Parte I

Ella nunca havia acreditado que realmente houvesse algo capaz de devolver-lhe a imortalidade e isso a deixava triste, embora fizesse questão de tentar convencer Haig de que achava aquilo natural e de que acreditava que o importante era ter boas recordações, viver o presente intensamente.

Quando partiu com ele em sua busca, no fundo queria estar ao seu lado apenas, mas, quando soube que existia sim algo que lhe permitiria viver para sempre ao lado de seu amado, seu coração palpitou, uma excitação tomou conta dela. Porém, tudo isso terminou num abismo escuro e frio quando esse “algo” revelou-se ligado à segurança do próprio filho.

Num primeiro instante, tudo pareceu-lhe um absurdo, horrível demais, mas Tamerlán acreditava que as escrituras antigas diziam algo sobre Aleh estar seguro, caso isso acontecesse entre o povo do Clã da Lua.

Ella começava a achar que para ficar ao lado do filho e de seu grande amor talvez valesse o risco. Nesse momento, ouviu-se uma grande agitação vinda de fora e Ella correu, o coração aos pulos pensando que pudesse ser Haig e Aleh, mas era Carlos.

Todos faziam festa por sua chegada pois, não se viam desde a última vez que tiveram que fugir do pessoal da KGB, no dia, inclusive, em que Alexsander morreu. Ella parou ao pé da escada da varanda e recostou-se no pilar com um semi-sorriso e quando seus olhares se cruzaram ela sabia o que ele havia ido fazer lá.

– Está aqui nosso amigo fujão! – disse Kuzma feliz da vida, ele sempre tivera muita afeição por Carlos.

– Então, Senhorita?

– É bom revê-lo, Carlos! Mas já tem um bom tempo que não sou mais uma “senhorita” – riram.

– Desculpe! Mas ainda continua parecendo uma senhorita!

– Gentileza sua, mas o tempo já começou a correr para mim, há pelo menos 18 anos. Nossa, o tempo passa e a gente nem se dá conta!

– Mas ele não precisa passar! Pelo menos não para a senhorita!

– É, eu sei! Estava justamente pensando nisso quando você chegou! Mas vamos entrar, Meredith com certeza já correu fazer aquele café que você tanto gosta! Aliás, nunca entendi muito bem, essa não é exatamente a bebida preferida de vocês...

– Cada um tem seu toque de excentricidade, o meu é beber café!

Entraram de braços dados, rindo. Sentaram-se à mesa e Carlos foi colocando Ella a par de tudo o que estava se passando entre o povo do Clã da Lua. Falou sobre o que Zurick disse, o que seria necessário para que ela obtivesse a imortalidade e o que eles queriam em troca. Explicou a Ella que foi uma exigência de Haig que ele não omitisse nenhum detalhe, para que ela pudesse decidir com plena consciência.

– Me diga, Carlos, você acha que conseguiremos viver entre eles?

– Olha, eles não são propriamente a elite sueca, mas também não são monstros desnaturados! Não mais. Eu passei todos esses anos com eles quando fugi da agência, naquela ocasião que, inclusive, culminou na morte de Alexsander. Eles são apenas... bem, eles... têm instintos primitivos, instintos de sobrevivência. Mas já evoluíram muito também, por incrível e inacreditável que pareça. Além do mais, se eu consegui depois de sair de lá há séculos, eles também conseguem!

– Por que Haig?

– Porque ele ainda preserva muito de primitivo em si, porque segundo Zurick, ele é o único capaz de compreender exatamente o que sente um indivíduo que viveu no Clã da Lua desde sempre e qual a melhor forma de lhes apresentar um mundo novo, porque sem isso eles estarão condenados à extinção! Não sei se você sabe, mas as Is não costumam passear pelos jardins deles - houve uma pausa durante a qual Carlos pensava nas palavras. - Se me permiti uma opinião própria, acredito que querem Haig por ele ser filho de Zirgov que, por sua vez, foi quem matou Androv.

–E por que você acha isso?

