Cípsela escrita por Taticastrom


Capítulo 17
Grokar




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Grokar: entendimento além de empatia e da intimidade

– RedWild? - Perguntei enquanto vasculhava a minha mente em busca de qualquer personagem de livro ou de filme que pudesse ser usada como base para tal fantasia. Só conseguia pensar em chapeuzinho vermelho, mas algo me dizia que não tinha nada a ver com o que Cristally estava falando.

– Que ideia maravilhosa, mamãe. - Luna parecia realmente animada depois que sua mãe citou a fantasia. - Deve servir maravilhosamente na Karly e ainda vai fazer com que ela esteja adequada para o tema que Nicolle propôs.

Eu tinha ficado ainda mais confusa depois daquilo. Se era uma fantasia para o tema da Fortini tinha que se tratar de uma lenda de Cípsela. Eu tinha um vasto conhecimento sobre elas, graças à minha avó, no entanto não conhecia nenhuma que se referisse a vermelho ou selvagem.

– Luna, porque você não vai pega-la em meu quarto enquanto eu explico a história para a Kaká?

Assim que Cristally terminou de falar a loirinha saiu saltitando, enquanto a mãe pediu para acompanha-la até a biblioteca da casa.

Devo dizer que sou extremamente apaixonada por bibliotecas e minha avó tinha uma que já era bem maior do que os padrões normais das casas da minha cidade. No entanto, nada do que eu já tinha conhecido, nem por fotos, chegava perto da maravilhosa e gigantesca biblioteca das Harlow.

Era uma sala do tamanho do meu quarto, talvez um pouco maior, com duas de suas paredes com estantes até o teto. Além disso, uma das paredes que não era recoberta por livros tinha uma janela, com um pequeno sofá embaixo dela.

Também tinha dois enormes sofás brancos e um tapete com várias almofadas. O lugar parecia o paraíso para mim. Só de entrar na sala eu senti como se todos problemas tivessem ficado do lado de fora. Toda a atmosfera daquela ambiente tinha sido claramente muito bem planejada. A luminosidade era o suficiente para uma boa leitura e o ar era refrigerado, provavelmente para proteger todas aquelas preciosidades encadernadas.

Ainda estava perdida na beleza da biblioteca quando Cristally se sentou no sofá segurando um grande livro, com uma capa azul escura. Pela sua encadernação e detalhes percebi que se tratava de algum diário dos supostos fundadores da cidade.

– RedWild realmente não é uma das histórias mais conhecidas sobre a nossa história, infelizmente. - A loira falava enquanto passava cuidadosamente as delicadas páginas do livro. - Eu, desde muito nova, sempre fui fascinada pelas lendas de Cípsela e a que mais me encantou foi essa. De uma bruxa de coração selvagem.

Sentei-me ao lado de Cristally enquanto ela lia um trecho do livro que ela segurava:

"Na época das Grandes Guerras não se falava em bruxaria, muito menos se praticava. Era a única maneira para que pudéssemos esconder e passarmos desapercebidas no meio dos humanos.

Mesmo havendo um considerável número de bruxas e bruxos não éramos fortes o suficiente para lidar com os humanos, e isso atemorizava as duas casas. Era preciso lutar, mas ninguém tinha a força necessária para tomar frente de nossa batalha e ninguém tinha conseguido agradar as duas famílias, unindo-as a essa causa.

Bem, ninguém antes de RedWild. Não sei qual era o seu nome antes de se tornar a bruxa mais poderosa de todas as gerações, mas sei sua história. E como a garota mais pura de uma vila se tornou uma mulher sem coração.

Quando era quase moça a futura RedWild se apaixonou perdidamente por um rapaz, um humano. Eles já eram de mundos diferentes apenas pelas diferenças sociais que os separavam, pois o moço fazia parte da nobreza da vila e a pequena bruxa era apenas mais uma serva. E ainda havia a misticidade que rondava a menina e que ela fazia todo esforço para que ninguém soubesse.

Tinha sido criada por uma tia, pois nascerá órfã. Quando os primeiros sinais de poderes apareceram ela sabia quem era, mas nunca revelou a ninguém. A sua tia era extremamente religiosa e sabia que iria para fogueira no instante que contasse ou envolveria a tia em qualquer perseguição que pudesse haver futuramente com ela. Então aprendeu a esconder e nunca usar seus poderes. No entanto, eles cresciam junto com ela e suas emoções. Se tornando tão fortes quanto puros.

