Herança escrita por Skywalker


Capítulo 1
Ingressando no desconhecido


Notas iniciais do capítulo

Oie oie!
Espero que gostem!
É a minha primeira fanfic longa e eu estou muito animada sobre ela!
Bem, Ciclo A Herança possui muitas palavras com o acento trema, porém, eu não sei fazer ele no teclado do meu notebook, então não estranhem se às vezes surgirem algumas palavras sem esse acento!
Eu peguei algumas quotes de Eragon para descrever o ovo, mas só.
Além disso, fui eu que inventei a palavra "Otrec" (na verdade, é 'certo' ao contrário) e algumas outras, mas a maioria eu peguei do Dicionário da Língua Antiga que se encontra no final dos livros.
Enjoy ♥



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Capítulo um — Ingressando no desconhecido


O som de metal colidindo contra metal, vívido e penetrante, ecoou por toda campina antes de voltar para seu local de início, entre os dois jovens suados no centro do lugar.

A garota usava os cabelos presos em um coque no topo da cabeça. Eram louros, da cor exata da aurora, e muito encaracolados. Com o esforço da luta, algumas mechas haviam caído do coque, moldando sua face e lhe dando uma aparência feroz e indomável. Seus olhos, claros, líquidos e cristalinos como água, estavam estreitos como fendas. Seu rosto era oval e delicado; seus lábios, finos e pálidos. Suas bochechas estavam coradas e sua testa pontilhada por gotículas de suór. Aquela jovem chamava—se Lianna, tinha dezesseis anos, e, apesar de ter a certeza de que iria perder o combate, estava contentíssima por estar ali do lado de for a com seu melhor e único amigo, Murtagh.

Murtagh tinha uma postura confiante. Ele provavelmente também sabia que iria vencer. Ainda assim, o duelo dos dois era tão bonito que parecia uma dança, a dança das espadas, e os poucos animais curiosos que passavam pelo local paravam para observá—los.

Lianna enxugou a testa rapidamente com a barra da manga da camiseta de linho branco. Um ato simples, um erro crucial. No milésimo de segundo em que ela fizera isso, Murtagh, com seus reflexos ágeis e impiedosos, conseguira jogar a espada da jovem para longe com um movimento rápido da sua própria, e derrubou—a no chão, encostando Zar’roc, sua espada, no pescoço de Lianna tão sutilmente que parecia que espada estava lhe dando um suave beijo. Na batalha, contudo, aquele poderia ser o beijo da morte, e ambos sabiam disso.

Lianna rosnou baixinho.

— Não é justo, — ela protestou, — você conhece encantamentos e pode fazer magia. Eu não.

— Não seja uma perdedora tão ruim. Você sabe que eu não uso magia com você. Além disso, estou te ensinando a Língua Antiga, não estou? Logo, quem sabe, você consiga fazer uns encantamentos básicos – replicou Murtagh, guardando a espada e oferecendo uma mão a Lianna. Ela aceitou e ficou de pé em um pulo, pondo—se novamente em posição de ataque. Murtagh olhou em volta e deu um sorriso triste, seguido de um suspiro.

— Sinto muito Lia. Temos que voltar.

Os ombros da loura caíram.

— Mas já?

— Está escurecendo. Galbatorix foi bem claro ao dizer que você não deveria ficar fora após o anoitecer.

Lianna bufou.

— Claro. E você, como o bom cordeirinho que é, irá obedecê—lo. – Ela disse. Murtagh retesou o corpo, surpreso com o veneno presente na voz de Lianna.

— O que houve com você, Lee?

Lianna o encarou sem acreditar no que havia ouvido. O que havia acontecido com ela? Era muita hipocrisia!

Desde que Murtagh voltara, Galbatorix havia permitido Lianna de sair do castelo durante um dia a cada dois meses – para as florestas e bosques apenas, e somente na companhia de Murtagh. Quando Murtagh e ela eram crianças, eles podiam sair com Morzan, o pai de Murtagh, mas ele era terrível e Lianna preferia ficar trancada em sua cela do que vê—lo. De qualquer modo, Murtagh não era o mesmo desde que voltara. Parecia sempre meio melancólico aos olhos de Lia, e nunca desobedecia Galbatorix. Além disso, agora ele tinha Thorn, seu dragão vermelho e arrogantezinho que ele conseguira de alguma forma que Lianna não conhecia, e Lia odiava admitir mas tinha medo de estar sendo trocada pelo dragão. Ela costumava ser a melhor amiga de Murtagh também, antes de abandoná—la, mas algo havia acontecido durante o tempo em que ele estivera for a e ele não a contava o que era. Isso, somado à mágoa que ela ainda sentia por ele ter ido embora, contribuíra para que Lianna conseguisse finalmente dizer, ou melhor, gritar, as palavras cheias de raiva e ressentimento que estavam entaladas em sua garganta.

