JoAna escrita por Eica


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Foto de Ana:
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Foto de Jo:
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Ana pegou a rua Sete de Setembro para ir à escola. Impressionou-se com as descidas e subidas da cidade, afinal, Piraju parecia um conjunto de aclives onde a maioria das ruas eram feitas de piso intertravado hexagonal. As casas eram muito antigas e as ruas muito tranquilas, por sinal. Após uma descida e subida consideráveis, Ana enxergou o muro da escola, que ficava numa esquina. Viu muitos estudantes em frente a ela, sentados na calçada nos dois lados da rua. O sinal ainda não batera.

Se fosse uma jovem comum, estaria morrendo de nervoso neste momento, mas Ana era diferente e ao invés de se esconder em algum canto da rua para esperar o sinal, entrou pelo portão lateral da escola, por onde os jovens estavam entrando, e procurou um cantinho para descansar e quem sabe sentar. Não encontrou nenhum. Mas encostou-se à parede do pátio e ali ficou, a consultar seu relógio de pulso constantemente.

Os estudantes vestiam a mesma camiseta que a sua (camiseta branca com um grande “N” e “B” escrito em azul na frente). O falatório era quase incômodo, mas todos os primeiros dias de aula são assim. Os colegas precisam trocar novidades de fim de ano (isso parece acontecer o ano inteiro).

A loirinha vestia uma blusinha de moletom preta, já que esta manhã fazia um friozinho típico. No bater do sinal, entrou por uma porta à sua esquerda e pegou o caminho também para a esquerda. Subiu a escada em “u” até sua classe (sabia onde ficava, pois no início do ano viera com a mãe conhecer a escola). E lá estava a porta que indicava, com uma plaquinha sobre ela, a classe que pertencia ao 2º B. A porta só foi destrancada após a professora aparecer.

Os mais espertos e rápidos ocuparam as fileiras ao lado da parede e janelas. O fundão também foi ocupado, menos as carteiras do centro e frente. Ana sentou na terceira fileira próxima a parede. Na terceira carteira. Era bom não ficar muito longe da lousa para poder enxergar melhor.

O falatório interminável se ouvia tanto na classe quanto nos corredores e classes vizinhas. A professora apresentou-se como Eliane, professora de inglês, e não foi dada nenhuma matéria. Durante as duas aulas da professora, alguns alunos se aproximaram de Ana para perguntar-lhe o nome e de onde viera. Duas alunas, Débora e Fabiana, a chamaram para ficar com elas no intervalo.

Ana já frequentara outras escolas, por isso sabia que o processo de adaptação demorava um pouco. No seu caso, porém, não era tão martirizante, já que tinha facilidade em fazer amigos. Andou com Débora e Fabiana nas primeiras semanas de aula e, apesar de não serem estas as suas únicas opções de amizade, continuou a falar-lhes, no entanto, não estava disposta a continuar em companhia das duas por muito tempo, visto que suas personalidades eram muito discordantes.

Durante uma aula de química, percebeu, após estas três semanas de aula, uma figura incomum no centro da classe. Já notara a tal garota antes, mas não de modo analítico como agora. A colega de classe precisou levantar-se da carteira para levar o caderno ao professor para que este lhe desse um visto. Foi neste momento em que ficou de pé ao lado do professor que Ana observou-a melhor. A garota era franzina, tinha uma cabeleira longa e bagunçada, rosto sem expressão e uma postura curvada. Ana não sabia seu nome. Ainda não memorizara o nome de todos os colegas, menos ainda daqueles que não se enturmavam e que por isso não se destacavam dos demais. E esta garota, ao que parecia, fazia o tipo calada. Sentava entre duas meninas tão ou mais quietas que ela.

- Por que não a convidamos para sentar com a gente? - indagou, olhando de Débora para Fabiana.

- Quem?

- Aquela ali. A mais alta.

- Ah! A Jo! - disse Débora. - Ela não vai querer.

- Por que não?

- Ela fica na dela. - respondeu Fabiana.

- Ela é meio esquisita também. Deixa pra lá.

Ao bater o sinal, indicando a hora do intervalo, Ana ainda deu umas últimas olhadas em Jo antes de sair da classe com as meninas. O intervalo foi chato. Os assuntos de Débora e Fabiana resumiram-se a garotos bonitos e garotas chatas da escola. Ana comprou uma esfiha e felizmente não teve de compartilhar com as garotas que estavam com ela. Durante este pequeno tempo de folga, outras garotas se uniram a elas para fofocar.

- O Rodney já pediu pra ficar com você?

- Quem?

- O Rodney, da nossa classe. - indagou Ariane.

- Não, por quê? - respondeu Ana.

- Se ele não pediu ainda, vai pedir.

- Sempre que aparece uma aluna nova ele pede pra ficar com ela. - explicou Débora.

- Você já ficou, né? - riu Caroline, olhando para Débora.

- Ele é feio. - confessou Ana.

- Não é feio não. - disseram as meninas, espantadas com a declaração.

- Acho que a única área bonita do seu corpo é o branco dos olhos.

Fabiana riu, mas as demais não acharam tanta graça.

- Qual garoto da nossa classe você acha bonito? - indagou Fabiana.

- Nenhum. - respondeu Ana.

Já estava se cansando daquele papo furado. Voltando do intervalo, Débora e Fabiana uniram-se ao seu grupinho de colóquio rotineiro. Ana sentou em sua carteira até o momento em que viu Jo no corredor, se aproximar da sala. Assim que esta última sentou-se na cadeira, Ana levantou da sua e foi até a colega.

