Eyes On Fire escrita por Carol M


Capítulo 1
Capítulo 1




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Era tarde, ela sabia. E quando não era? Ivy deu um breve sorriso e logo voltou a montar sua tenda amarela berrante. Não ligava se alguém a visse, afinal tinha algo que a assustava mais do que um simples humano apontando-lhe um revólver ou coisa parecida. Na verdade, mais de uma coisa a assustava. Suspirando, bateu as botas em uma árvore próxima para limpar toda a lama impregnada em sua velha peça de roupa e entrou em seu pequeno refúgio daquela noite.

A garota demorou a pregar os olhos, imaginando como estariam todos aqueles que deixara para trás. Fez como aquelas pessoas que via na televisão, que faziam de tudo para conseguir realizar algum sonho utópico demais para mesmo existir na mente de alguém. Ela largara tudo para chegar aonde chegara. Para viver o que vivera. Quando finalmente rendeu-se ao Mundo dos Sonhos, tudo ficou silencioso. Não ouvia mais os barulhos irritantes emitidos pelos grilos de plantão e nem as folhas batendo umas nas outras como se estivessem em guerra. Não. Apenas ouvia seus próprios pensamentos, via seus próprios devaneios.

Logo, era manhã e a garota despertou com as costas latejando de dor. Quando saiu de sua casa improvisada, viu o porquê. Montara a barraca em cima de uma pedra desnivelada. Revirando os olhos, debochou da própria burrice e recolheu seus pertences, começando a caminhar novamente pela mata seca. Dentro de sua cabeça, imaginava como seria o tal Acampamento. Seria tão bonito como ouvira? Ou apenas mentiras deslavadas?

Insistentemente, uma imagem cismava em aparecer em sua frente. Uma pequena garotinha correndo e dançando com sua irmã, apenas três anos mais velha. Seus longos cabelos castanhos balançavam com o vento e tapavam sua visão de vez em quando, porém ela ria em vez de se zangar, o que a deixava ainda mais angelical. Então, veio a raiva. Ivy não conseguia imaginar como alguém seria tão horrível e vil a ponto de fazer aquilo com uma pessoa tão pura e doce como aquela criança. Quando percebeu, a garota já pressionava com tanta força sua pequena faca, a mesma que carregava sempre em mão casa alguém a atacasse, que o sangue começou a escorrer de sua palma. Praguejando, parou e fez um simples curativo. Não podia parar por muito tempo ou logo seria sentida por alguma criatura nojenta e repugnante do Submundo. Lutar não estava em seus planos.

Olhou o pequeno mapa que tinha e percebeu que mais alguns metros e chegaria ao seu destino. Outro sorriso furtivo brotou em seus lábios secos pela baixa umidade. Porém, tão rápido apareceu, do mesmo jeito esvaiu-se. Franziu o cenho assim que avistou uma criatura alada deitada à frente de um grande pinheiro. Ainda hesitante, aproximou-se lentamente e foi quando o dragão abriu seus penetrantes olhos amarelos. Ivy encarou-o de volta até que o bicho pareceu desinteressado demais e voltou a sua soneca. A garota soltou uma pequena risada e caminhou mais rápido, prontamente entrando no Acampamento Meio-Sangue.

Nunca, em um milhão de anos, ela imaginaria que aquele lugar poderia ser tão soberbo e bem desenhado. Não sabia para onde olhava mais e decidiu apenas por descer a colina à sua frente com cuidado para não tropeçar. Guardou a faca em um bolso externo de sua mochila e continuou a absorver cada milímetro daquela incrível construção, apenas fechando seus olhos para acostumar-se com o laranja brilhante de todas as camisetas dos campistas. Alguns a olhavam de volta, furtiva ou descaradamente. Pegou o mapa discretamente e seguiu na direção da Casa Grande, lembrando-se de como achara idiota tal nome e de como pensara que criatividade é algo que está em poucos.

Respirando fundo, bateu na porta levemente, fingindo estar ansiosa para conhecer os moradores dali. Quando um senhor de olhos avermelhados que parecia nunca estar sóbrio abriu a porta, Ivy forçou-se a sorrir.

– Olá. – cumprimentou o homem que supôs ser Dionísio, tomando cuidado com suas palavras – Preciso de uma informação.

– E eu de uma bebida. No caso, ninguém pode nos ajudar, não é, senhorita? – e começou a fechar a porta. A garota instintivamente esticou seu braço com a mão machucada e o atirou contra a porta, assustando um pouco o deus.

– Eu preciso de uma informação, meu senhor. Juro que não demorarei. – disse Ivy, tirando a mão e lançando um olhar de desespero para Dionísio que cedeu o pedido, abrindo a porta em seguida.