— Eu me sinto traída! Ultrajada! É isso o que houve! Estou cheia disso, estou cheia de você. Por que você não pode simplesmente me contar o que houve com você? E não minta, eu sei que aconteceu alguma coisa! Você mudou. – Ela desabafou.

Por um breve momento, Lia identificou um relance de dor nos olhos de Murtagh, e ela soube que algo estava muito errado. Mesmo assim, o Cavaleiro de Dragão balançou a cabeça e disse:

— Você não entenderia… E seu pai me proibiu… Nós temos que ir.

Lia bufou, irritada, e guardou sua espada na bainha. Era uma espada simples de metal simples, nada como a esplendorosa Zar’roc, mas ela não se importava porque seu negócio mesmo era o Arco e Flecha, e não a espada.

Murtagh chamou Thorn, que estava caçando nas redondezas, e os dois esperaram.

Lianna tocou levemente a ponta de seu arco, que ganhara de Murtagh. O arco chamava—se Otrec, que, na Língua Antiga, significava “O Certo”ou “Aquele Que Nunca Erra”. Curiosamente, ela o nomeara assim antes de descobrir que Murtagh havia lançado um encantamento nele para que nunca errasse seu alvo. De qualquer maneira, Lia também tinha uma ótima pontaria com arcos normais, e, por isso, se dava melhor com eles do que com as espadas, com as quais era completamente desengonçada e atrapalhada.

Não demorou muito para que a imagem do imponente dragão vermelho surgisse dentre as árvores. Thorn havia crescido muito e muito rápido desde que Lia o vira pela primeira vez, e ela achava aquilo simplesmente estranho. Além disso, apesar do corpo de adulto, o dragão parecia ter uma mente de criança. Não que ele se comunicasse muito com ela, mas, quando o fazia, Lianna percebia que apesar de ter a sabedoria característica de todo dragão, Thorn tinha uma consciência um tanto infantil.

— Olá, garotão – Murtagh sorriu para o dragão de uma forma única que ele só permitia algumas seletas pessoas de verem. Antigamente, esses sorrisos raros e sinceros de Murtagh eram todos direcionados a Lianna. Não mais.

Houve uns segundos de silêncio durante os quais Lianna teve certeza de que os dois estavam se comunicando mentalmente. Ela se irritou.

Após esse silêncio breve, Murtagh franziu as sobrancelhas e murmurou alguma coisa inaudível.

— O quê? O que aconteceu? – Perguntou Lianna, impaciente.

— Eragon tomou Belatona e agora marcha em direção à capital… Se ele passar por Dras—Leona… Mas Galbatorix é orgulhoso demais para admitir o risco… No entanto, se ele for derrotado, estaremos livres e…

Lianna não entendeu uma única palavra. Ela ergueu uma sobrancelha.

— O que você está dizendo? Quem é Eragon? Belatona e Dras—Leona… São cidades, não são? Cidades grandes do império! O que está acontecendo? – Ela questionou. Murtagh a olhou surpreso, como se só naquele momento houvesse percebido que Lianna estava ali.

— Esqueça tudo o que você ouviu… Me distraí…

— Não! Eu quero saber o que está acontecendo! Diga—me, Murtagh! Ou eu juro que não o perdoarei! Não é justo, não é justo!

Murtagh a encarou e, por um momento, Lianna achou que ele fosse lhe contar tudo. Parecia que ele estava enfrentando uma luta interna, batalhando contra sua própria consciência. Seus olhos se fecharam, e, quando ele os abriu novamente, eles brilhavam como se estivessem cheios de lágrimas.

— Eu não posso. Eu sinto muito, Lia, eu não posso…

Lianna se jogou para cima de Murtagh com tanta força que os dois caíram no chão. Ela tentou socá—lo, tentou fazer qualquer coisa para machucá—lo. No entanto, antes que conseguisse, um rugido lhe desconcentrou.

Lianna, filha de Galbatorix, controle—se!

A loura levantou—se e virou—se em direção a Thorn. Ele lhe encarava, seus olhos pareciam crispar como brasas.

— AH! Resolveu compartilhar seus pensamentos comigo, Nobre Thorn das escamas gigantes? Agora sou digna de ouví—lo? Que glorioso!