- Posso sentar do seu lado?

Jo ergueu o olhar indolente para a garota, internamente surpresa por alguém lhe falar. Sua resposta foi um “sim” com um balanço de cabeça tenuíssimo. Com a autorização da outra, Ana pegou seus pertences de sua carteira e puxou uma outra para o lado da de Jo. Não se preocupou com a bagunça, já que a classe toda, desde o primeiro dia, não se mantivera em ordem (os alunos só enfileiravam as carteiras antes de irem embora).

- Qual o seu nome?

- Joana.

- O meu é Ana. - disse, sorrindo. - Qual a próxima aula mesmo?

Só perguntou para ter assunto.

- Inglês.

Enquanto Ana mexia no seu caderno, Jo observou o seu material escolar. Enquanto a colega tinha um caderno da Jolie Pet, canetas coloridas com cheiro, canetas com plumas, caneta borracha da Jolie e borrachas em formato de coração e flor, Jo tinha um caderno espiral cuja capa era uma paisagem tropical, suas canetas se resumiam a: azul, vermelha e preta, e a única borracha que tinha era branca.

- Ah, amanhã é sexta. Que ótimo! Você fez a lição de português?

- Não tudo. - respondeu a morena.

As três últimas aulas foram inglês, português e matemática. Para conhecer a colega um pouco melhor, Ana fez-lhe algumas perguntas básicas que todo mundo faz para estranhos, e percebeu que Jo falava muito baixinho. Não conseguia ouvir todas as palavras que dizia, por isso precisou perguntar-lhe repetidas vezes: “Que?”

Ao final da última aula, saíram juntas da escola e pararam na calçada, após cruzarem o portão.

- Que caminho você faz?

- Vou por ali. - apontou Jo.

- Ah, eu vou pela rua detrás. A gente se fala amanhã.

Ao despedir-se, Ana deu-lhe um beijo no rosto. Interiormente, Jo achou aquilo muito estranho. Nunca se despediram dela assim e também não era de seu costume espalhar beijos por aí. Afastaram-se e foram para casa. Como sua mãe trabalhava, Ana teve de fazer o próprio almoço. Depois ligou a televisão do quarto e deitou na cama.

No dia posterior, Ana tornou a sentar ao lado de Jo. Nesta primeira aula, tiveram de ir à quadra para a aula de educação física. Os alunos seguiram a professora até o pátio e do pátio até a quadra assim que o portão que dava acesso a ela foi aberto.

- Você quer jogar alguma coisa?

- Não gosto de educação física.

- É, eu também não, mas a gente pode jogar vôlei. Só você e eu.

- Tudo bem.

Havia, além da quadra coberta, uma outra quadra, e foi nesta em que a maioria das garotas ficaram. Boa parte delas não fez nada, só se agruparam para conversar. Os meninos jogaram futebol na outra, e de vez em quando eram supervisionados pela professora.

- Você nasceu aqui? - indagou Ana, enquanto jogava com Jo.

- Nasci.

- Nunca foi a outra cidade?

- Já fui à praia.

- Eu não conhecia esta cidade. Até minha mãe falar dela.

- Por que vieram pra cá?

- Oi?

- Por que vieram pra cá?

- O namorado da minha mãe vive aqui. Eles se conheceram pela internet.

- Nossa.

- É, - riu. - minha mãe não quis vir só por causa dele, mas porque também queria se mudar. Eu não me importei de ter vindo. Não tinha nada que me prendia onde nasci.

Como não conseguiu pegar a bola a tempo, Jo teve de correr para alcançá-la ao longe. Enquanto esperava a colega voltar, Ana notou que um grupinho de garotas se aproximou dela.

- Ana? - disse Débora. - O Rodney quer ficar com você.

As outras a seguiram com risinhos e olhares à garota, esperando por sua resposta. Ana olhou para a quadra ao lado e viu o tal Rodney de pé, junto de um colega.

- Diga que não quero.

- Não?

- Não.

Jo já havia recuperado a bola e se aproximava lentamente.

- O Wellington disse que ele está muito a fim de você.

As demais confirmaram. Ana queria ter dito: “Que isso importa?”, mas negou-se novamente a ficar com o garoto que não era tudo aquilo o que falavam. As meninas se afastaram e Jo chegou.

- Você já ficou com o Rodney? - indagou.

- Não... Ele é feio.

Ana riu:

- Também acho.

Continuaram jogando. Durante os lances de uma para a outra, Ana divertiu-se bastante. Jo falava muito pouco, mas Ana sentia-se muito bem com ela. Jo jogava a bola melhor do que ela. E jogava mais alto.

- Vamos parar um pouco? - pediu Ana, quando notou que já começava a suar.

Saíram da quadra e foram para a arquibancada. Sentaram uma ao lado da outra. Observaram os garotos jogar na quadra a frente. Depois, Ana olhou para Jo.

- Não está com calor? Por que não prende o cabelo?

Jo balançou a cabeça negativamente.

- Por que você não fala?

A colega olhou-a:

- Eu falo.

- Mas não como eu ou as outras pessoas.

- Porque não tenho nada a dizer.

A resposta veio acompanhada de um sorriso moderado.

- Você é tímida?

- Não. Só não acho necessário falar o tempo todo.

- Nem falar comigo? Queria que falasse mais. Ao menos comigo... Eu não te aborreço, né? Sei que falo demais.

- Não me aborrece.

- Que bom.