O amor que sentia pelo rapaz era correspondido, o que tornou tudo mais trágico. A família dele já tinha arrumado um casamento, para fortalecer laços com outra linhagem de nobres. Então o desafortunado casal resolveu fugir, quando a primeira lua cheia chegasse.

Eles já estavam saindo da cidade quando um grupo de mercenários os encontraram. O pai do garoto tinha descoberto da fuga e dos poderes da amada de seu filho, tendo contrato o grupo para prender a jovem e libertar o rapaz do suposto feitiço que ela teria lançado.

No entanto, a única pessoa que se feriu naquela noite foi o rapaz. Os mercenários fugiram ao ver o jovem caindo no chão e o céu começar a trovoar. A garota, que tinha lutado a vida toda para controlar seus poderes via eles fluindo por ela. Tentou reanimar o garoto, mas não havia salvação. Nenhuma magia, por mais poderosa que seja, consegue driblar a morte.

A feiticeira apaixonada enviou a mão em seu próprio peito e arrancou seu coração. Imaginando que conseguiria colocar fim a sua vida e deitou-se ao lado do amado. A noite passou e o dia amanheceu. Fora do peito da bruxa o coração havia se tornado pedra, mas ela continuava viva e, sem sua pureza e preocupação com a tia ou com o amado, sedenta por vingança para aqueles que tinham a perseguido e feito com que ela se escondesse. Que ela perdesse tudo que tinha, do seu amor a sua pureza.

Ali nascia a RedWild. A bruxa que levava o coração como colar e não temia homem nenhum, nem outros seres sobrenaturais. Ela não temia nada, pois havia perdido seu bem mais precioso e aberto mão de qualquer outro sentimento para sobreviver à dor

Quando dormia ao lado do corpo de seu amado ela descobriu que seu destino era salvar os seus, para depois viver eternamente ao lado do único humano que nunca havia a visto de outros olhos pelos seus poderes. "

Cristally fechou o livro e virou para mim:

– Nesse livro ainda tem muitas outras passagens sobre a RedWild, mas essa resume tudo o que você precisa saber. - Ela colocou o livro de lado e continuou a falar - Quando tinha sua idade tive também uma festa a fantasia para ir. Não tinha muito dinheiro, mas muita criatividade. Então procurei uma ideia que ninguém fosse usar e comecei a construir a fantasia com coisas que tinha em casa ou peças baratas. Em uma das minhas idas aos brechós encontrei um colar de coração vermelho. A vendedora ficou surpresa ao ver a peça e me deu, disse que o colar nunca havia sido vendido, pois era um replica barata. Mas era o que faltava para fantasia.

Quase que no instante que ela terminou de falar Luna apareceu segurando uma caixa de papel. Ela entregou para mãe, que abriu delicadamente e retirou de lá a fantasia mais maravilhosa que já vi. Ela colocou as peças carinhosamente no sofá para que pudesse visualiza-la completamente.

Era um vestido tomara que caia preto, com uma saia bem curta, mas não o suficiente para ser vulgar. Para colocar por cima, vinha um corpete vermelho que tinha embutido uma espécie de meia saia longa, como se fosse um mullet. Além disso, tinha um bolero que prendia no pescoço, com mangas compridas em um renda preta. Fechando o bolero estava o colar que Cristally havia falado. Que não parecia nada com uma réplica para mim.

– Que fantasia perfeita, Cristally - Falei enquanto admirava a cada detalhe da roupa, imaginando o trabalho que deve ter dado para a loira fazê-lo. - Mas eu não posso aceitar, de verdade.

– Claro que pode! - Ela falou sorrindo. - Faço questão que você use essa roupa. Ela já ficou guardada por tempo demais.

– Muito obrigada, Cristally. Mas ela nem deve servir em mim. - Estava olhando o corpete e já estava ficando sem ar.

– Primeiro, me chame de Cris. - Ela falou enquanto pegava a minha mão. - E segundo, sei que vai servir como uma luva.

– Pelo menos experimenta, Kaká. - Luna falou sentando-se na beirada do sofá. - Deixa a gente pelo menos ver como vai ficar em você.

– Ok...

