazia sentir-se inquieta e ainda mais confusa com tudo o que aconteceu. Mas após seu Céu partir, foi como se uma parte dela foi arrancada, e tudo desapareceu. Ela já não tinha mais um lar, a companhia calorosa e acolhedora do seu chefe e sua família começou a dissolver-se diante dela – como a névoa.

Por três longos anos secretamente ela rogou do fundo de sua alma que tudo isso não passasse de um pesadelo horrível, do qual ela despertaria e atravessaria os corredores da mansão até o quarto tão familiar, bateria na porta e o Boss apareceria e diria que tudo estava bem. Que ele estava ali e não a deixaria sozinha, que não os deixaria sozinhos. Então ele a conduziria para a cozinha e prepararia seu chá favorito – uma combinação de maçã e hibisco, algo que apenas o Boss e Mukuro-sama sabem – e os dois ficariam sentados, bebendo e eventualmente conversando até o dia amanhecer, e então Tempestade-san iria reclamar que por causa dela Boss ficaria cansado o dia inteiro, enquanto Chuva-san iria rir despreocupado e todos teriam outro café da manhã barulhento. Infelizmente suas preces nunca foram atendidas e ela ainda permanece presa em seus pesadelos.

No entanto, durante a noite passada, em que ela e Tempestade-san estiveram observando Lambo uma vez que nenhum dos dois conseguia dormir, por um breve momento o jovem Trovão vagamente adquiriu consciência e tudo que deixou seus lábios era que ‘Tsuna-nii volto’ e que ‘Tsuna-nii disse que está tudo bem’, e, por algum motivo, isso fez seu coração se aquecer de uma forma que ela há muito não sentia e a metade feminina da Névoa se permitiu ter esperança, e Chrome tem certeza de que Tempestade-san sentiu algo semelhante, se a lágrima que viu rolar por sua face fora qualquer coisa. E horas antes, no início da manhã, quando as portas duplas da mansão se abriram e Boss entrou, foi como se o pesadelo finalmente tivesse acabado, e as palavras ditas durante a madrugada pelo adolescente semiconsciente voltaram correndo em sua mente. Sim, tudo ficará bem – algo dentro dela sussurrou quando ela o viu. Porém suas frágeis esperanças foram esmagadas uma vez mais quando ela finalmente percebeu que ele não era o Boss. Ele é apenas uma cópia inexpressiva. Ele não veio para tirá-la do pesadelo ao qual ela está perpetuamente presa – todos estão. Ele não é seu Céu de sorriso quente e acolhedor.

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A apresentação aos empregados foi longa e desgastante devido ao grande número de funcionários que trabalham na mansão – escusado dizer que todos estampavam expressões em maior ou menor grau de choque e espanto ao constatarem que o novo Don é uma cópia carbono do anterior, com algumas poucas diferenças, como o tom dos olhos e do cabelo, e o fato de ser um tanto inexpressivo. E não demorou para que comentários sobre o jovem ser a ‘reencarnação de Primo’, ou ‘gêmeo perdido do Decimo’ circular por entre os empregados, provocando várias discussões animadas - logo dispersadas pelo olhar afiado de Lorenzi, afinal apesar de velho o mordomo-chefe ainda pode ser bastante assustador, especialmente quando se trata da privacidade dos mestres. Após quase três horas, Reborn e Zero, que permaneceu presente durante toda a apresentação, acompanharam Ciel durante seu lanche forçado, algo que quase causou um enfarto em Pizio, pois o paladar apurado e mesmo o gosto por vinhos fortes do novo Boss são muito semelhantes aos do seu falecido Cielo. Além disso, o cozinheiro-chef não esperava que o Neo fosse de seu país de origem – França. Muito embora o loiro não se pareça com um francês nativo – fato que foi atribuído a sua brutal semelhança com Vongola Primo.

