Deitei na cama e olhei para o teto, sorrindo. Olhei para a foto que ficava no criado mudo direito. Sorri com vontade e pude sentir meus olhos brilharem. Passei levemente o dedo pelo rosto do meu gêmeo e uma lágrima caiu, morrendo na cursa de meu sorriso. Sentia sua falta como jamais sentiria de alguém, mas não doía mais. Apenas fazia meu coração bater fortemente por alguns segundos.

Coloquei nossa música para tocar e acompanhei o vocalista, cantando cada palavra com perfeição. Pulei em cima da cama com uma escova de cabelo na mão e dancei, como nós dois fazíamos. Eu estava sorrindo como nunca, com meu coração batendo no ritmo suave da bateria. Aquilo não doía, também. Apenas dava uma saudade de quando nós dois a cantávamos. Lembra? Depois que a música acabasse, nos deitaríamos na cama e sorriríamos como dois idiotas.

A música acabou e joguei-me na cama, como nos velhos tempos. Um sorriso largo contornava meus lábios e eu pude ouvir sua risada suave ao longe. Sabia que estava ali, comigo.

Desci para a cozinha e meu estômago roncou quando abri a geladeira. Peguei um sorvete e todas as coisas doces que encontrei por ali: Balas em formato de ursinhos e minhocas, chocolates, calda de chocolate, minhas deliciosas balas azedas e o seu preferido: morangos. Bom, não é bem um doce, mas sempre estava presente quando fazíamos a nossa sobremesa.

Juntei todos os ingredientes em um recipiente fundo. Aquele que ganhamos de Natal da mamãe, lembra? Primeiro joguei calda de chocolate em volta da taça enorme e peguei um pote verde, meu preferido. Coloquei o sorvete, piquei os morangos e mexi. Jogueis as balas de minhoca e depois as de ursinho, gargalhando quando lembrei como você sempre roubava alguma coisa enquanto eu preparava. Coloquei duas de minhas balas preferidas na boca e depois as despejei na taça, junto com tudo. O chocolate eu quebrei em pequenos pedaços e coloquei em cima, jogando alguns confetes coloridos que achei no armário preto, a direita da pia.

Depois que fiz tudo àquilo, olhei para o nosso doce e sorri, sentindo falta de como você faria manha apenas para poder comer naquele exato momento, não querendo de jeito nenhum deixar alguns poucos segundos o sorvete congelar mais um pouco. Lavei as colheres na pia e pude sentir seus braços grossos em volta de minha cintura e seu peito largo em minhas costas. Suas tranças em minha nuca, causando-me cócegas e seus lábios em meu pescoço. Sorri abertamente com a lembrança.

Depois daquilo tudo, peguei nosso doce e duas colheres. A com o cabo rosa meio transparente e a preta forte. Sentei no sofá e coloquei e nosso filme, Alvin e os Esquilos para tocar. Sentei com pernas de índio no sofá e a cada vez que se lembrava de como nós repetíamos as frases, eu gargalhava. Imitei Alvin, exatamente como fazia. Fiquei vermelho com o tanto que eu ri. Comi nossa sobremesa sozinho naquela casa em um sábado a noite, e chorei.

Senti algumas lágrimas caírem quando o filme já havia terminado e a sobremesa também. Estava deitado em nossa cama, abraçado ao travesseiro que ainda tinha seu cheiro. Não doía, nem angustiava, apenas dava saudade.

Saudade de quando você estava comigo.

“E já não dói mais. Mas dá saudade. Uma saudade que faz os olhos brilharem por alguns segundos e um sorriso escapar volta e meia.” – Caio Fernando Abreu.