As duas loiras sorriram e me mostraram um banheiro, para que me troca-se. Coloquei apenas o vestido preto, crente que ele não serviria. No entanto, ele tinha se ajustado perfeitamente no meu corpo e escondido cada gordura que tinha. Revelando, e muito, as minhas pernas.

Luna então bateu na porta, perguntando se precisava de ajuda. Deixei a menina entrar para me ajudar a colocar o corpete. Apesar dela ter puxado bem, eu conseguia respirar e me mover usando o corpete. Por fim coloquei o bolero, tendo muito cuidado com a pedra vermelha.

Depois de pronta parei em frente à um espelho que tinha no banheiro. Não parecia comigo. Vestida de RedWild eu me sentia poderosa. Olhando no espelho eu não via a desastrada Karly que tropeçava nos próprios pés. Não via a garota que foi abandonada pela mãe, nem que quase matou um garoto. Eu não enxergava os meus defeitos ou cicatrizes. Parecia alguém digna de amor, de vida.

– Meu Deus, você está mais maravilhosa do que eu fiquei usando ele. - Cristally falou enquanto me mandava virar para ver cada detalhe da roupa. E, por mais bizarro que fosse, eu me sentia maravilhosa.

– Parece que foi feito para você, Kaká. - Luna falou enquanto batia palmas de alegria.

– Por favor, Karly, me deixe te emprestar a fantasia. - A Cris falou sorrindo.

– Obrigada, Cris. - Falei passando a mão na saia vermelha. Um pouco tímida. - Eu vou tomar muito cuidado com ela e te devolvo na segunda.

– Não se preocupe com isso, querida. - Ela respondeu sorrindo. - Só quero que você seja a garota mais bonita da festa e nunca se esqueça de manter seu coração um pouco selvagem, para poder aproveitar a vida.

Cristally ajeitou com cuidado a fantasia de novo na caixa, colocou-a em uma sacola e me entregou. Como já estava anoitecendo me despedi das Harlow e disse que pegaria um táxi para voltar para casa.

Na verdade, eu não sabia o que ia fazer. Mas sabia que não queria companhias por um tempo. Depois de muita insistência consegui convencer a Cris que ficaria bem e ligaria quando chegasse em casa. Dei um beijo na testa de Luna, que em tão pouco tempo havia se tornado quase uma irmã para mim, e agradeci as duas pelo presente e pelo empréstimo.

De fato tive que pegar o táxi, pois estava já bem escuro e eu não conhecia o caminho. Quando cheguei em casa as luzes já estavam acessas e me dei conta que deveria começar o meu teatro de boa moça. Começando por inventar uma justificativa para voltar para casa, já que tinha combinado de dormir na casa da Fortini.

Paguei o taxista, respirei fundo e entrei em minha casa. Rezando para meu pai não ter levado a víbora ruiva com ele, achando que eu realmente ia dormir fora.

– Cheguei! - Gritei assim que abri a porta, para no caso da cobra estar rastejando pela minha casa eu não ser surpreendida por alguma cena desagradável como já havia presenciado quando era criança.

– Filha?! - Gabe falou saindo da cozinha trajando apenas um short de pijama. - Você não ia dormir na casa da Nicolle?

– Ia, mas preferi voltar para casa. - Falei aproximando dele e dando um beijo na bochecha. Eu já podia concorrer ao Oscar por causa disso. - Não estou me sentindo bem, vou tomar banho e dormir.

– Quer alguma coisa? - Ele me olhava preocupado enquanto eu subia as escadas.

– Não, eu só preciso descansar mesmo. - Falei sorrindo. - Foi um dia cansativo terminando de achar as coisas para a fantasia. - Mostrei a sacola com a roupa da Cristally. - Boa noite pai e bom descanso.

Eu acredito que tenha sido bem convincente, pois ele não falou mais nada. Então tomei meu banho calmamente e depois mandei mensagem para as Harlow e para Fortini. Depois deitei na cama e esperei uma noite tranquila, porque o resto do dia já estava sendo um caos.

A manhã de segunda estava nublada, naquele clima que pede um dia de cama, com um bom livro ou filme. No entanto, eu teria que me levantar, colocar aquele uniforme ridículo e enfrentar um dia com aulas extremamente maçantes.

Era um dia de exatas e eu nunca vou entender o que passou na cabeça da coordenação em colocar física, química e matemática em plena segunda-feira. Devia ser um plano maquiavélico para esgotar as forças dos alunos desde o início da semana.