Thorn rosnou baixinho e soprou fumaça no rosto de Lianna, que começou a tossir loucamente. A fumaça cegou—lhe e dificultou sua respiração, fazendo sua garganta arder como se estivesse engolindo ácido.

Thorn! Murtagh gritou, correndo para perto de Lia, que havia tropeçado e caído no chão. Ele deu tapinhas de leve em suas costas. – Você está bem? Hein, Lia?

Lianna empurrou a mão dele para longe, com raiva, e levantou—se, ainda tossindo e esfregando os olhos um pouco.

— Me deixem em paz, você e o seu monstro… Eu quero ir embora, só isso.

Em silêncio, ambos subiram na sela do dragão, que bateu as asas duas vezes antes de subir ao céu. Lia adorava voar. Era a melhor parte de Thorn, poder voar com ele. No começo, era um pouco desconfortável. Até porque o impulso que o dragão dava para sair do chão fazia com que ela sentisse uma pressão a puxando para trás, e Lia tinha que se segurar com força para não cair. E, às vezes, seu estômago embrulhava um pouco. Mas era incrível. E era mais incrível ainda pensar que Thorn era um dos únicos dragões que ainda existiam. O fato era que sua criada, Aya, era também sua professora e havia lhe contado sobre a história dos dragões. E Murtagh lhe contara o resto – sobre como Galbatorix juntara os Renegados e como ele assassinara todos os dragões até que só sobrassem Shruikan, seu próprio dragão, e Thorn.

Lianna fechou os olhos e sentiu a brisa banhar seu rosto. A sensação era maravilhosa e única, e acabou rápido demais. Quando eles pousaram, logo em frente ao castelo, o solavanco foi forte demais e Lianna caiu no chão. Ela odiava o fato de ser magra, pequena e vulnerável demais. Murtagh agarrou seu ombro, e, sem dizer uma palavra, a pôs de pé. Por sua expressão distante, Lianna presumiu que ele estivesse falando com Thorn. Para variar.

Murtagh se despediu de Thorn e os dois entraram no castelo por uma entrada aos fundos que dava direto nas masmorras, assim, ninguém a veria. Se havia algo que Galbatorix temia era que descobrissem sobre sua filha, por isso, pouquíssimas pessoas sabiam sobre sua existência. Apenas Aya, a criada, Cassidee, um dos membros da guarda pessoal de Galbatorix, o próprio Galbatorix, Murtagh, Shruikan e Thorn sabiam sobre ela. E, é claro, sua mãe. Contudo, sua mãe morrera em seu parto, como Galbatorix fazia questão de lembrá—la todas as poucas vezes que se viam. E essa era a única informação de verdade que Lianna tinha sobre ela, além de saber seu nome, que era Tessah.

Enquanto passavam pelos corredores escuros das masmorras, a única iluminação vindo de poucas velas nas paredes e de um encantamento que Murtagh fizera para que surgisse uma bola de luz em sua mão, Lianna sentiu seus olhos umidecerem e sua garganta fechar, e suspirou. Não chorou, mas estava muito perto disso. Era sempre difícil voltar para “casa” após um dia inteiro em um lugar tão lindo como a campina em que estivera treinando com Murtagh.

Assim que chegaram em sua cela, Murtagh a prendeu novamente com as correntes que Galbatorix a obrigava a usar, nos pulsos e nos tornozelos. Lianna não disse nada. Não adiantava protestar, Murtagh não iria poder contrariar Galbatorix, ele nunca fazia isso.

Após ter terminado de prender as correntes firmemente em Lianna, Murtagh fechou os olhos e suspirou, colocando os dedos nas têmporas.

— E a leitura, como anda? — Ele questionou, abrindo os olhos de repente e apontando com o queixo para a pilha de pergaminhos do outro lado da cela.

Lianna olhou para os pergaminhos e não conseguiu se impedir de sorrir. Murtagh havia a ensinado a ler e a escrever, e ela adorava, tanto que era mestre nisso.

— Bem. — Ela deu de ombros. — Acabei com a pilha ali e copiei todos os textos para treinar a caligrafia. Ainda sinto bolhas nas minhas mãos!

— Bom, — respondeu Murtagh. — Muito bom. Tenho um presente para você. Eu ia te entregar antes, mas… — As palavras morreram antes que Murtagh as dissesse, e ele tirou um pacote bege de dentro de sua capa negra. Lianna arrancou o pacote das mãos dele, feliz, e o abriu, momentaneamente se esquecendo de que deveria estar brava.