Continuaram ali até o final da aula. Quando todos os colegas foram ao bebedouro, Ana e Jo fizeram o mesmo. Beberam água e caminharam lentamente pelo pátio em direção a porta mais próxima, para voltar à classe. Tiveram ainda mais duas aulas até a hora do intervalo. No pátio, sentaram no degrau de uma porta que nunca era aberta, e dividiram seus lanches.

- A professora Angelina tem cheiro de limão.

Jo sorriu e concordou:

- Achei que só eu tivesse notado.

- O perfume dela é muito... Cítrico. Mas ela se veste bem. Melhor que a Sueli.

- É.

Quando Débora e outras três garotas da classe passaram por elas, Ana ficou séria.

- Essas garotas são muito chatas. Só sabem falar mal dos outros.

- Quem não fala?

Ana olhou para Jo e sorriu.

- Isso, você precisa falar mais. Pode ir falando que quero ouvir.

No momento em que Jo a encarou, Ana sentiu, pela primeira vez, o rosto ruborizar, por isso desviou o olhar imediatamente, para que a outra não notasse, já que sua pele era bem clarinha e bochechas vermelhas seriam extremamente perceptíveis.

No sábado, Ana foi com a mãe ao supermercado Estrela, para comprar mistura para a semana e quem sabe alguns doces e salgados quando a fome batesse. Lá dentro, pegaram itens que queriam e aqueles que faltavam em casa.

- Vai se encontrar com o Ivan? - indagou Ana, olhando para a mãe.

- Ele vem em casa... Como está a escola?

- Bem.

- Nossa! Que calor agora. - disse Vivian, tirando a blusa de lã.

Ana aproximou-se do carrinho e, apoiando as mãos nele, disse:

- Fiz uma amizade... Digo, não é beeem uma amizade, mas... Ela não é de falar muito.

- O contrário de você. - riu.

Na volta para casa, mãe e filha tiraram a compra de dentro do carro. Depois da hora do almoço, Ivan apareceu. Ana também o viu neste domingo, mas muito pouco, já que a mãe e o namorado saíram para passear. Na aula de inglês desta segunda-feira, Ana e Jo fizeram um trabalho juntas. Enquanto copiavam o que estava escrito na apostila dada pela professora, Ana notou que a letra de Jo era bem miudinha.

- Depois posso escrever uma frase no seu caderno?

Jo olhou-a:

- Tudo bem.

A frase que Ana escolheu era a seguinte: “Se na calada da noite você estiver pensando em alguém, lembre-se que nesta mesma calada da noite, este mesmo alguém estará pensando em você.” Aproveitou a ocasião para dar uma folheada no caderno da amiga.

- Você tem irmãos?

- Uma irmã. Mais velha. - respondeu Jo. - Já terminou o colégio.

- Ela é assim, igual a você? Fala pouco?

- Não exatamente.

- Eu queria ter um irmão ou irmã. - disse Ana, devolvendo o caderno à Jo. - Mas não rolou. Vocês se dão bem?

- Sim.

Na terça-feira, Jo não foi à escola, deixando Ana sozinha na classe e no intervalo. Por conta de sua ausência, Ana resolveu ir à biblioteca, que ficava no andar térreo e era bem pequena se comparada àquelas em que já esteve. Já havia feito sua carteirinha e por isso já podia pegar livros. Passeou por ela, tirou alguns livros das prateleiras, mas não pegou nenhum para ler. Quando o sinal bateu, esta suspirou. Mais três aulas antes de ir embora.

Na sexta-feira, durante a aula de educação física, Jo e Ana sentaram na arquibancada e como muitas colegas de classe, não fizeram nenhuma atividade física (às vezes isto deixava a professora louca da vida). No momento em que Jo encostou-se ao degrau mais alto atrás dela, Ana deitou sua cabeça em seu colo e se ajeitou na arquibancada. Jo não pôde fazer nada a não ser consentir com aquela aproximação.

Na próxima semana, Jo presenteou a colega com um dadinho de amendoim. No dia seguinte, levou travesseirinhos de mel para comer no intervalo. No meio de uma semana, choveu tanto que boa parte dos alunos não compareceu à escola. As duas puderam sentar ao lado da janela. Viram que o céu estava acinzentado e as nuvens raivosas molhavam tudo. No intervalo, ficaram na área coberta, sentadas num banco de concreto. Um vento frio deixava o pátio mais gelado.

- Eu gosto de dias assim, apesar da chuva. - comentou Jo, olhando para o lado.

- É, é legal, né? Especialmente por não ter muitos alunos na escola. - Ana fechou o zíper de sua blusa preta e acrescentou: - Sabe o que fiquei sabendo?

- O que?

- Uma garota da nossa classe beijou outra atrás da escola.

- É mesmo?

- A Gabriela.

- Hm.

- Acho que as duas estão namorando... Você já namorou?

- Não.

- Já ficou com alguém?

- Não.

- Já beijou?

- Não.

- Nunca?

- Nunca.

- Está esperando o momento certo, a pessoa certa ou não surgiu a oportunidade?

- Não aconteceu... E também não me esforço para acontecer.

- Vamos andar um pouco?

Levantaram-se. Ana cruzou seu braço com o de Jo.

- Você é muito misteriosa, sabia? Nunca sei o que está pensando.

Jo sorriu de lado e, olhando para a colega, retrucou:

- E queria saber o que penso?

- Claro!

- Mas concorda que já falo mais.

- Que ótimo. - riu.

Pararam num canto do pátio, onde Jo pôde encostar-se a um pilar de concreto. Ana ficou a sua frente, com os braços cruzados, tentando se proteger do frio.