Ivy esperou que o Dionísio escorasse a porta e sentou-se quando ele praguejou e praticamente a jogou no sofá. O deus andou até um cooler de bebidas e retirou uma diet Coke de dentro, nem se dando o trabalho de oferecer uma à garota.

– Pois bem, senhorita... O que deseja saber? – perguntou, tomando um longo gole de sua bebida.

– Para começar... Onde estou?

Dionísio riu. E depois se engasgou com a Coca, forçando-o a parar por alguns segundos, para depois continuar. – Vocês são uma completa piada, sabia?

– Não entendo o porque, me desculpe.

– É claro que não. – debochou ele, tossindo um pouco – Bom... Você está no Acampamento Meio-Sangue, o lar dos Semideuses e afins. Você, minha criança... Está no local aonde treinará para não morrer sozinha no mundo “real”.

– Certo... Mas por quê? Quero dizer, dez minutos atrás eu estava montando minha barraca para um treino de sobrevivência e, agora, estou em um Acampamento escondido de verdade do qual nunca ouvi falar. Como explica isso, sabichão?

Ivy sabia que estava sendo muito atrevida, mas, para Dionísio, ela era apenas alguma outra adolescente com frescuras e idiotices. Portanto, como ela imaginava, o deus relevou sua rebeldia.

– Como eu não sou pago por isso, vou direto ao ponto... Sua mãe ou seu pai, eu não tenho ideia e também não quero saber, pulou a cerca, minha querida. E, olha só! Com um dos deuses Olimpianos. Isso, caso eles sejam casados. – Ivy riu internamente da expressão esperançosa de Dionísio em conseguir um surto psicótico dela, porém fez a maior expressão de dúvida que podia fingir. – Sim, deuses existem. Eu sou um deles, na verdade. Dionísio, deus do Vinho, já ouviu falar? Aposto que não, mas... A questão é que nós existimos e, a maioria de nós, vive no Olimpo.

– Certo, e quando é que eu acordo mesmo? – Ivy fez uma expressão ainda maior de indignação, sabendo que arrancaria um sorriso macabro da boca de Dionísio.

– Eu realmente esperava mais de você, senhorita. Vamos ver se eu consigo lhe explicar mais detalhadamente... Bom, deuses existem. Seu pai ou sua mãe tiveram relações com algum deus, o qual não sabemos e... – quando o deus do Vinho finalmente chegaria à parte boa, Ivy ouviu um leve ranger de uma porta se abrindo e olhou rapidamente para a direção do som. De lá, um senhor de meia-idade em uma cadeira de rodas. Seus ralos cabelos castanhos estavam jogados nos ombros e logo fitou a garota de volta, dando um breve sorriso.

– Olá! Creio que seja nova aqui... Sou Quíron – disse o homem, levando sua cadeira para mais perto de Ivy – Espero que o Senhor D. esteja a tratando como deve...

– Senhor D.? Oh, claro! – Ivy exclamou, dando um leve tapa em sua testa, fazendo-se de boba – Sim, não se preocupe. Ele está sendo muito encantador.

– Encantador?! Há! Já tive épocas melhores... – riu Dionísio, cheio de veneno. Ivy olhou para o chão, tentando se conter para não acompanhar o momento de descontração. Deveria parecer inocente, sem segundas intenções ou maldades. Rir da desgraça dos outros estava incluso.

– Bom... Voltando ao assunto. Bem- vinda ao Acampamento Meio-Sangue! Acho que já sabe por que está aqui, correto?

– Sim, Senhor D. manteve-me informada, obrigada. Foram grandes emoções para um dia só, mas acho que consigo aguentar mais algumas informações. Onde eu ficarei já que, supostamente, terei que viver aqui por algum tempo? Afinal, não costumo aprender lutas e outras coisas em apenas algumas horas.

– E não deveria, minha querida. Venha, vou-lhe mostrar a extensão do Acampamento enquanto o Senhor D. se acalma um pouco, sim? – chamou Quíron, dando um largo sorriso e virando sua cadeira de rodas na outra direção.

Por um segundo, Ivy olhou para outra direção, admirando um grupo de campistas utilizando espadas para treinar e, quando voltou seu olhar para Quíron, o homem não estava mais em uma cadeira de rodas e, sim, em quatro patas. O grande centauro ria da expressão de incredulidade da garota que, desta vez, era real. Ninguém lhe avisara sobre o centauro que, provavelmente, lidava com todos os problemas daquele local.

– Uau! Belo disfarce! – comentou, arrancando mais algumas risadas de Quíron – Admito que nunca imaginei que fosse um...