Gabriel já estava batendo na minha porta pela segunda vez quando tomei coragem de sair da cama e enfrentar o mundo. Pensando que além das matérias maravilhosas que teria que me desdobrar para prestar atenção, ainda tinha que lidar com meu pai falso, com duas amigas preocupadas e com Lucca Hortz, que ainda não sabia qual rótulo deveria usar para ele.

Depois de vestida, coloquei a mochila no ombro e desci. Gabe já me esperava, impecavelmente pontual e belo. Peguei uma barra de cereal na cozinha e fui para o carro, quase sem falar nada. Ele até tentava puxar algum assunto, mas depois de um tempo percebeu que estava muito imersa em meu universo particular.

Ele até perguntou se tinha melhorado e se queria faltar à aula. Meu pai não fazia ideia de como gostaria de me refugiar em meu quarto por mais um dia, mas sabia que já tinha perdido aulas demais e não poderia me dar ao luxo de mais uma falta.

– Chego em casa mais cedo hoje, filha. - Ele falou quando eu descia do carro. – Então pode deixar que eu mesmo te busco, ok?

– Tá bom, vou avisar o Matt. – Falei dando uma rápida despedida e entrando no Instituto.

– Karly! - Nicolle gritou do outro lado da rua assim que me viu. - Como você está. Fiquei tão preocupada com você.

– Estou bem, Nic. - Esforcei para dar um sorriso convincente. Principalmente porque Nana estava se aproximando e me senti uma péssima amiga. Afinal, ela devia ter ficado preocupada comigo e já tinha preocupações demais graças à briga de seus pais.

– Karly! – Annabelle falou me abraçando forte. Fazendo com que eu me sentisse a pior pessoa do mundo por ter feito ela e a Fortini se preocuparem com meus dramas tão pequenos.

– Desculpem, meninas. Eu deveria ter dado mais notícias durante o sábado e o domingo, mas estou bem. Fui na casa da Luna, a mãe dela me emprestou uma fantasia de tirar o folego.

– Ah, Kaká, ficamos felizes em saber que as coisas melhoraram. – Nicolle falou me abraçando também. – Sempre que precisar pode contar conosco.

– E vocês comigo! – Falei retribuindo o abraço e andamos rindo para a sala.

Mesmo em uma segunda de exatas, em um momento que minha vida estava de cabeça para baixo, aquelas duas meninas e as Harlow conseguiram colocar um brilho na minha vida. E eu queria poder demonstrar o quão importantes elas eram para mim, só não sabia como fazer isso.

Assim que entramos na sala os olhos de Lucca encontraram com os meus. Era como se tivéssemos algum magnetismo, que avisasse quando um aproximava. Se me sentia mais calma e alegre perto das minhas amigas, ao me aproximar de Hortz eu me sentia plena e em paz. Nada poderia me abalar. Dei um pequeno sorriso para ele, que retribuiu com um meio sorriso malicioso, o que me fez morder o lábio inferior enquanto passava ao lado dele para me sentar.

Acho que ele sabia que não iriamos colocar à público o que tinha acontecido no fim de semana. Afinal, nem sabia o que tinha acontecido, o que significava ou o que iria acontecer a seguir. Pensava nessas coisas enquanto os olhos de Lucca continuavam no meu e eu não sabia como agir mais.

– Bom dia, Tharde. – Ele falou virando-se ainda mais para mim.

– Bom dia, Hortz. – Falei sorrindo, sabendo que as meninas iriam fazer um interrogatório no momento que saíssemos de perto do meu anjo da guarda.

Logo depois o professor de matemática entrou e começou uma aula inteiramente maçante sobre trigonometria. Eu juro, nunca vou entender como utilizar o círculo trigonométrico para descobrir seno, cosseno ou tangente. Na verdade, matemática parecia uma matéria alienígena, que eu nunca seria capaz de entender completamente. E já estava começando a temer quando começássemos a ver PA e PG. Senhor, esses conteúdos com certezas não foram feitos para meras mortais como eu. Nem me deixe falar sobre eletrostática ou calorimetria, eu choro.