–Androv não era uma cara muito legal. Não só com os humanos. Não sei se é verdade, mas ouvi dizer que ele perseguia as Is e as tomava à força porque seu desejo era possuir o maior número de descendentes. Ele aniquilava qualquer um de sua própria espécie que se opusesse às suas ideias. Quando ele morreu, foi um alívio para todo mundo e o nome de Zirgov correu entre os seus como o de um grande guerreiro.

–Essa parte da história acho que nem mesmo Haig conhece, porque nunca me disse nada, nunca o ouvi referir-se ao pai como um grande guerreiro ou coisa parecida.

–É, pode ser...

Parte II

Depois de refletir bastante, Ella decidiu que seguiria com Carlos e enfrentaria o que fosse necessário para estar ao lado do marido e do filho e, se conseguisse a imortalidade, tanto melhor.

Sabendo que não retornariam tão cedo em se tratando de quem eram, para onde iriam e a missão que teriam que cumprir e que isso poderia significar anos ou até mesmo décadas, Ella instruiu Jason e Meredith.

–Jason, meu querido, você sabe o amor e a confiança que Haig tem por você. Você é como um filho para ele, nunca houve diferença na maneira como ele trata você e Aleh e tudo o que sempre proporcionou aos dois na mesma medida.

–Eu sei, Ella, eu o tenho como um pai. Na verdade, isso era bem mais fácil quando eu era um menino... – riram. - Agora que parecemos ter quase a mesma idade, confesso que às vezes fico constrangido em chamá-lo de pai, mas meus sentimentos por ele não diminuíram em intensidade, a gratidão é algo que mal cabe em mim.

–Muito bem, sabendo disso tenho aqui instruções expressas de Haig de que você deverá assumir seu lugar a partir de agora. Não só tomando a frente de todos os negócios, o que, aliás, você já fez antes, durante as viagens dele, e se saiu muitíssimo bem, diga-se de passagem.

–Obrigado, Ella! Eu me esforço bastante para não decepcionar aquele que me deu a oportunidade de ser alguém na vida!

–Bom, Jason, você terá que assumir tudo novamente. Porém, dessa vez terá que assumir tudo tomando o lugar de Haig, literalmente. Não sabemos quanto tempo vamos ficar por lá, podemos ficar décadas fora. Aqui tem o endereço de um grande amigo dele em Estocolmo. Você deve procurá-lo e ele lhe fornecerá documentos como se você fosse Haig e Meredith fosse eu. A partir de então, vocês assumem tudo, são os donos de tudo.

–Mas... e quando vocês voltarem?

–Não se preocupe, Jason. Isso nunca foi problema para Haig. Eu acredito que antes das bodas de diamantes do seu casamento com Meredith nós não estaremos por aqui... - eles riram, era um riso triste. No fundo Jason não estava feliz por ter que ficar longe daquela que era sua única família. - Não se preocupe, confiamos em você! Esperamos que em breve você e Meredith possam aumentar a família e aproveitar tudo isso aqui! E não se preocupe com seus descendentes, você sabe que Haig jamais os desamparará.

–Eu sei! O que me conforta é saber que aqueles que eu deixar como descendentes terão para sempre alguém que cuidará deles!

–É isso aí! Agora me deem um abraço, vamos! Venha Meredith! Gostaria de lhe agradecer tudo o que fez por nós, e obrigada a você também, tia Marrie!

A despedida foi triste. No sítio ficaram apenas os "mortais": Jason e a mulher, Meredith, e tia Marrie. Todos os outros deixaram Mora para trás, afinal, aquela era uma parte da família que seria eterna e estavam decididos a juntar-se a Haig em sua missão.

Enquanto o LandRover de Carlos deixava o sítio pelo caminho enfeitado pelas flores que Haig amorosamente cuidara por anos enquanto esperava por Ella, essa, por sua vez, não conteve as lágrimas. Seu futuro era incerto, na verdade, o de todos ali era. Ela só podia sonhar que tudo daria certo e que um dia poderia estar de volta e para sempre.