Quando ela arrancou o papel bege, um livro apareceu. Lianna nunca havia lido um livro, não um inteiro, pelo menos, e ficou animada. Ela leu o título, que era Du Alagaësia Ilumëo, ou A Verdade da Alagaësia. Lia arregalou os olhos.

— Que incrível! Obrigada, Murtagh… — Ela abraçou o amigo, que ficou subitamente rígido.

Lianna afastou-se, envergonhada, ao perceber o desconforto de Murtagh.

— Desculpe… — Ela disse, constrangida. Murtagh balançou a cabeça.

— Não foi nada. Eu só não estou acostumado à isso como eu era antes. Enfim, este livro é um livro histórico, é um pouco chato, mas conta uma boa parte da história da Alagaësia que eu não tive a oportunidade de te contar. Pensei que você pudesse gostar…

— Eu adorei. Obrigada, Lam Garjazla Lífs.

Murtagh riu.

— Você acabou de me chamar de Minha Luz Vida.

Lianna franziu a sobrancelha.

— Tudo bem. Eu queria dizer Luz da Minha Vida, mas serve também. Você pode ser minha luz-vida, afinal, você é uma das poucas coisas pela qual vale a pena se viver nesse inferno. Minha vida resume-se ao conhecimento, a você e a Aya.

Murtagh deu um sorriso constangido, não sabendo como responde aquilo.

— Você também é muito importante para mim, Lianna — ele a olhou intensamente, seus olhos verdes fundindo-se nos azuis da menina, após alguns segundos. — Você não sabe o quanto. Desde pequeno… Tendo de conviver com Morzan e todos os maus tratos… você era meu único escape e ainda é. Se não fosse por você, eu teria enlouquecido ou me matado há tempos. Ou os dois, quem sabe.

— Não brinque com uma coisa dessas… — Lianna sentiu um calafrio percorrer seu corpo. — Você não sabe como foi difícil, Murtagh, quando você foi embora. Por que você fez isso? Por que não me levou junto, ao menos? Por que… Por que você voltou? Apesar de tudo, foi uma idiotice! Sei que não voltou por minha causa, então deveria é ter ficado longe e vivido feliz com seu estúpido dragão. Era o mínimo que você deveria fazer. Não voltar para cá, para este lugar horrível…

— Desculpe, Lia. Desculpe. Eu pensei em você, durante muito tempo, e depois resolvi te isolar em um espaço escuro da minha mente, agir como se você não existisse, porque era mais fácil do que viver sabendo que eu tinha te deixado para trás. Você era minha melhor amiga, me desculpe. Eu tive que ir, me desculpe. Eu não podia continuar aqui e eu teria te levado, mas era impossível. Eu sinto muito. Eu acho que nunca pedi desculpas a ninguém antes… Mas por favor me desculpe!

Lianna balançou a cabeça e percebeu que estava chorando. Ela odiava chorar, era coisa de fracos e ela não queria ser fraca, de tal modo que secou as lágrimas o mais rápido que pode, engoliu o nó que voltava a se formar em sua garganta e olhou para Murtagh com superioridade.

— Quer saber? — Ela disse. — Não me importo por você ter ido. Não mais. O que me incomoda é você ter mudado tanto. Eu era sua melhor amiga, Murtagh? Era? Por quê? Porque agora é Thorn, certo? É para ele que você conta seus segredos e…

— Não faça isso, não combina com você. — Disse Murtagh, triste. — Amargura não combina com você. Ciúme tampouco.

— Tarde demais, Murtagh. Eu provavelmente já nasci amarga. E a única pessoa que poderia ter me mudado só me piorou. Eu sei que você e Thorn têm uma relação de dragão e cavaleiro que nós nunca poderíamos ser. Não sou estúpida. Não estou com ciúme. Estou com raiva. Eu não me importaria se você resolvesse viajar com Thorn para uma ilha deserta e passar o resto da vida vivendo com ele e sem me ver, o que seria muito estranho, mas eu não me importaria desde que você me contasse o que e por que você iria fazer. Desde que você confiasse em mim como confiava. Eu sou a mesma de sempre. Sou a Lia. Aquela que te ajudou e que você ajudou. Não mudei Murtagh… você pode confiar em mim como antes!

— Mas eu mudei! Eu!

Um silêncio estranho se seguiu as palavras de Murtagh. Flashbacks encheram a cabeça de Lianna. Ela lembrou-se de uma criança de cabelos negros e olhos verdes, e uma loura de olhos azuis, brincando com pedrinhas dentro de uma masmorra. Flashback e as duas mesmas crianças, agora um pouco mais velhas, estavam escondidas debaixo de uma coberta velha, uma abrançando a outra e as duas chorando. As costas do menino estavam vermelho-vivo, uma enorme cicatriz atravessava seu torso.