O sol começava a desaparecer no horizonte banhando tudo em uma mistura de cores de tirar o fôlego, quando Ciel finalmente subiu as escadarias rumo ao seu escritório, já bem mais familiarizado com os corredores da mansão. Porém, ao invés de ir diretamente para a papelada maldita, o Neo faz um desvio em seu caminho - confiando que as coordenadas que Zero lhe deu minutos antes estão corretas - e não demora para que alcance a enfermaria, seu corpo desacelerando até uma parada completa diante da porta de mogno. Por alguns segundos Ciel se questiona se deve ou não adentrar a sala, plenamente consciente dos problemas que terá se o jovem Trovão estiver acordado. O jovem Don se lembra da raiva que ferveu dentro dele quando viu o estado físico do garoto por culpa daqueles vermes. Da mesma forma ele se lembra perfeitamente da crise de choro do adolescente ao acordar em seus braços, da forma desesperada como o garoto tentava se agarrar a ele, mesmo que mal tivesse forças para manter a própria consciência. E até agora a única palavra dita pelo Bovino permanece ecoando em seus ouvidos provocando um sentimento estranho e lhe dando a sensação de ter agulhas espetando seu cérebro, quase como se tentando abrir algo lacrado em sua mente.

Ciel libera um pequeno suspiro, quando um calafrio percorre seu corpo uma vez mais. Ele esteve ignorando a sensação desagradável desde que deixou a sala de jantar e começou a vagar pelos longos corredores da mansão, mas talvez seja hora de dar fim a essa situação. Estreitando sutilmente seus orbes ouro-líquido, lança um olhar de soslaio para o corredor vazio, a famosa Hiper Intuição Vongola chutando a sua cabeça lhe diz que algo está deslocado ao seu redor. Então, em um movimento muito além do que o olho humano é capaz de perceber, o Neo desaparece de foco como se diluído no ar.

— É indelicado perseguir alguém. Se quiser algo de mim, ao menos se apresente devidamente antes, Rokudo Mukuro. – a voz aveludada e sem emoção é seguida do clique da trava de segurança de uma arma.

— Kufufufu. Parece que eu o subestimei, Neo Vongola Primo. Mas se você sabe quem eu sou, não deveria abaixar a sua arma? – comenta o ilusionista, enquanto seu corpo surge de dentro da névoa, o cano da arma apontado para o lado esquerdo da sua cabeça nem mesmo vacilar.

Girando o corpo para encarar a cópia, Mukuro fica com a bela arma negra - decorada com flamejantes chamas alaranjadas como a mais pura Shinu Ki no Honoo do Céu, de alguma forma lembrando um leão - apontada diretamente para os seus olhos bicolores, enquanto se permite um olhar mais atento sobre o Céu falso. É difícil dizer se Ciel Molière é uma cópia carbono de Vongola Primo ou do próprio Sawada Tsunayoshi. Seja como for, ele não parece ser nem um e nem o outro. Talvez ambos – sua mente brinca, ao mesmo tempo em que um sorriso sádico ameaça despontar em seus lábios.

— Da mesma forma, se você sabe quem eu sou, por que estava se esgueirando pelas minhas costas como um inimigo? E se eu o tivesse confundido com um dos muitos assassinos estúpidos que certamente virão atrás da minha cabeça uma vez que eu sou nomeado ‘Neo Vongola Primo’, e acidentalmente fizesse um buraco na sua cabeça de abacaxi?