Tentei me concentrar na aula e não me importar com o fato de sentir que Lucca continuava a me encarar por longos momentos, fingindo ora ou outra prestar atenção na aula. Eu estava realmente tentando. Já tinha um déficit natural em matemática e, graças à crise que tive, tinha perdido aulas preciosas. Se não começasse a estudar mais eu tomaria recuperação, ideia que não me agradava nem um pouco.

Quando, enfim, o intervalo chegou, eu já não aguentava mais ver números, letras gregas e círculos que não me diziam nada. Esperava um pouco de sossego, mas sabia que as minhas amigas não me dariam nem um pouco.

– Karly Tharde, - Disse Nicolle me puxando pelo braço assim que saímos da vista de Hortz. O que foi complicado, pois o garoto realmente parecia querer conversar comigo. - Agora você vai nos contar TUDO!

– Isso mesmo! - Concordou Nana sentando-se em uma cadeira de baixo de uma árvore.

– Gente, meu fim de semana foi super parado! Sábado fiquei em casa e domingo fui para a casa das Harlow. - Tentei desconversar e completei bem baixinho. - E Lucca que me levou.

– Sabia que tinha Hortz no meio! - A ruiva falou batendo palmas de alegrias.

– Foi só isso meninas. Eu precisava de uma carona e resolvi não incomodar você, Fortini. Só isso. - Comecei a olhar para minhas mãos. - E ele também conheceu a mãe da Luna e ficou maravilhado por ela. Quem não? Aquela mulher é maravilhosa.

– Ele está maravilhado por você, Kaká. Qualquer pessoa com olhos consegue ver isso! - Nana falou, também sorrindo. O que me deixou feliz, afinal a menina tinha ficado a semana passada toda preocupada com os pais.

– Karly e Lucca. - Nicolle falou com os olhos brilhando. - Gente que casal mais fofo do mundo. Eu super apoio, tipo super mesmo!

– Deixa de ser boba, Nic. - Falei, sabendo que meu rosto estava ficando da cor do cabelo dela. - Casal? A gente se beijou algumas vezes, foi maravilhoso. Mas é só isso. Beijos.

– Veremos.

O resto do dia continuou tranquilo. Eu fiquei rindo com as meninas, apesar de tudo parecer uma loucura delas acharem que eu e Lucca teremos algo mais, foi muito divertido curtir aquele momento com minha amigas. O garoto continuou a trocar comigo olhares, me fazendo perder a concentração na aula de física que, por ironia, era de magnetismo. Na hora da saída eu corri para não esbarrar no meu anjo, mesmo eu fugindo dele, mais uma vez, sabia que ele entenderia.

Meu pai já estava me esperando quando cheguei no portão, então fui para casa, mantendo a minha pose de boa moça. Meu pai não tinha o costume de sair do serviço na hora do almoço, essa atitude poderia significar duas coisas: ou ele estava com remorso por ter mentido para mim e ficado com Leskova durante todo o fim de semana ou ele estava tentando me falar algo, provavelmente envolvendo a víbora e que, com certeza, eu não iria gostar.

– Então, Kaká, como foi a aula hoje? – Ele perguntou quando já estávamos entrando em casa.

– Exaustiva. – Eu já começava a subir as escadas quando respondi. – Vou ter que estudar muito essa semana para compensar o tempo que perdi no hospital, então nem devo sair muito do quarto hoje.

Ainda não tinha certeza das intenções de Gabe, mas seus maravilhosos olhos azuis não iriam me convencer a desculpa-lo e eu não iria me dar ao luxo de dar atenção à ele enquanto eu tinha tanto o que fazer para ir tranquila na festa de sábado.

– Tudo bem, filha. – Ele falou, um pouco triste. – Vou preparar nosso almoço então.

Com preparar o almoço ele queria dizer que ia colocar no formo algum dos muitos congelados que tínhamos na geladeira. Afinal, eu vivia a base dessas comidas industrializadas, já que nem eu, nem meu pai sabíamos cozinhar. E toda vez que tentávamos não ficava muito gostoso.

O resto do dia foi tranquilo, pois de fato me tranquei em meu quarto e fiquei estudando física, química e matemática. Coloquei toda a matéria em dia e quando anoiteceu estava exaustada. Deitei e dormir maravilhosamente, meu cérebro estava cansando demais para criar pesadelos. Assim também foi a minha semana, fugindo de meu pai, Hortz e Spyer. Conversando com Luna, Nicolle, Annabelle e Matthew. Almoçando em dias alternados na casa de Matt, para tentar comer coisas mais saudáveis. Além disso, ficava estudando em meu quarto o maior tempo que podia, pois as provas do final do semestre estavam chegando e eu tinha que recuperar vários pontos perdidos.

