Eu nunca achei que encontraria um sentido para minha vida. Mas, num piscar de olhos, vi que eu estava enganado. Você foi a pessoa que me mostrou que meus pensamentos estavam errados. Confesso que nunca quis te conhecer. Mesmo que você fosse talentoso, a ideia de trabalhar com você me parecia ridícula. Aceitei aquele trabalho por capricho, sabe? Eu sentia prazer em ver a cara de ódio do Mana. Sentia prazer em apertar aquelas mãos hipócritas que davam-me parabéns quando, na verdade, seus olhos me fuzilavam a alma.

       Você foi a primeira pessoa com que fiz amizade. Com o seu jeito carismático e belo sorriso, faziam com que meu mundo mudasse de cor. Várias vezes chorei sozinho. Chorei por não poder ficar contigo, chorei por te amar. O que era apenas para ser um capricho, acabou se tornando um sentimento muito maior. Mas eu não podia ficar com você. A vida me pregou uma grande peça, essa é a verdade. Por que eu tive que aceitar aquele teste? Por que tive que me aproximar de você? Por que eu te amo? Mesmo com todas essas coisas... me confortava ter sua amizade. Só de ter você ao meu lado, meu coração ficava mais calmo e uma imensa alegria tomava conta do meu ser.

        Nunca entendi ao certo a palavra "perda". Nunca tive, de fato, uma perda. E pensei que nunca teria... Quando nos vimos pela última vez, estávamos animados. Você, porque a banda estava prestes a mudar, começar algo novo; e eu... eu iria sair em turnê nacional em alguns dias. Meu coração se entristeceu quando nos olhamos naquele dia... por mais que seu sorriso estivesse ali, por mais que... Era como um aviso de algo ruim. Meu coração estava angústiado, mas... logo passava, só de olhar para você. Me despedi com a promessa de que "quando você voltar, nós vamos ir beber", lembra?

        Mas, não houve bar. Durante toda a turnê não me deixavam usar o telefone, ver televisão ou sequer ler jornal. Segundo eles, era tudo para "não me desconcentrar". Mesmo com todo o sucesso... eu ainda estava triste. Era como se uma parte de mim estivesse faltando, sabe? Era sufocante... eu precisava te ver o quanto antes. Voltei e fui te procurar. Conforme eu andava na rua, as pessoas me olhavam estranho. Fui na sua casa, mas não tive coragem de subir. Nesse momento, esbarrei com Mana, a última pessoa que eu queria ver.

         - O que faz aqui? - perguntei por impulso.

         - Você também sente a falta dele? - ele perguntou, ignorando minha pergunta, com a mesma expressão de sempre, embora sua voz estivesse meio abalada.

         - A falta dele...? - perguntei, sem entender o que ele queria dizer. Senti meu sangue congelar nas veias. - O que você está querendo dizer?

         - Ele morreu, Gackt - ele abaixou a cabeça. Senti as lágrimas escorrerem pelo o meu rosto. - Kami está morto - pude notar que uma lágrima caiu, borrando parte de sua maquiagem.

          Não lembro ao certo o que fiz depois. Apenas lembro de que Mana me trouxe até em casa. Nunca senti um vazio tão grande assim.

          Desde esse dia que eu não vivo, Kami. Você era o que me mantinha vivo. Agora... Agora, eu passo o resto de meus dias te esperando. Me perdoe por não ter ido te visitar, é que me dói na alma não poder ver seu rosto. Mas, em minhas velhas memórias, ainda posso vê-lo. Ainda posso ver nós dois juntos, mesmo que fossem apenas como amigos.

          Passo noites inteiras em claro, na janela, a sua espera. Fica a espreita, esperando você vir me buscar. Mas... eu cansei de te esperar. Preciso acabar com meu sofrimento, preciso acabar com esse vazio... Irei atrás de você para, juntos, vivermos felizes para sempre... assim como nas minhas memórias.

          Apenas hoje... só consegui ter forças e coragem de escrever esta carta. Lembra-se da minha velha máquina de escrever? Então, ela ainda funciona. Decidi escrever a carta por aqui, pois... o som que ecoa pela casa quando meus dedos batem nas teclas, fazem com que eu me lembre de você. Me trazem mais e mais lembranças; você sempre vinha aqui escrever. Esse som faz com que as lembranças que eu tenho sejam vivas. Posso sentí-lo cada vez mais perto. Coloquei a máquina numa mesinha, aquela que ficava perto da janela, lembra? Eu queria ver a janela, o movimento da cidade, o céu... pela última vez.

           Daqui de cima, posso ver as pessoas lá embaixo. Posso sentir o vento bater fortemente em meu rosto. Você também o sente, meu amor? Ah... claro que sente! Agora você é livre... livre como o vento. E, em breve, eu também o serei. Agora, você já sabe de tudo. Posso ir em paz, sabendo que você já sabe que eu te amo. Quanto a esta carta... talvez nunca a vejam. Talvez, não encontrem meu corpo, talvez... Pouco me importa. O que eu realmente quero é vê-lo. Então, serei livre... finalmente livre.

           Eu te amo.

     Assinado: Gackt Camui.