Mesmo que nenhum músculo tenha se alterado na expressão estoica engessada na face de Ciel, Mukuro tem a irritante sensação de que a cópia está claramente se divertindo as suas custas. Além disso, o fato de que essa imitação foi capaz de sentir sua presença exatamente como ele fazia, e esquivar-se em uma fração de segundo, desaparecendo completamente do seu campo de visão, pegou-o completamente de guarda baixa – ele não detém o título, um tanto auto atribuído, de maior ilusionista do submundo por qualquer motivo. E ainda há esta arma, o Guardião tem certeza de que não viu qualquer volume no terno do Don que indicasse que ele possui tal objeto ricamente trabalhado, muito menos uma Box de onde a arma pudesse ter vindo, o que, se fosse o caso, teria sido facilmente visto por ele, uma vez que a cópia teria de acender suas chamas para abrir a Box. É quase como se ele a tivesse produzido do ar, como seu próprio tridente, que Mukuro nem teve tempo de materializar. Mas isso é impossível, pois em momento algum ele sentiu a presença de chamas da Névoa, e como todo herdeiro Vongola legítimo é óbvio qual é o tipo da Shinu Ki no Honoo de Molière. De fato, este novo Céu é um mistério ainda maior do que ele pensara inicialmente. E definitivamente não é alguém a ser subestimado. Apenas interessante.

— Belo anel. – comenta, ignorando a pergunta, ao finalmente perceber a joia, artesanalmente trabalhada, no dedo da mão segurando o gatilho, com algo semelhante a um prisma descansando sobre a superfície que parece ser feita de titânio; uma escolha no mínimo curiosa para um anel, o que dá a sensação de que a peça não foi realmente criação de um joalheiro.

— Obrigado. Foi um presente. – explica, sem mover os olhos ou aflouxar o controle sobre a arma, algo que começa a realmente irritar o ilusionista – Agora, o favor de explicar o porquê de estar me observando. Ou será que você é apenas um stalker e eu devo começar a me preocupar com outro tipo de violação? – com o comentário nada sutil, Mukuro estreita perigosamente os orbes bicolores para a cópia, que permanece inexpressiva a sua frente.

— Kufufufu. Parece que temos uma língua afiada aqui. Talvez devesse ter mais cuidado com as palavras. – comenta venenosamente.

— Está me ameaçando? – por algum motivo a voz soa divertida aos ouvidos do ilusionista, apesar de, uma vez mais, sua expressão não se alterar do plano e neutro.

— Apenas um conselho. Agora, sobre sua pergunta. Digamos apenas que eu o estava testando, conferindo se você pode ou não ser meu novo objetivo. – prossegue Mukuro, o sorriso sádico começando a rasgar seus lábios em uma promessa de dor e trauma mental.

— Novo objetivo? Devo supor que o antigo tenha sido o Decimo. – comenta Ciel, não perdendo o brilho fugaz que perpassa os orbes da Névoa dizendo-lhe que tocou em um tabu.

Antes que Mukuro tenha a chance de revidar, Ciel percebe uma nova presença e abaixa a arma, uma fração de segundo depois a figura de terno negro, camisa amarela e o inconfundível chapéu de fedora, surge no corredor, encarando a dupla com um olhar analítico.

— O que está acontecendo? – indaga o Arcobaleno em um tom afiado.

— Está tudo bem, Reborn. Apenas uma pequena interação entre Céu e Névoa. Não estou certo, Rokudo? – fala o novo Don, sem mesmo dar-se ao trabalho de encarar o Guardião.

— Certamente que está. Agora, até nos vermos, Ciel Molière. – com sua risada assinatura ecoando novamente, o ilusionista dissolve-se na névoa e desaparece por completo.

— Apenas uma ‘interação’ você diz. – comenta o Hitman, parando a poucos passos de onde Ciel está, enquanto um suave brilho branco envolve o anel com o prisma na mão direita do Neo, e imediatamente a bela arma negra começa a diluir-se até desaparecer por completo - Parece que sua interação não está indo muito bem. – prossegue, encontrando os orbes ouro-líquido do novo Don.

— Não é como se eu esperasse ser aceito de braços abertos pelos Guardiões do Decimo. Eu sou um Céu diferente depois de tudo. E de qualquer forma, ao aceitar levar a Famiglia eu também abracei os seus problemas. – responde com um pequeno suspiro, se de cansaço ou resignação, o Arcobaleno não é capaz de ler.

— Não simpatize com a dor deles. Eles fizeram por merecer o que estão sofrendo. – alerta o tutor com um brilho escuro.