- Viu meus novos brincos? - comentou ela, após lembrar-se, mostrando a Jo o brinco da orelha direita, prateado com uma pedra verde brilhante. Bem miudinho. - Queria fazer um segundo furo como você. Dói?

- Muito. - respondeu a outra, rindo.

Ana observou Jo enquanto esta distraía-se olhando um grupinho em frente à porta do banheiro feminino. Usava uma blusa vermelha com capuz. Parecia quentinha e macia. Ana resolveu recolher-se em seus braços para se cobrir com ela, indo de encontro ao corpo de Jo. Ao fazê-lo, a amiga fitou-a. Ana não demorou muito a se afastar e soltar sua blusa.

- Que inveja. Acho que está mais quentinha que eu.

Não era de hoje que Jo atentou momentos de aproximação por parte de Ana. Além de sempre receber beijo no rosto nas saudações e despedidas, Ana cruzava seu braço com o dela, mexia em seu cabelo, pegava em seu braço, tocava em suas bochechas, a abraçava repentinamente e descansava, de vez em quando, a cabeça em seu ombro. Nunca teve uma amiga tão pegajosa. O que pensar disso? Às vezes não gostava, às vezes não achava ruim. Também não retribuía seus toques, já que não era seu hábito. Às vezes considerava estes costumes de Ana muito duvidosos. Achava-a muito bonita. A garota mais bonita da classe. Seus olhos azuis eram muito belos, assim como os cabelos claros e longos e o sorriso doce. Pouco acreditava que Ana sentisse alguma coisa por ela, por não achar-se bonita e interessante o suficiente para lhe chamar a atenção. Por estas e outras razões, contudo, sofria com a dúvida.

Numa aula de filosofia, a professora pediu que os alunos trouxessem seus chocolates preferidos. Jo levou Sensação e Ana levou um bombom. De acordo com os chocolates, ficou sabido que quem gosta de Sensação é uma pessoa dócil, influente e meiga. Já quem gosta de bombom, é uma pessoa romântica, amorosa, mas muito ciumenta. A professora chegou a acrescentar na descrição: “Duas ou três pessoas já romperam com você por achar que você 'gruda demais'”.

As garotas tiveram ainda, na semana seguinte, que visitar a biblioteca municipal para fazer um trabalho de história. Pelo caminho que tomaram, passaram em frente ao Cinemax.

- Aaaah, vamos assistir A era do gelo 2? Já viu esse filme?

- Não.

- Vamos assistir?

Pararam para ver o horário das sessões.

- A gente se encontra nesta quinta-feira meia hora antes do filme começar, tudo bem?

- Eu posso passar na sua casa pra gente vir junto. - sugeriu Jo.

- Não precisa. - sorriu Ana, caminhando em direção a biblioteca junto com a colega.

- Posso passar. Vou ter que subir a rua de qualquer jeito.

- Tá legal.

No dia em questão, Ana tomou banho e, no quarto, vestiu cinco combinações de roupas diferentes. Sua mãe notou sua demora, por isso foi espiá-la.

- Está tão nervosa. - comentou, observando a filha do limiar da porta. - Parece que vai à um encontro.

Após perceber o que disse, Vivian voltou ao quarto da filha:

- Ana?

- O que? - disse a garota, distraída.

- Está gostando dessa sua colega?

- Por que acha isso?

- Olhe só para você. Não consegue se decidir entre uma saia e um short. Não deveria se importar tanto com o que vai vestir, a menos que esteja querendo chamar sua atenção.

- Somos só amigas.

Vivian ainda a olhou desconfiada. Naquele momento, ouviram a voz de Jo.

- É ela! E eu ainda não me arrumei! - desesperou-se Ana. - Chegou muito cedo.

- Você é quem se atrasou. Ande depressa.

Vivian balançou a cabeça e foi abrir o portão para Jo. Pediu que ela esperasse na sala. Jo, bastante humilde, pediu licença e sentou no sofá. Vivian olhou-a uma última vez antes de ir para o quintal. Ana correu para encontrar uma boa roupa a vestir e por fim escolheu um vestido floral. Foi para a sala, um tanto nervosa.

- Fiz você esperar muito?

- Não.

- Vamos?

- Vamos.

Ana avisou a mãe e saiu para a calçada com a amiga. Caminharam por ela, chegaram à esquina e começaram a subir a rua. Era quatro e quinze da tarde. O sol estava bem alto. O dia quente, mas não sufocante. Jo vestia uma regata e jeans. No pé, uma sandália. Para Ana foi bastante interessante vê-la em trajes que não o uniforme escolar. Assim pôde conhecer o seu “estilo”. Em diversos momentos, pelo caminho, pensou em perguntar-lhe se gostara do seu vestido, mas não quis parecer uma bobinha – mais do que já se achava.

Ao chegarem à rua do cinemax, viram pouquíssimas pessoas nos dois lados da rua, aparentemente a esperar pela sessão começar. Compraram seus ingressos e aguardaram o horário do filme. Ana continuou nervosa até mesmo quando entraram na sala e quando sentou ao lado da amiga, que foi a única a comprar alguma coisa para engolir (comprou um refrigerante). Mesmo com fome, Ana não quis comer ou beber nada.

Terminado o filme, saíram do cinemax comentando o que gostaram e comparando o segundo filme com o primeiro.

- E agora? - indagou Ana. - Quer ir a algum lugar?

- Não, acho que não. E você?

- É, não estou pensando em nada no momento.