– Centauro é o termo correto, minha querida. Disfarces são necessários em um mundo de pessoas de mente fechada. – disse, dando de ombros. – Vamos, temos muito o que investigar.

Ivy acompanhou o centauro pela Quadra de Vôlei, onde alguns garotos loiros jogavam com fervor e animação. Alguns a acompanharam com o olhar, logo voltando a sua atividade, sem notar alguma coisa interessante provavelmente.

– Bom, logo ali são os chalés... – comentou Quíron depois de muito andar – É ali que ficará até que seu pai a proclame, no chalé de Hermes.

– Por quê? Quero dizer... Hermes não é meu pai, é? – Ivy perguntou, franzindo o cenho.

– Não sabemos, mas a questão é que o chalé de Hermes é onde os Indeterminados ficam até que seus pais os proclamem. Geralmente, até os 13 anos, porém... Creio que você tenha mais. – inferiu o centauro, dando uma breve olhada na garota.

– 16. Acho que sou alguma exceção à regra... – comentou Ivy, dando um sorriso amargo.

– Não se preocupe, alguns deuses não se prontificam a proclamar seus filhos, mas logo ele ou ela o fará. É só esperar... – respondeu Quíron, lançando um riso confortante.

– É... Talvez. – um silêncio desconfortante se alastrou pelo local, porém Ivy não teve coragem de quebrá-lo. Não havia nada a acrescentar a conversa e, se começasse a divagar, pareceria uma patricinha sem muito a oferecer. E ela definitivamente não o era.

– Bom, é aqui. Desculpe-me, nem perguntei seu nome.

– Ivy Monroe. – respondeu a garota prontamente.

– Certo. – Quíron olhou para os lados e assobiou alto quando avistou ao longe um garoto de cabelos negros, que logo se aproximou. – Chris, preciso de mostre a Ivy seus aposentos, por favor.

– Claro, Quíron. – olhou diretamente para Ivy e continuou – Vamos?

A garota assentiu levemente e o seguiu chalé adentro, agradecendo ao centauro com um aceno com a cabeça e um sorriso. Chris mostrou uma cama perto de uma janela e perguntou se Ivy precisava de mais alguma coisa. Ela balançou a cabeça e logo recebeu outra notícia um tanto animadora.

– Ivy, vamos começar nosso treino na Arena. Podemos escolher suas armas e posso lhe ensinar os primeiros passos. O que acha? – perguntou o garoto, dando um largo sorriso.

– Claro, seria ótimo. Obrigada.

– É melhor colocar o uniforme do Acampamento ou todos ficarão te encarando. Se não se importar com os olhares, é claro, não é necessário por enquanto.

– Onde eu acho um? – ambos riram e Chris retirou uma blusa de dentro de um pequeno armário e a entregou a Ivy, que correu para o banheiro para se trocar. O laranja era muito feio, tinha que admitir, mas era melhor do que ser encarada por um trilhão de pessoas diferentes que a julgariam de todas as maneiras possíveis.

Quando terminou de se vestir, acompanhou Chris até o Arsenal, aonde longas prateleiras cheias de armas a aguardavam. Ivy não sabia qual olhar primeiro, eram tantas facas e lanças diferentes.

– Uau! Vocês usam todas essas armas? – perguntou, pegando uma faca pequena e analisando-a cuidadosamente.

– Em tempos remotos, sim. Você... Entende desse tipo de coisa?

– Mais ou menos. Minha mãe tinha uma loja de armas quando eu era criança. Ela me ensinou como as fazer e, tenho que admitir, sou um pouco fanática por armas.

– Então, uma especialista não precisa da minha ajuda – brincou Chris, afastando-se um pouco, dando o espaço que Ivy precisava para achar a arma perfeita. Quando a garota vasculhou a terceira prateleira, algo pontudo a espetou, formando um pequeno corte. Pegou o objeto em suas mãos e vislumbrou-o por um segundo. Uma faca de, pelo menos, vinte centímetros de pura lâmina afiada e mais alguns adicionais para o cabo adornado em ouro. Sabia que aquela lhe pertenceria.

– Eu quero essa. – disse simplesmente para Chris, e o mesmo deu um sorriso e um aceno, indicando que precisavam ir. Antes, porém, o garoto pegou uma espada qualquer e a levou consigo. Ivy sabia que não usaria a faca naquele dia, pois havia observado os campistas do chalé de Hermes lutando apenas com espadas. Ainda com um sorriso estampado em seu rosto, acompanhou o garoto até a Arena. Era grande e cheia de gritos e agudos de espadas.

– Chegamos! Olha, como sei que sua mãe era uma especialista, creio que já lhe ensinou alguns truques, certo?

