Coração De Menino escrita por Jacob


Capítulo 1
One-shot


Notas iniciais do capítulo

Esta história foi escrita ano passado, quando eu ainda tinha esperanças de entrar para a literatura para aterrorizar algumas criancinhas...



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Vem se esgueirando, no escuro. 
Na verdade, sua forma de locomoção é praticamente um rastejar.
Então, "Aquilo" vem se arrastando, no escuro. Na sua direção.
E a certeza, verdadeira de um jeito tão concreto que chega a doer, te atinge, antes que você possa evitar: "daqui a pouco, estarei morto".
A necessidade de mentir não existe, porque a morte é apenas uma simples consequência:
Você não deu ouvidos ao que sua mãe dizia. 
Você não foi um bom menino.
Você está fodido agora, garotinho, está sim.
Porque não há piedade nos olhos de sombras. Não há brechas para negociações ou falsos pedidos de desculpas.
"Aquilo" não carrega sentimento algum dentro de si além do ódio inconsequente e desmedido por coisinhas nojentas como você. Sei que um monstro indiferente parece mais assustador, mas não faz diferença enquanto se tenta fugir, desesperado.
"Aquilo" se esgueira/rasteja no escuro e, não importa o quanto tente fugir, vai te seguir até te alcançar. Parece distante no princípio, mas quando suas pernas começarem a falhar e ameaçarem te derrubar no chão com cada vez mais frequência, ela aumentará o ritmo e se aproximará. Cada vez mais e mais, com um sorriso de prazer nos lábios manchados e as garras se estendendo para sua camiseta surrada, prontas para agarrarem o tecido e te estraçalhar ainda dentro dele. 
Seu hálito, quente e podre como a fossa em que "Aquilo" vive, bate em seu rosto e você sente vontade de desmaiar. O sorriso se escancara de vez, os monstruosos dentes amarelados saltam para fora da boca arrebentada. 
A alegria nos olhos vermelhos é tão plena e doente que você deseja arrancá-los com as próprias unhas, mas tal ato parece impossível no momento, visto que seus braços pendem como pesos mortos ao lado do corpo. 
Ao contrário do que todo mundo diz sobre os instantes antes de morrer, você não relembra sua vida inteira. Você não se sente culpado por não ter sido um filho melhor ou por ter empurrado os garotos menores na escada para a quadra.
A única coisa em que você pode pensar é que sua vida chegou ao fim e ainda havia muito o que fazer nela.
Isso te faz sentir uma cólera tão profunda quanto violenta — o que, nas palavras do seu costumeiro vocabulário chulo, poderia ser traduzido como "ficou puto pra caralho".
"Aquilo" percebe.
"Aquilo" sempre percebe.
E, com sua voz esganiçada como a de alguém que engoliu todo o ar de um balão de uma vez só, "Aquilo" te diz:
— É feio não cumprimentar os outros, Breno. Fale "olá"!        
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Trêmulo, Breno se senta de repente na cama. Apavorado, pula quando sua esposa o toca no ombro.
— O que aconteceu? — ela pergunta, enquanto ele corre para acender a luz do quarto.
— Nada — o homem responde, enfim. Após olhar algum tempo para garantir que os cabelos dela eram mesmo castanhos e não ruivos, coçou a cabeça e suspirou de alívio. — Foi só um sonho bobo.
Ela continua olhando-o com desconfiança, mas não faz menção de iniciar um interrogatório a respeito. Pelo menos, não enquanto o sol não tivesse nascido.
Consciente de que não queria voltar a dormir, Breno apanha a toalha na porta e a joga no ombro.
— Vou tomar um banho. — anuncia.
— Mas ainda são três e meia da manhã!
— É só pra dar uma relaxada. Já volto.
Se sentindo estúpido, mas nem por isso menos certo, faz o caminho até o banheiro acendendo todas as luzes possíveis. Ao chegar no cubículo de azulejos manchados, analisa cada centímetro, principalmente o ralo da pia e do chuveiro. 
As águas transparentes da privada não exibiam qualquer ameaça detectável.
— Que merda, cara! Foi só uma droga de pesadelo... — sussurrou, ligando o registro do chuveiro. 
— Sabe o que acontece com meninos que falam palavrão, Breno? — questionou uma voz baixa e estrangulada. Era a voz de uma criança, que logo passou a ser acompanhada por outras. — Meninos que falam palavrão vão pro Inferno. — e, num coro apavorante, passaram a gritar todas juntas: — Inferno! Inferno! Inferno!
Elas vinham do ralo do chuveiro, Breno podia sentir o eco violento debaixo de seus pés. 
Tentou se afastar, mas um par de mãos cobertas por luvas brancas agarraram-no pelo tornozelo através do estreito buraco por onde a água escorria.
— Você tem sido tão mau nos últimos tempos... — dizia "Aquilo" enquanto espichava o ralo e surgia da cintura para cima, ainda segurando-o com suas garras assassinas. — Mas havia se esquecido de mim, então não pude fazer nada. Agora, entretanto, você se lembra... E acredita!
— Não, não! NÃO, PORRA, NÃO! — o homem se debateu, buscando ajuda no suporte das toalhas, porém este arrebentou quando "Aquilo" o puxou para o chão, derrubando-o nos azulejos escorregadios.
Enquanto seu cabelo vermelho e projetado permanecia intocado apesar do jato de água quente vindo direto em seu rosto branco, "Aquilo" tornou a puxá-lo para si, mais forte do que nunca.
— Não se preocupe, Breno! — consolavam os dentes famintos. Ele gritou desesperadamente quando estes afundaram na carne de sua panturrilha, fazendo o sangue jorrar — Tem balões suficientes pra todo mundo aqui embaixo!
E "Aquilo" riu, com toda sua felicidade doentia e sua boca repleta de carne e sangue.
Porque apesar de se esgueirar, no escuro, assobiando uma canção incansavelmente, "Aquilo" tem paciência e sabe esperar.
Ele espera.
E sempre te alcança. 
E sempre tem balões vermelhos no final, mas no fundo não são balões — e você sabe —, são corações. 
Corações de menininhos maus.
Por isso, seja um bom menino... e diga "OLÁ!". 


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Notas finais do capítulo

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