Consentiram, então, em voltar para casa. Jo acompanhou a amiga até a sua. Chegaram à rua Renato Dardes, em frente ao sobrado verde, número 663, de portão verde escuro. A casa antiga com jardim na frente onde Ana morava.

- Nos vemos na escola.

- Tchau, Jo.

Sem esperar por isso, a morena recebeu um beijo na bochecha. Acenou e desapareceu, após descer a esquina.

No mês de junho, Ana e sua mãe compraram um novo ventilador já que o que usavam era da era pré-histórica. A amizade entre Ana e Jo também caminhava bem. Um dia, na escola, Ana viu, na hora do intervalo, Gabriela passear, com a que diziam ser sua namorada, Ingride. Algo ocorreu-lhe. Tiveram as aulas do segundo bimestre e por fim, as tão esperadas férias de julho. No início do mês, Ana foi a uma pizzaria com a mãe e Ivan. Comeram bem, conversaram um pouco e Ana ainda encontrou um colega da classe trabalhando como garçom no estabelecimento.

Um dia, as colegas de classe resolveram passear pela cidade. Primeiro caminharam pela Praça Ataliba Leonel, onde ficava a Igreja Matriz de Piraju. Depois foram ver a barragem do rio Paranapanema e logo mais conferiram as trilhas para caminhadas na Floresta Piraju, com extensos lagos, mata nativa e plantação de eucalipto. O dia terminou com um descanso na casa de Ana, com direito a sorvete com cobertura e chantilly. Em seu quarto, a loirinha mostrou a Jo seus livros do Harry Potter e seu álbum de figurinhas incompleto. Sentaram na cama de Ana e assistiram TV, após terminarem o sorvete.

- O fecho do meu sutiã soltou. Pode prender pra mim? - pediu Ana, de repente, após movimentar-se um pouco.

Virou de costas para Jo e levantou um pouco a blusinha. Jo pegou o fecho e, sem muita dificuldade, fechou-o.

- Eu não uso sutiã dentro de casa. - comentou.

- Não? Por quê?

- Além de incomodar, já me acostumei. Por causa de minha mãe. Ela começou a tirá-los quando em casa. Fiz o mesmo e acho muito mais agradável ficar sem.

- Verdade? - Ana voltou a sua posição inicial. Desta vez, porém, encostou-se a parede. - Você tem razão em usar sutiã. Meus seios são pequenos. Os seus são grandes.

- Não gosto.

- Não?

- Queria que fossem menores.

- Não iguais aos meus.

Sorriram.

Após um momento de silêncio, Ana levou as mãos ao fecho do sutiã e tirou-o.

- Você quer ver? - disse, de repente.

- Hm?

- Quer ver o tamanho deles?

- De que?

- Dos meus seios.

-Ah... Não.

Como responder a uma pergunta como esta?

Ainda assim, mesmo com a resposta negativa, Ana tirou sua blusinha e Jo, toda sem jeito, teve de olhar para eles. Realmente um momento muito estranho. A amiga não tinha vergonha de se expor ou havia outro motivo para ela não se importar em mostrá-los?

- Pequenos, não?

- Não, não exatamente. Digo, têm um tamanho... Bom.

Ana sorriu e vestiu-se após Jo desviar o olhar.

Mais tarde, Vivian apareceu no quarto e indagou se as meninas não queriam nada do mercado. Disseram que não. Ana sugeriu, bastante esperançosa, que a amiga passasse a noite em sua casa.

- Hoje não dá.

- E que tal amanhã? Amanhã você pode?

- Vou falar com a minha mãe. Aí eu te ligo depois.

- Legal.

Jo foi dormir em sua casa no dia seguinte. Dentro de uma mochila, trouxe algumas roupas, escova de dente, pente, acessórios variados e toalha. Passaram o dia dentro de casa. Almoçaram juntas, comeram lanche da tarde, tomaram sorvete, depois passearam pelo quarteirão e conversaram no jardim da frente. De noite jantaram e mais tarde foram para a cama. Jo vestiu uma regata e um short. Ana, seu pijama composto por uma blusinha de alçinha e um short.

Quando a televisão foi desligada, Jo deitou no colchão destinado a ela – ao lado da cama da amiga – e Ana enrolou um pouco para deitar, porque não tinha sono algum. No momento em que o fez, olhou para o teto escuro e depois virou de lado.

- Jo?

- Hm?

- Já dormiu?

- Não. - riu, já que a pergunta nem precisava ter sido feita.

Após um breve silêncio, Ana saiu de sua cama e foi para o colchão de Jo. A amiga deu-lhe um espaço e observou a outra acomodar-se. Ana, deitada de lado, afagou seus cabelos e, após fitá-la fixamente, levou o rosto ao seu e deu-lhe um beijo na boca. Jo, apesar da surpresa, nada fez. Continuou a encará-la em silêncio. E como não foi repelida, Ana tornou a beijá-la três vezes mais. Em seguida a abraçou. Fez-lhe carinho e levou suas mãos à sua cintura.

O momento a seguir foi muito confuso para Jo, mas não horrível ou amedrontador. Apenas confuso... E bom. Rolaram-se no colchão, apenas se apertando e beijando. Sem pronunciar uma única palavra, apenas sentindo seus carinhos e seus beijos. Terminaram o contato dormindo uma ao lado da outra.

De manhã, Vivian viu Ana despedir-se de Jo na calçada pela janela do quarto da filha. Viu-a dar um beijo rápido nos lábios da colega e depois acenar para ela quando distanciou-se na rua. Assim que Vivian topou-se com a filha na sala, indagou:

- O que está acontecendo? Pode me explicar, mocinha?