Vários outros momentos passaram por sua mente. E Lia percebeu que aquelas lembranças eram as únicas coisas que ela teria do antigo e verdadeiro Murtagh, seu melhor amigo. Porque aquela pessoa que estava lá não era o mesmo Murtagh que ela conhecera, e disso Lia já sabia. O difícil era ver que ele nunca voltaria a ser o mesmo.

— Eu percebi — ela sussurrou. — Mas eu não sei se vou me adaptar a esse novo você.

Murtagh colocou as mãos no rosto de Lianna.

— Você já se adaptou. — Ele disse, acariciando-a de leve. — E mesmo que eu tenha mudado, o que eu sinto por você não mudou. Você é muito importante para mim Lia.

— Posso te perguntar uma coisa? — Lia disse, entrelaçando seus dedos com os de Murtagh. O carinho entre eles era mútuo e produto de uma amizade de longa data, que apesar de tudo, não iria nunca se modificar.

— Sempre.

— Valeu a pena? Ser… livre? Mesmo que por pouco tempo… valeu a pena poder caminhar pelos bosques e ver o Sol nascer de outra perspectiva?

O rosto de Murtagh se tornou leve e Lianna adorou ver aquilo.

— Não quero que se magoe… — Ele disse, cauteloso.

— Só responda.

— Sim. Valeu a pena. Por um tempo, eu digo. Por um tempo valeu a pena. Liberdade é… maravilhoso.

Lia poderia ter aproveitado-se do momento para descobrir mais sobre sua estadia do lado de fora. Ela teria conseguido arrancar algumas informações, sabia disso. No entanto, não queria. Tudo o que ela queria era uma resposta, uma motivação. E isso, já havia conseguido.


Duas horas depois, Murtagh já havia ido embora fazer alguma coisa qualquer para o Rei. Ele não costumava ficar muito tempo mesmo nas masmorras, apenas algumas horas, antes de voltar para seu quarto. Murtagh sempre tivera um quarto; Lia não. Seu pai, Galbatorix, a odiava. A odiava por ser um segredo perigoso. A odiava por ter feito sua mãe morrer — mesmo que Lianna não acreditasse realmente que Galbatorix gostasse de sua mãe, afinal, ele não gostava de ninguém, mas ela gostaria sim de descobrir mais sobre quem fora Tessah e como ela e Galbatorix haviam se conhecido. A odiava por ser uma garota — se fosse homem, poderia ser útil para alguma coisa, mas ele acreditava que uma menina não era de utilidade alguma. E, mais do que tudo, a odiava por não poder matá-la. Pelo que Lianna sabia, Galbatorix havia jurado na Língua Antiga para sua mãe que não mataria o filho ou filha dos dois, não importando as circunstâncias. E ele se arrependia amargamente disso.

Uma vez que não podia matá-la, Galbatorix fazia o máximo possível para tornar sua vida um verdadeiro inferno. A prendera naquelas masmorras com correntes e não a deixava conhecer as cidades e partes realmente interessantes do mundo exterior. A tratava como se fosse o pior tipo de verme da humanidade cada vez que se viam e mesmo quando não se viam, dava um jeito de fazê-la se sentir assim.

Por sorte, Lianna era diferente do pai. Ela odiava poucas coisas em sua vida — Galbatorix era uma delas —, não gostava de torturar as pessoas, não era orgulhosa e arrogante, e, certamente, não era louca e obssecada pelo poder. Na aparência, a única coisa que Lianna havia puxado ao pai, infelizmente, era a pele, dourada como cobre. Não tão escura como a do pai, mas suficientemente dourada para parecer que ela passava a vida nas praias de Alagaesia.

Lia havia passado seu tempo sem Murtagh lendo o livro que ele lhe dera. Ela lia rápido pois tinha fome de conhecimento. Achava tudo muito atraente. E descobriu que o livro contava marcos históricos misturando textos didáticos com cantigas, contos, lendas e outras coisas muitíssimo interessantes.