Ivy assentiu. Sua mãe nunca soube das armas que a garota escondia em seu quarto e nunca seria, nem se pudesse, uma vendedora ou especialista em armas. Era uma daquelas senhoras completamente contra qualquer ato ou alusão à violência, portanto nem mesmo brigas eram toleradas em seu lar. Às vezes, Ivy preferiria que sua vida fosse assim.

– Tudo bem, vamos começar com alguns ataques básicos para conseguirmos medir em qual nível você se encontra. Isso ajuda principalmente em seus treinos, afinal poderá começar a treinar na área dos mais avançados em vez de começar do zero. – jogou a espada na direção da garota que a pegou no ar – Me ataque.

Seco e direto. Chris estava tenso, Ivy percebeu. Ela nunca havia atacado alguém sem realmente querer e era difícil ter raiva de alguém tão caridoso como aquele menino, porém tinha que ser fria e cautelosa naquele momento ou acabaria tendo que aprender a arte da luta novamente, do zero. Respirou fundo e começou a lutar com o ágil filho de Hermes, defendendo-se rapidamente sempre que ele lhe lançava alguma investida e mantendo seus reflexos os melhores que podia. Tinha que admitir que tinha subestimado Chris, ele era realmente forte, provando o mesmo quando acertou o braço da garota, abrindo um corte que logo começou a sangrar.

– Tudo bem? – perguntou ele, arfando pelo esforço. Ivy sorriu quando percebeu que ele estava realmente cansado e não fingindo. Isso era bom. Ela havia atingido um ponto.

– Sim, podemos continuar. – respondeu, dando outra investida. Pelo canto do olho, podia perceber uma garota de cabelos castanhos um pouco sujos demais que os encarava durante todo o treino. Quando ambos pararam novamente, Ivy fitou a garota por mais de um minuto quase sem piscar e a garota também não desviou o olhar. Havia algo estranho naquela campista, algo que Ivy não gostava.

– Chris! – um garoto de cabelos castanhos encaracolados apareceu e cumprimentou Chris como se fosse grandes amigos. Virou-se para Ivy e sorriu. – Oi.

– Olá. – cumprimentou Ivy, ainda encarando a garota pelo canto do olho. – Sou Ivy.

– Travis. – respondeu o menino, sorrindo ainda mais. – Você é nova por aqui?

– Na verdade, cheguei hoje, sim. Você é filho de Hermes? – Ivy recebeu um aceno de cabeça e logo Travis se foi e Chris e a garota voltaram a treinar como se nada os tivesse perturbado. Apenas alguns minutos depois, a Arena foi invadida por filhos de Hefesto, loucos para testarem suas novas armas.

– Ops! Filhos de Hefesto! É o horário deles, quem sabe possamos terminar essa luta outra dia.

– Perfeitamente! – Ivy concordou com um sorriso – Como fui?

– Muito melhor do que eu esperava, tenho que admitir. Você tem coragem e não tem medo de se machucar. Ótimas qualidades para uma guerreira.

Ivy olhou para o lado rapidamente, porém pode perceber que a garota estranha vinha em sua direção com um largo sorriso. Franziu o cenho. Por que ela estaria sorrindo para uma completa desconhecida?

– Chris! – exclamou a garota repentinamente, sobressaltando Ivy.

– Clarisse, oi! – respondeu Chris com a mesma animação. – Achei que estaria no estábulo agora, cumprindo pena.

– Não, Quíron acabou me liberando se eu treinasse alguns prodígios. E, adivinhe, é muito melhor do que tratar cavalos! – ambos riram e Ivy tentou manter-se o mais afastada possível da conversa. A garota ouviu um pigarro e logo Chris voltou a falar.

– Oh, sim, me desculpe! Clarisse, Ivy. Ivy, Clarisse, minha namorada. – apresentou Chris, dando um lindo sorriso assim que pronunciou a palavra “namorada”. Ainda muito tímida, Ivy apenas disse um baixo “oi” e voltou a seu silêncio de costume.

Os namorados continuaram a conversar e, após uma breve explicação de como chegar ao Refeitório e de quando eram as refeições, Ivy decidiu voltar para o chalé de Hermes, aonde poderia descansar um pouco e fugir desse novo mundo que a esperava. Quando finalmente deitou-se em sua cama, fechou seus olhos e deixou-se levar em suas histórias fantásticas, em seus contos de fadas. Devaneios não machucavam, afinal, e ela precisava de algo que pudesse lhe dar segurança naquele momento. Algo que não a ferisse com toda sua força, que não a magoasse como estava acostumada. E conseguiu. Finalmente.



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Notas finais do capítulo

E aí? Quem gostou bate aqui! o/