— ‘A dor é o melhor professor’. – cita com sua expressão imutável, embora seus orbes vaguem entre diversão e pesar.

— Ao menos você aprendeu. – retruca o Hitman claramente divertido, soando suspeitosamente sádico.

— Não foi como se eu tivesse muita escolha. – responde, lançando um olhar para a porta da enfermaria.

— Eu mandei que sedassem a vaca estúpida. Ele deve permanecer apagado até amanhã no mínimo. – comenta Reborn, ignorando o olhar agradecido que recebe do seu aluno.

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— Você mandou Hibari cuidar da Famiglia Lavezzo. – afirma Reborn, escorado na parede ao lado da porta, mãos enfiadas nos bolsos da calça.

— Ah. Ter o mais forte Guardião Vongola de volta a ativa deve servir de aviso para as outras Famiglias. Esperemos que isso acalme um pouco a situação. – fala Ciel, os orbes ouro-líquido fixos no adolescente dormindo tranquilamente, ignorante para o mundo ao seu redor.

— Você sabe que com isso só vai irritar os outros Guardiões estúpidos. Eles estavam esperando tomar a queda da Lavezzo com suas próprias mãos. Eles só não agiram antes porque eu deixei claro que essa é uma decisão para o Boss tomar. – argumenta o Hitman, encarando o jovem Don, de pé ao lado da cama da vaca estúpida em outra cena nostálgica.

— Eu sei. Mas se fossem eles o aviso não teria o mesmo efeito. – retruca Molière, a mão pálida e um tanto insegura deslizando sobre os cabelos negros e ondulados, enquanto o adolescente inconscientemente se inclina em sua direção.

— Você se arriscou bastante ao resgatá-lo. Embora isso de alguma forma pode lhe valer alguns pontos com aqueles idiotas. O sumiço da vaca estúpida os forçou a agirem em conjunto como antes.

— Ele me chamou de ‘Tsuna-nii’. – divaga Molière, atraindo a atenção do tutor, seu olhar suavizando sutilmente sobre a face adormecida a sua frente - Mas nada mudou, Reborn, se é isso que quer saber. – prossegue, voltando-se para o Hitman com sua expressão encoberta pela fedora, embora Ciel possa facilmente reconhecer as emoções agitando-se no seu interior – Nada mudou. – repete em um fio de voz.

Um breve silêncio se forma na sala, enquanto o Neo volta a afagar os cabelos de Lambo, seu olhar tornando-se distante, momentaneamente sem brilho e completamente apático para o mundo. E uma vez mais Reborn sente seu estômago se contorcer. Esse olhar vazio o irrita para nenhum fim, sempre que esse maldito olhar aparece é quase como se não houvesse alma dentro do corpo a sua frente, como se fosse apenas uma boneca se movendo. Não há emoção, não há nada lá. Tem sido assim desde aquele dia. Desde o dia em que ele despertou.

— Vou ver o que está prendendo Basil. – informa, afastando-se da parede.

— Ah. – responde Ciel, em seu tom sempre plano, finalmente estalando de volta a realidade, seus orbes ouro-líquido adquirindo brilho novamente – Vou voltar para o escritório, ainda tenho alguns arquivos para ver. – prossegue, lançando um último olhar para o adolescente, e sem uma palavra extra ambos deixam a enfermaria.

Em seu sono, uma vez mais Lambo murmura para a sala vazia.

— Tsuna-nii.

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Notas finais do capítulo

Minna-san, não me odeiem e tenham paciência, agora que o Ciel finalmente entrou na trama eu posso começar a mover a estória. Ah e, por favor, tentem não bulinar muito o Ciel, eu sei que vocês tem expectativas e esperam que o Tsuna não tenha realmente morrido, mas tudo o que posso dizer por agora é: 'preparem-se para algumas surpresas' - talvez ficarem um pouco confusos também /brincadeira. E vejamos quem consegue criar a melhor teoria (>.