Ana só alargou um sorriso nos lábios e foi para o quarto.

- Me conta! - pediu sua mãe, curiosíssima.

Três dias mais tarde, Ana foi até a casa de Jo, que ficava na rua Coronel Nhonhô Braga, há poucos minutos da sua. Ficou muito confusa quando viu uma placa de “Vende-se” no portão, por isto mesmo perguntou:

- O que é aquilo? - disse, logo após Jo aparecer na garagem e se aproximar.

- Aquilo o que?

- Vende-se. - apontou.

- Ah... Vamos sair daqui.

- Daqui onde?

- Vamos nos mudar.

- Há quanto tempo essa placa está aí?

- Um mês.

- Um mês? - indagou, surpresa. - Por que não me contou?

- Eu pretendia contar quando estivesse para me mudar.

- E quando você vai?

- Bem, meus pais já encontraram uma nova casa, mas querem vender esta antes de irem.

- E onde fica a nova casa? Muito longe da escola?

Jo abaixou o olhar por um momento, até encarar Ana novamente:

- Vamos sair da cidade.

A notícia foi como receber uma pancada no peito.

- Por que? - indagou Ana, quase sem voz.

- Meu pai passou num concurso público, mas o cargo não é para trabalhar aqui, por isso precisamos nos mudar.

- E você vai? - indagou, numa esperança tola de ouvir uma resposta satisfatória.

Jo sorriu levemente:

- Não tenho escolha.

- Por que não disse antes?

- Por que dizer se não posso mudar os fatos? Tenho que ir.

- Mas se tivesse dito antes... Não acredito que você vai... Achei que íamos nos formar juntas...

Um pesado silêncio se fez presente. De vez em quando Ana encarava Jo, ainda sem acreditar nas coisas que ouvira. O amargo da tristeza acabou por encher Ana com vontade de chorar.

- E você? Por que veio?

-… Por nada...

Ana abaixou a cabeça e virou-se. Quando começou a andar pela calçada, para longe de Jo, esta chamou-lhe:

- Ana! Que foi? Ia me dizer alguma coisa?

Já em casa, Ana caiu como pedra sobre a cama e desabou em lágrimas, sentindo o amargo da dor atacar-lhe com mais agressividade agora. O travesseiro não deu conta de tantas lágrimas e acabou muito amassado e molhado. Quando Vivian chegou em casa, a garota contou tudo a mãe, que passou o resto do dia a fazer-lhe companhia.

Na manhã seguinte, Vivian entrou no quarto da filha e viu-a acordada.

- Está melhor?

Ana sacudiu a cabeça, dizendo que não. Vivian foi até sua cama e sentou na beirada. Fez carinho em suas costas.

- Ao invés de ficar aqui, por que não faz companhia a Joana? Aproveite os últimos momentos que pode ficar com ela. Você não sabe quando ela terá que ir embora.

Ana escondeu o rosto no travesseiro.

- Vá a sua casa... Hoje... Hm? O que me diz? Acho que ela gostaria que você ficasse com ela... Afinal, ela também gosta de você, não? Ela também deve estar sofrendo com isso... Viveu aqui desde que nasceu. Fez amigos, conheceu você... E agora terá de ir.

Ana virou o rosto e fitou a mãe. Não demorou alguns segundos para que seus olhos se enchessem de lágrimas de novo.

Após passar pela pior fase, Ana tornou a procurar Jo e desta vez não pretendia deixá-la um minuto.

- Vai ligar pra mim? - indagou, durante uma aula de educação física, enquanto descansava a cabeça no colo de Jo, como passou a ser o costume.

- Vou.

- Você tem o meu número, não tem?

- Tenho.

Nas aulas e intervalos, Ana grudava em Jo feito chiclete. Feito cola. Agarrava seu braço e deitava a cabeça em seu ombro. Quando ficavam juntas, a dor parecia diminuir consideravelmente. Hoje, após o término das aulas, ambas foram atrás da escola. Ana encurralou Jo contra o muro e encheu-a de beijinhos molhados. Em seguida colou-se nela, enlaçando seus braços em seu pescoço.

- Acharam comprador pra casa?

- Não.

- Espero que não achem.

Jo sorriu de lado.

Dali a vinte minutos, sentaram no chão (Ana entre as pernas de Jo). Ficaram ali por quase duas horas até voltarem para casa. Fizeram ainda dois passeios nos finais de semana até Jo anunciar que já havia um comprador e que se mudariam em no máximo três semanas. Ouvindo os conselhos da mãe, Ana procurou, nas lojas do centro, um presente perfeito para dar a Jo. Após andar muito, já que não conseguia se decidir, encontrou uma lembrancinha de despedida ideal e foi para a casa da amiga. Chamou-a no portão. Uma jovem apareceu na garagem.

- A Jo está?

- Já vou chamar.

Em pouco tempo, ela apareceu. Abriu o portão social e conduziu Ana até seu quarto. A loirinha viu que a casa toda estava uma bagunça. Caixas e sacos de lixo por todos os lados. Alguns móveis haviam sido desmontados. O quarto de Jo estava igual.

- Quando você vai?

- O caminhão de mudança virá na quinta-feira.

- Eu... Te comprei uma coisa.

Ana passou-lhe um embrulho colorido. Jo abriu-o e dele tirou uma corrente prateada com as iniciais de seus nomes. Entre eles, havia um coração.

- Obrigada. - sorriu. - É muito bonita.