Sábado chegou à galope. Eu e minhas amigas estávamos completamente ansiosas para diminuir o estresse. Como combinado nos arrumamos na casa da Fortini e chegamos cedo na casa da ruiva para arrumarmos e já começarmos a diversão.

– Meu Deus! - Nana falou segurando a fantasia que Cristally tinha me emprestado. - Que coisa maravilhosa. Ninguém vai ter chances na competição de fantasias.

– Exagerada é pouco, senhorita Annabelle. - Falei ajeitando a roupa em cima da cama da Fortini, junto com a das meninas. - A fantasia da Cristally é linda, mas a sua também! E a da Nicolle, estou apaixonada como você conseguiu criar uma Julieta usando essas peças.

– Obrigada, Kaká. - A ruiva falou me dando um beijo na bochecha. - Tinha que ser uma fantasia de algum livro.

– Agora vamos começar a arrumar? - Falei sentando no chão e pegando a gigantesca coleção de esmaltes que a Morelli tinha levado para gente.

As meninas se juntaram à mim e ficamos rindo, ouvindo música e nos arrumando. Eu fiquei responsável por arrumar os cabelos, Nicolle pelas maquiagem e Nana, além dos esmaltes, tinha levado a playlist que escutamos. Só música alegre e animada.

Na ruiva eu fiz duas meias tranças e colocamos pequenas flores, fazendo uma coroa de rosas utilizando o cabelo da menina. Para destacar no cabelo dela, as flores eram brancas e o cabelo estava um pouco ondulada. O cabelo de Annabelle era muito curto e para compor a fantasia ela preferiu usar uma peruca de cabelos laranjas e cacheados, então só tive que ajeita-la na cabeça da minha amiga. Eu também moldei as ondas do meu cabelo e o deixei solto.

A maquiagem da Nana foi a mais divertida, Nicolle tinha colocado cílios falsos e laranjas, Um olhos com sombra azul e outro rosa, blush marcado e batom laranja. Ela parecia ter saído do filme Alice no País das Maravilhas, a versão masculina do personagem do Johnny Depp, uma perfeita chapeleira maluca. Quando ela colocou um vestido branco com detalhes dourados de mangas longas e saia curtíssima. Uma jaqueta marrom com dourado, com um laço atrás e, para completar, um chapéu gigante, com um papel de 10/6 preso por um laço marrom. Tudo ela mesmo tinha feito e dava de mil nas fantasias da loja chique que eu e Nicolle tínhamos visitado.

A Fortini não ficava para trás, tinha arrumado o vestido de época que encontramos na OUAT, cortou a saia dele bem curta e armou-a, para ficar mais rodada. A parte de cima era um corpete, que ela arrumou as tiras para ficarem novas e firmes. As mangas do vestido original foram cortadas no tamanho 3/4 e colocou uma transparência rosa para completar. O vestido que estava todo sujo e sem cor, agora era rosa, com detalhes bege. Para completar, ela tinha prendido um pequeno frasco com um liquido vermelho e o símbolo de perigo na perna, com uma fita bege. No pescoço, ela colocou outra fita. Uma princesa completa.

Eu coloquei a fantasia que a Harlow me emprestou, colocando o colar vermelho por último, como toque final. Para fazer as pessoas entenderem a roupa, coloquei uma varinha amarrada na cintura. Uma das vantagens de ser fã de Harry Potter era já ter essa varinha.

Todas nós colocamos salto salto e fomos tirar fotos. Uma Chapeleira Maluca, uma Julieta e uma Bruxa, eramos um grupo completamente incomum, mas cada uma se completava. Fizemos caras e bocas, caretas, biquinho, olhar 43, tentativa de se sedutoras e por fim, as fotos eram quase todas de nós rindo, fazendo bobagens. Foram muitas fotos e até uma séria. Que não sei como conseguímos, mas estava lá. As três garotas, com um sorriso no rosto.