Logo, ela já havia devorado metade do livro. Foi quando se deparou com um conto breve chamado A Primeira Dama. Era uma lenda antiga, ela não sabia de qual povo, e começava mais ou menos dessa forma…

Muito antes dos homens e elfos caminharem pela Alagaesia, haviam dragões e anões, e eles batalhavam todo o tempo, viviam em guerra. Koriander era um dragão imponente de escamas negras como a noite mais densa e olhos brilhantes como a Estrela da Manhã. Koriander, assim como os outros dragões, odiava os anões e vivia lutando com eles. Um dia, no entanto, enquanto seus colegas dragões acabavam com uma cidade inteira de anões, ele encontrou uma criança anã, uma garotinha de olhos muito azuis chamada Ragni (que significava rio, em homenagem a seus olhos e a seu nascimento, que havia sido na beira do rio), escondendo-se na floresta e chorando muito. Seus pais haviam morrido e ela não sabia o porquê. Tudo o que dissera era que eles estavam forjando martelos, como sempre faziam, e então fogo surgiu e tudo virou um cáos. Ela fora a única sobrevivente de sua família, vira seus pais, irmãos, tios e até seu prometido, Carkill, morrerem.

A menina não tinha mais que dez anos e Koriander não pode deixar de reparar em sua inocência e fragilidade. Ele começou a questionar-se se a guerra valia a pena. Koriander tomou a menina sob sua proteção, e, assim, houve a primeira e única Dama de Dragão, que surgiu muito antes dos cavaleiros elfos e humanos. Koriander deixou de guerrear contra os anões e viveu em paz com Ragni caçando e ensinando sobre sua verdadeira paz para quem quisesse ouvir. Quando Ragni se casou, Koriander passou a viver com ela e sua família. Ele viu os filhos dela crescerem e irem embora, e seu marido falecer de uma doença terrível. Em todos os momentos da vida dos dois, um estivera com o outro.

Contudo, após os elfos virem para Alagaesia e pouco antes do pacto entre elfos e dragões ser selado, Ragni foi morta ao tentar proteger Koriander de um ataque elfo. O dragão ficara destruído. Não podia viver sem Ragni, como Ragni não poderia ter vivido sem ele. Expeliu, então, seu Eldunarí, o Coração dos Corações, e deixou seu corpo morrer enquanto sua alma se fechava para o mundo exterior.

O Eldunarí de Koriander foi o mais escuro que já se ouvira falar e nunca foi encontrado. Ele era pontilhado por pontos brilhantes, como estrelas, e tão triste de se ver quanto a representação do próprio sofrimento. Koriander o expelira pois era mais sábio e destemido que todos de sua época. Ele sabia que um dia seria encontrado, mas somente por alguém digno o suficiente, e, definitivamente, alguém destinado às maiores grandezas do Mundo.

Apesar de seu final triste, A Primeira Dama é um conto importante porém pouco conhecido, com um significado muito mais complexo do que aparenta. Fala sobre amor, pureza e sobre sabedoria, principalmente sobre sabedoria.


Quando acabou de ler o conto, Lianna não sabia se havia realmente entendido a história fictícia — porque o livro deixava claro que nada daquilo havia acontecido mesmo —, mas tinha certeza de que havia adorado-a. Ela estava deitada sobre um amontoado de cobertores em um canto da cela, refletindo sobre A Primeira Dama, quando um barulho no corredor chamou sua atenção.

Finalmente, pensou, imaginando que fosse Aya com sua janta. Ela estava faminta.

No entanto, apesar de ser realmente Aya quem aparecera à sua frente, a mulher não trazia nada de comida consigo, pelo contrário. Aya, uma velha senhora de cabelos ruivos e pele enrugada, estava chorando muito e tinha uma chave entre as mãos… a chave das correntes de Lianna.

— O que está acontecendo? — Perguntou Lia, assustada.

— Lu-Luzzie… E-ela morreu…

Luzzie era a filha de Aya e a única razão para que a velha anciã ainda obedecesse Galbatorix era o medo que ela tinha de que algo ocorresse a essa filha. Lianna não acreditou no que ouvira.

— Como isso aconteceu? — Ela questionou, horrorizada.

— E-ela estava doente… E-e o Rei não q-quis a-ajudar-me… Eu nã-não tinha dinheiro para cuidar dela… Ela…

As lágrimas caíam dos olhos de Aya como chuva forte de inverno. Lianna logo se adiantou e abraçou a criada quando esta entrou na cela. Mas Aya parecia aflita, e logo se esgueirou de seu abraço.

— Você tem que ir! — Ela disse, ainda soluçando um pouco. Aya se abaixou e começou a destrancar as correntes de Lia. — Você deve fugir… A única razão, Lianna Cachinhos Dourados, pela qual eu não a libertei antes foi o medo… Mas aquele monstro não pode me fazer mais nada de mal…

— Não! Ele vai matá-la! — Lianna exclamou, recusando-se a ir quando sentiu o peso das correntes abandonar seu corpo.