A outra aproximou-se e beijou suas bochechas. Depois sentou em sua cama e ficou com ela por algumas horas. Na quarta-feira, encontraram-se no pátio da escola, porque chovia (fraco, mas nenhuma delas quis se molhar). No momento em que Ana encontrou a amiga encostada a uma coluna, esta tirou algo do bolso do jeans.

- Olha.

Era uma pulseira tripla de três cores diferentes: branco e dois tons de rosa sendo que uma delas trançava com outras linhas de cores amarela e lilás. Além das cores darem um toque delicado, havia ainda o pingente de laço prateado preso à linha branca. Detalhe este que Ana achou perfeito.

- Pra mim? Presente?

- É.

Ana pegou a pulseira e já a colocou, achando-a maravilhosa. Neste dia, o sentimento de mágoa foi se intensificando conforme as horas passavam. Ana ficou com Jo no intervalo e na saída combinaram de se ver uma última vez. O encontro aconteceu às cinco da tarde.

- Você não estava ocupada, estava? - indagou Ana, abrindo o portão de sua casa para Jo.

- Já arrumamos a maioria das coisas. Se faltar alguma coisa, amanhã os carregadores ajudam.

- Entra.

Foram direto ao quarto.

- Depois que a gente se falou na escola, fiquei pensando que eu é quem deveria ir na sua casa e não o contrário, afinal, você está se mudando.

- Tudo bem. Lá está muito bagunçado.

- Vem.

Ana levou Jo a cama. Ambas deitaram uma ao lado da outra. A loirinha deitou a cabeça ao lado do da outra e colocou o braço esquerdo sobre o corpo da amiga.

- Te adoro.

- Também.

- Não vai se esquecer de mim, vai?

- Não, não vou.

Ficaram horas naquela posição, martirizando-se quando viam as horas no relógio. Por volta das nove horas da noite, Jo teve de ir. Ana levou-a à calçada. Deu-lhe um super beijo demorado e, após muito demorar, soltou sua mão.

Vivian apareceu atrás da filha e, quando não viu Jo na rua, abraçou Ana. Fez-lhe carinho no ombro e beijou o topo de sua cabeça.

Na manhã seguinte, ao invés de pegar a rua Sete de Setembro, Ana pegou a Coronel Nhonhô Braga. Andou por uns quinze minutos e chegou em frente à casa de Jo. A casa, térrea, de cor laranja, jardim frontal com coqueiros e grama, estava silenciosa. As janelas da frente fechadas. O Fiat branco continuava na garagem. Sinal de que ainda não haviam ido. Ana olhou uma última vez para a casa e terminou de subir a rua. Entrou na escola. As três primeiras aulas foram enfadonhas e, sem a presença de Jo, tudo parecia uma droga. No intervalo, teve de sentar-se sozinha num banco do pátio. Forçou-se a engolir o seu suco de uva, porque sua alegria estava 0,0%. Naquele momento em que olhava para o pátio sem nenhum interesse, duas meninas se aproximaram:

- A Paula me contou que a Jo tá indo embora. É verdade? - indagou a mais baixa.

- É, vai pra outra cidade. - confirmou Ana, sem expressão feliz ou simpática.

- Puxa, que chato! - disseram.

- Quando ela vai? - indagou a mais alta.

- Hoje.

Quando disse “Hoje”, sentiu um amargo na garganta e decidiu parar de beber o suco. Ao ser deixada sozinha, secou os olhos e desejou imensamente que aquela dor parasse de a machucar.

Na saída, Ana desceu a rua Coronel Nhonhô Braga e correu para a casa de Jo. De respiração ofegante, parou em frente de sua calçada e constatou que o carro não estava mais na garagem – nem aquele tapete azul que havia visto ali na garagem hoje pela manhã. A cortina da sala também não podia mais ser vista pela janela. A placa de 'vende-se' também desaparecera.

Só mesmo neste momento é que Ana sentiu que seu mundo finalmente desabou...

Ana voltara a Sorocaba após dois anos e meio na cidade de Piraju. Da pequena cidade, trouxe grandes e bonitas recordações. Só saíram dela quando Ana terminou o colégio. Nesta mesma época, sua mãe terminou o relacionamento com Ivan (agora sozinha, só pensava em sua carreira e dar a filha uma boa educação). Fizeram uma grande reforma na casa que lhes pertencia (e que alugavam enquanto em Piraju). Ana fez cursos de computação e conseguiu muitos trabalhos, a maioria no comércio. Hoje trabalhava na Padaria Real, no centro da cidade. Ainda não havia decidido que faculdade fazer, por isso ocupava-se em trabalhar e ganhar o próprio dinheiro. Sua mãe se orgulhava muito dela, e ela também sentia muito orgulho de si mesma, por nunca ter desistido.

Hoje estava trabalhando como louca. Era sábado, já havia passado das dez da manhã e havia muitos fregueses em frente ao balcão pedindo cafés, capuccinos, expressos, chocolates quentes e chás variados. Três amigas trabalhavam ao seu lado: Sandra, Cristina e Kelly. Usavam o uniforme da padaria: uma camisa vermelha, calça vermelha, avental amarelo e touca vermelha (todos tinham o logotipo da padaria). Quando passou o horário de aperto, as quatro puderam trabalhar com mais calma.

- Ana? - disse Kelly, aproximando-se da amiga pela direita. - Tem uma moça ali sentada, ao lado de uma ruiva, que não tirou os olhos de você desde que chegou.

- Onde?

- Ali.