A mãe de Nicolle nos levou até a festa e quando entramos no salão parecia que todos tinham parado para nos observar. Não era para menos, nossas fantasias estavam muito boas, graças as habilidades de minhas amigas e de Cristally, Três fantasia que foram montadas e não apenas alugadas como quase todas que vimos. A primeira pessoa que encontramos, infelizmente, foi Evellyne. Como era de se esperar usava uma tentativa exageradamente vulgar de coelhinha da Playboy. Dava para ver muito mais da garota do que era necessário.

– Ora, ora. Achei que nenhuma de vocês viriam. - Evellyne falou pegando os convites. - Pelo menos você se deu ao trabalho de seguir ao tema, Nicolle, mas suas amigas,

A cara de nojo dela foi correspondida por descaso de nós três.

– Deve ser muito complicado para você entender nossas fantasias mesmo. - Annabelle falou sorrindo. - Eu sou uma chapeleira maluca e Karly está de bruxa.

Eu mostrei a varinha para a garota, sem conseguir sorrir. Não sou tão boa atriz como minhas amigas.

– Tanto faz. - A garota falou, nos deixando descer as escadas. E aproveitar a festa.

– Essa menina consegue ser mais irritante a cada dia, fico impressionada. - Nicolle falou. - O conhecimento de mundo dela é muito pequeno, limitado a coisas que podem ser erotizadas ou usadas para mostrar que ela está na moda. Ela nunca deve ter lido um trecho de Shakespeare.

A ruiva continuou falando alguma coisa, mas eu estava muito concentrada na obra prima que estava na minha frente. Um deus grego, uma escultura digna de Michelangelo. O corpo era digno de obras renascentistas, totalmente harmônico, perfeito, sem uma falha. O cabelo loiro, que sempre estava bagunçado, não sei como, mas estava com cachinhos, cachinhos de anjo.

Essa era a fantasia de meu anjo da guarda. Um par de asas brancas que tocava no chão, uma calça branca de malha e tênis. Lucca Hortz estava fantasiado de meus sonhos e seus maravilhosos olhos verde folha seca estavam fitados em mim, me analisando da cabeça aos pés. E parecia ter aprovado a minha escolha tanto quando eu aprovei a dele.

– Karly, Karly. - Ele falou se aproximando de mim e beijou a minha mão. - Você está simplesmente maravilhosa.

– Você não está nada mal, Hortz. - Falei enquanto ficava mais vermelha que uma maça, totalmente envergonhada.

O garoto cumprimentou as minhas amigas e puxou para acompanha-lo, tirando-nos dos olhares atentos de nossos colegas de sala. Que não entendiam porque o loiro estava conversando com a garota mais estranha da escola.

– Agora tudo faz sentido, Tharde. - Ele falou segurando a minha mão, entrelaçando nossos dedos e olhando nos meus olhos. - Você me enfeitiçou, por isso estou assim, sempre pensando em você, em seus beijos.

– É isso que eu faço, Hortz. - Falei olhando para baixo, sentindo nossas mãos unidas. – Enfeitiçar jovens inocentes.

– Karly, você consegue ficar linda usando aquele uniforme horrível do Instituto, sem ficar horas passando exagero de maquiagem como a minha prima. - Ele falava erguendo meu rosto com o dedo. - Mas hoje, você se superou. Quando você se produz, se arruma, não tem como não olhar para você. E, sinceramente, estou com um pouco de ciúmes, por ter tantos olhos grudados em você.

Mordi meus lábios, sem saber o que responder dei um pequeno beijo no garoto.

– Você está me deixando sem graça, Lucca. Podemos mudar de assunto?

– Claro!

E quase antes de acabar a frase o garoto já tinha me puxado para mais perto dele e colado seus lábios nos meus. Eu estava consciente que todos os olhares tinham voltado para nós, mas nem por isso deixei de corresponder ao beijo do garoto. De forma calma, paciente. Lucca parecia conhecer meus pensamentos melhor do que qualquer um. Fazendo com que eu me sentisse única, especial.

– Acho que a ideia de tirar os olhos de você não deu muito certo. - O garoto falou rindo, ainda me segurando pela cintura.

– É, acho que não. - Eu estava observando o corpo escultural do meu anjo. - E de onde veio a ideia dessa fantasia?

– Quando você estava desacordada e eu te carregava, você falava sobre anjos. - O garoto exibia seu sorriso maroto e terminou. - Achei que combinaria, eu ser o seu anjo por hoje.


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