— Por favor, querida, vá! Eu sou uma velha e não sirvo para nada neste mundo… Mas você tem o poder para mudar o destino de todos, Lianna! Sua mãe, eu a conheci… Ela teria odiado vê-la aqui… Estou fazendo isso tanto por ela quanto por você, então faça algo por mim e fuja…

Lianna abraçou Aya fortemente. A criada retribuíu, mas apenas por alguns segundos.

— Tome, você vai precisar — ela disse, passando a Lia uma longa e negra capa. — Peguei do senhor Murtagh. — Informou. Lianna agradeceu mentalmente. A jovem usava apenas um corpete de couro por cima da camiseta de linho branco, e uma calça escura de algodão, de tal modo que seria difícil proteger-se do frio e dos olhares das pessoas com tais vestes.

— Obrigada.

— Vista suas botas! Depressa!

Lianna fez como ordenada, e calçou o par de botas de couro gastas que estavam encostadas à parede.

— Ouça atentamente o que vou dizer: — Aya agarrou seu rosto e olhou bem no fundo de seus olhos. — Você precisa correr para o mais longe que puder. Deixe todo o resto para trás, pense em sua sobrevivência. Logo que o Rei descobrir que fugiu, vai ficar furioso. Vai fazer de tudo para tê-la de volta pois você é perigosa para ele. Então tome cuidado.

— Mas…

— Shh! Escute-me bem, você precisa encontrar um homem chamado Eragon. Ele é muito importante. Não revele a ninguém sua verdadeira identidade, somente a ele quando encontrá-lo. Fomos proibidos de lhe contar o que está acontecendo lá fora, mas tentarei resumir: há uma guerra. E este Eragon, eu nunca o encontrei pessoalmente mas não há uma pessoa que não saiba quem ele é, ele pode ser a única pessoa capaz de derrotar Galbatorix… Ele tem um dragão, um grande dragão de escamas azuis brilhantes… E está aliado ao exército dos Varden, aos surdanos, a Urgals e aos elfos. Sim, ele é muito poderoso e você precisa encontrá-lo! Só assim poderá ficar segura, longe de Galbatorix… Conte a ele, mas repito, somente a ele quem você de fato é... Ele não te fará mal, cuidará de você, eu tenho certeza…

— Mas você não o conhece! E se ele odeia o rei, me odiará! — Exclamou Lianna.

— Não, não odiará… Não se você contar toda sua história… Pelo contrário, tenho certeza de que ele e muitos outros que surgirem vão querer tirar vantagem de sua posição contra o Rei. Mas você deve tomar cuidado com os aliados que escolher, querida!

— Eu não entendo… Ele não pode ter um dragão e… E eu não entendo nada, nada! — Lianna disse, frustrada, enquanto prendia a capa ao redor de seu pescoço. A verdade é que ela tinha medo de ir. Tinha medo do desconhecido. Tinha medo de ter de lutar por sua vida.

— Vá! Vá e acabe com esse reinado de terror Lia! Vá e ajude a salvar a Alagaesia!

Lianna abraçou mais uma vez Aya muito forte. Ela a amava demais. Então, soltou a mulher que era quase como uma mãe para ela, pegou o livro que Murtagh lhe dera e saiu correndo, sem mais nada consigo. Contudo, quando chegou à porta que dava para o lado de fora, ela estava trancada. Desesperada, Lianna teve de adentrar o castelo. Ela estivera lá pouquíssimas vezes antes e se esforçou para manter-se nas sombras, mas o lugar era estranhamente deserto. Passou por corredores com paredes forradas com tapetes persas e vários quadros de dragões e do próprio Galbatorix. Estava com muito medo de alguém a visse e contasse ao rei. Certamente, ele mataria Aya, e ela não queria que a mulher morresse em vão.

Lianna caminhou silenciosamente, olhando com atenção para cada detalhe do castelo, já que ia lá apenas em raras ocasiões. Ela não sabia onde estava e começou a se desesperar, quando viu uma criada no fim do corredor das paredes de tapetes.

— Quem é você? — Perguntou a mulher, desconfiada.

— Vim entregar algo ao senhor Murtagh — respondeu, com a cabeça abaixada e distorcendo a própria voz para que parecesse masculina. Apesar disso, ela era baixa e magra demais, o que deixava evidente que ela não era um homem.

A criada assentiu, seus olhos ficando amedrontados ao ouvir o nome de Murtagh, e continuou seu caminho. Lianna respirou fundo, aliviada, e começou a correr. Ela estava em um dos primeiros andares, se conseguisse achar uma janela, poderia pular e sair ilesa. No entanto, antes que pudesse investigar mais, ouviu um grito:

— Ei, você!