Discretamente, a loirinha ergueu os olhos e virou o rosto para a sua esquerda. A moça sobre a qual Kelly se referira era morena. Esbelta. Tinha cabelos castanhos e estavam presos num laço. A pele era clara, o nariz um pouco delgado e os olhos castanhos. Ao seu lado, à mesa, sentava uma moça mais fortinha, de cabelo curto e ruivo. Ana nunca viu a ruiva, menos ainda a morena, que a olhava impudentemente.

- Ela está te paquerando, Ana! - riu Kelly.

- Quem? O que foi? Do que estão falando? - indagou Cristina, chegando até as amigas.

Kelly falou sobre a morena. As duas riram.

- Pra olhar assim é porque gostou. - disse Cristina.

Sandra, que só ficou sabendo da conversa dois minutos mais tarde, disse a mesma coisa.

Ana olhou para a moça uma vez mais e quando o fez, seus olhares se encontraram. A jovem ao longe não se intimidou com o olhar de Ana. Muito pelo contrário, pareceu que o seu olhar serviu como motivador para que olhasse ainda mais um pouco. Ana sentiu-se lisonjeada, se os seus olhares fossem sinais de paquera, contudo jamais poderia corresponder a eles por causa de seu relacionamento com Renata. Distraiu-se por um tempo quando teve de atender cinco fregueses até perceber que a jovem estava em frente ao balcão.

- Deseja alguma coisa? - indagou, quando pôde atendê-la.

- Seu nome é Ana? Ana Proença?

- Sim, é.

A jovem esticou os lábios num sorriso e riu:

- Ana, se lembra de mim? Nos conhecemos em Piraju, lembra? Sou eu, Jo.

Ouvir o nome “Jo” foi como levar uma forte pancada no peito. Essa jovem sorridente era Jo? A mesma Jo apática e calada da escola? Aquela mesma por quem se apaixonou? No momento em que ouviu o nome da ex-colega foi como se todas as lembranças daquela época se aglomerassem em sua mente. Com o impacto, Ana só pôde gaguejar e responder que se lembrava.

Abraçaram-se o quanto puderam, pois o balcão atrapalhou.

- Como está? Quando veio pra Sorocaba?

- Há um ano e meio.

- Que legal! - sorriu Jo, mostrando seus dentes simétricos. Agora não eram desiguais como antigamente. - Eu te procurei nas redes sociais, sabe? Mas não tive sorte. Até mesmo numa comunidade da escola. Havia pensado em conversar com você... Que legal te encontrar.

- Digo o mesmo. - sorriu Ana, ainda surpresa com o encontro repentino.

Jo parecia muito mais alta do que era.

Naquele instante, a moça que fazia companhia a Jo na mesa, aproximou-se, com a bolsa pendurada ao ombro.

- Vamos, Jo?

- Ah, certo. Ana, esta é minha amiga Michele. Estuda comigo.

- Oi. - disseram uma para a outra, sorrindo.

- Bom, já vou indo, não quero te atrapalhar. Se quiser e puder ligar pra mim...

Ao dizer isto, Jo passou um pedaço de papel a Ana, em que havia escrito o seu telefone e e-mail.

- Claro, vai ser legal.

- Tchau, Ana.

- Tchau.

Ana segurou o pedaço de papel por um tempo e observou a outra sair da padaria, sendo seguida por Michele. Só mais tarde, na saída do serviço, Ana e suas colegas de trabalho puderam conversar à vontade. Após cruzarem a avenida e pararem no ponto de ônibus, Ana contou de onde conhecia Jo.

- O que vai fazer? Vai ligar pra ela? - perguntou Sandra.

- Não sei... Foi estranho vê-la de novo... Parece tão diferente... Mas quando a olhei nos olhos, não tive dúvidas de que era ela... A voz está mais grave. Sempre foi grave, mas está um pouco mais.

- Vocês se falaram depois que ela veio pra cá? - disse Kelly.

- Não. Eu não tinha o telefone dela, e ela também nunca ligou pra mim.

- Ela te procurou. O que acha que queria?

- Não sei... Eu gostava tanto dela...

- Bem, sabemos que não deve gostar mais, afinal, você tem namorada. - lembrou-a Cristina.

- Ela deve namorar também, não? Quem era aquela outra moça que estava comendo junto com ela? - disse Sandra.

- Disse que estudam juntas, mas que são apenas amigas. - respondeu Ana.

Após um breve momento de silêncio:

- O que vai fazer? - indagou Sandra.

- Não sei...

Ana realmente não sabia. Achou que jamais veria Jo de novo. Nem mesmo quando veio para Sorocaba. Sabia que a amiga já devia ter refeito sua vida e se relacionado com outras pessoas. Todo mundo faz isso. Ela mesma fez isso. Por via das dúvidas, deixou o pedaço de papel que Jo lhe dera dentro da bolsa. Caso resolvesse alguma coisa, era só ligar ou mandar um e-mail.

Passou uma semana matutando sobre o que fazer. E mais uma semana com a cabeça quente por causa das horas extras no serviço. Numa segunda-feira, após sair do trabalho e entrar numa lanchonete, onde deveria se encontrar com Renata, sentou numa mesa e colocou a bolsa sobre a mesa para achar a sua bolsinha de dinheiro. Revirou-a toda e seus dedos acabaram tocando num pedaço de papel. Tirou-o da bolsa e reconheceu o papel branco como o pedaço dado por Jo, onde ela escrevera seu número de celular e e-mail. Observou-o demoradamente.

Deveria? Afinal, por que não?

Ana tirou o celular de dentro da bolsa e discou o número. Aguardou as chamadas, até:

- Alô?

- Jo? Aqui é a Ana.


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