Era Murtagh. Um frio gelado percorreu suas espinhas. Se ele a visse, seria obrigado a entregá-la ao rei. Ele não podia descobrir que era ela.

Lianna correu o mais rápido que pode e logo ouviu Murtagh vindo atrás dela, gritando para que ela parasse. Em pouco tempo, ele já havia chamado os guardas para ajudá-lo.

Desesperada, ela subiu uma escadaria interminável, tentando não dar atenção ao fato de que os homens atrás de si estavam cada vez mais próximos.

Quando acabou o lance de escadas, ela conseguiu despistar os outros por um momento, se esgueirando em um corredor qualquer que dava para escadas maiores. Sem opção, Lianna subiu as novas escadas, rezando para todos os deuses para que os guardas não a achassem ali.

Ela subiu o que pareceu ser metros e mais metros de escadaria, passando por diversas portas até chegar ao limite, que, provavelmente, era a torre mais alta do castelo, aquela que Aya comentava que o Rei não deixava ninguém entrar. Como imaginava, a porta estava trancada, o que fez com que Lianna desejasse saber magia para poder abrí-la.

— Por aqui! — Ela ouviu vozes vindas debaixo e seu coração quase saltou do peito. Começou a empurrar a porta com força, mas não adiantava. Quase chorando de aflição, Lia lembrou-se, de repente, do grampo que havia usado para marcar a página do livro que Murtagh lhe dera. Era um grampo velho e sem cabeças, que ela já usara para tentar abrir os cadeados de suas correntes e nunca conseguira. A fechadura da porta, contudo, era muito mais fácil de ser aberta e, com um pouco de esforço, Lia conseguiu escancarar a porta de madeira.

Ela se deparou com um cômodo simples, pequeno e escuro. Sobre uma mesa de vidro, repousando em cima de uma almofada dourada, encontrava-se uma bela pedra verde polida, salpicada de pontos amarelos reluzentes que se uniam em linhas como se fossem finas veias, embrenhando-se umas nas outras como uma teia de aranha. Lianna se sentiu hipnotizada. A pedra era apenas bela demais para ser ignorada.

Temerosa e quase hesitante, Lianna aproximou-se da pedra. Ela tocou o objeto com uma das mãos. Era uma pedra fria e não produzia atrito quando tocada, como seda endurecida. Era oval e tinha uns trinta centímetros de comprimento. Lianna a levantou com uma das mãos, mas logo teve que guardar o livro para poder segurá-la com as duas; a pedra era mais pesada do que parecia.

Um barulho de passos apressados a despertou de seu devaneio, e quase que por impulso, Lianna escondeu a pedra em suas vestes, ainda segurando-a com um braço inteiro. Roubar era errado, ela sabia disso. Mas se aquela linda pedra era de Galbatorix, então ele era tão ou mais culpado do que ela. Ele usurpara muito mais do que Lia.

— Pare aí mesmo! — Ela se virou, assustada, e seus olhos se depararam com o rosto de Murtagh. Uma expressão de surpresa lhe encheu a face à medida que ele a reconhecia. — Lianna… é você?

Sem dar-lhe a chance de aproximar-se mais para descobrir, Lia virou-se e correu em direção à única janela do quarto. Pânico lhe congelou as veias quando ela viu a enorme altura que estava do chão.

Ela virou-se novamente para Murtagh, como se lhe pedisse desculpas. Ele havia deixado-a pela liberdade uma vez, e agora era vez dela.

Lianna prendeu a respiração, encarou seu desafio e pulou.

Um único pensamento preencheu sua mente durante o processo:

Eu vou morrer.


"I was looking for a breath of life

Eu procurava por um sopro de vida

For a little touch of heavenly light

Por um pequeno toque de luz celestial

But all the choirs in my head sang 'no'

Mas todos os coros em minha cabeçam cantavam 'não'."

Florence + The Machine — Breath of Life




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Notas finais do capítulo

E aí?? O que acharam? Bom, ruim, péssimo? Comentem!
Ah, e uma amiga minha disse que achou o capítulo muito longo, cansativo... Vocês concordam? Se concordarem, avisem que eu vou tentar diminuir os próximos.
Esse foi meio comprido porque eu tive que dar explicações, mas acho que consigo manerar nos próximos se vocês preferirem assim...
Enfim, já estou falando (escrevendo?) demais! É a vez de vocês comentarem alguma coisa ;)



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