A Mortal, Filha De Dois Deuses. escrita por Amortecência


Capítulo 2
Repito Os Passos De Meu Pai.




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Depois de passar por mais um monte de obras antigas o passeio acabou e tivemos uma pausa para o lanche. Formamos uma fila para sair ao pátio da frente e nos sentar nos degraus onde comeríamos. Havia chovido e lá fora tudo estava molhado, então os monitores pediam para tomar cuidado.

Ouvi alguns cochichos e percebi que, logo a minha frente, se encontrava Taisa e sua “gangue do mal”. Apurei os ouvidos.

– Ai meu Deus! Você viu a cara dela olhando para aquele arco? Acentuou ainda mis a esquisitice. Com esse cabelo preto e esses olhos que não se decidem. São cinzas, depois verde e talvez meio azul. Olhos de caleidescópio. Helena Caleidoscópio – ouve um murmúrio de concordância pelas suas “seguidoras” e algumas risadas pelo mau apelido "Helena Caleidoscópio". Estávamos descendo as escadas agora.

– Você viu a diferença entre ela e aquele arco? Aposto que nem sabe usar. Meu pai me pagou uma aula disso, sou ótima... – e continuou a se gabar. Mas eu já nem escutava. Ela podia falar qualquer coisa sobre mim, mas duvidar de minhas habilidades com armas? Não mesmo! A arma que pior me dou bem é a lança, e até Clarisse – filha de Ares, que usa uma lança mágica – me elogiou.

Eu tremia de raiva, minha visão ficou turva, quase vermelha.

– Calma Helena. Você sabe que é isso que ela quer! Não faça nada. – Dizia Mayana, ao meu lado, tentando me acalmar. Percebi que elas me olhavam.

É isso que ela quer. É isso que ela quer. Não dê esse gostinho a ela, pensei.

Mas já era tarde demais. Só vi Taisa rolando escada abaixo, e todos que estavam a porta do museu me olhavam. Uma coisa eu tinha certeza: eu não empurrei ela. Sra. Comini me encarou. Havia algo estranho em seu olhar. Eles brilhavam como se ela estivesse excitada com a situação e não brava.

– Não fui eu! – Fui logo dizendo.

– Ai! Ai, ai, ai! Mas é claro que foi você! Quem mais poderia ser. Essa panaca ai do teu lado não faz nada nunca! Ela não tem capacidade, é tímida demais para isso! – rebateu Taisa.

Olhei, questionadora, para Mayana. Ela balançou a cabeça, dizendo que não foi ela. Na verdade, eu sabia que não havia sido ela. Era só para ter certeza. Por que eu posso jurar que vi uma pequena “onda” se formando na poça mais próxima de Taisa e desequilibrando-a, já que ela estava na ponta do degrau.

– Vamos para dentro, Srta. Jackson. Precisamos ter uma conversinha. – disse Sra. Comini. Não havia percebido que ela estava ao meu lado.

Mayana me lançou um olhar encorajador e eu me encaminhei para dentro, sem falar nada com a Sra. Comini. Passamos pelas portas e fomos andando. Andando, andando, andando. Não ia parar nunca? Fomos nos afastando cada vez mais do alcance das outras pessoas e o museu estava quase vazio. E se eu precisasse de ajuda com algo? E se ela fosse algum tipo de monstro? Não que alguém fosse me ajudar mais que eu mesma, mortais não teriam esse poder. Andamos mais um pouco até que chegamos a uma sala vazia: a sala do arco.

Mil perguntas inundaram a minha mente. Porque ela escolhera aquela sala? Seria porque ela estava vazia? Ou ela ficara intrigada com meu comportamento em relação ao arco? Aliás, porque ela se afastara tanto para ter uma “conversinha”? Ela nunca ligava se eu estava envergonhada ou não, e eu já fizera coisas muito piores e, mesmo assim, a “conversinha” foi em publico.

– Então, Srta. Jackson, foi você que fez aquilo? – seus olhos brilhavam.

– Não, senhora – respondi.

– Eu sei. – Olhei-a, incrédula. O que ela quis dizer? Como assim ela sabia?

– O-o que? – gaguejei.

– Quer dizer, você acha que não foi você, e eu entendo isso – ela dizia com uma voz aguda, parecia unhas raspando em uma lousa. Comecei a pensar que ela fosse dar um daqueles discursos sobre fazer coisas impulsivamente e não notar que fez, quando algo mudou. – Talvez você ainda não tenha controle sobre seus poderes. Se é que você sabe que tem eles, não é?

A aparência dela mudava: dos seus lábios se projetaram grandes caninos, suas unhas se tornaram garras, de suas costas saíram asas e seu corpo se revestiu com couro. Os olhos eram vermelhos, pareciam injetados de sangue. Sua pele era muito pálida, dava para ver as veias.

– Você é uma vampira? – perguntei. Obviamente não era uma fúria, por mais que parecesse.

– Vampira? Isso não existe – ela disse, me olhando como se eu fosse louca. – Sou uma ker.

– Uma o quê?

– Ai meus deuses, eu odeio quando isso acontece. Ou eles nos confundem com uma fúria, ou nem sabe o que somos. Sou uma ker. Há muitas como eu, minhas irmãs. Somos espíritos femininos do destino cruel, fatal e impossível de escapar. Trazemos a morte violenta – dizia ela, com um sorriso travesso nos lábios. – Eu pretendia não te matar tão dolorosamente, mas você nem sequer sabe quem eu sou, então vou abrir uma exceção. Eu sou Híbride, a ker do orgulho. Você tem muito orgulho de quem você é, não é, mocinha?

– Eu? Orgulho? Você? Orgulho?

– Ora, ora. Você é tão corajosa e quer tanto a chance de ser “alguém” na vida. Porque agora está sem fala? – perguntou ela, debochada.

– Bem, é que foi uma surpresa. Primeiro você estava lá, sendo a professora chata e falando coisas erradas sobre a história antiga, e agora você é... O que mesmo? Uma cor? E, eu não fui treinada contra você, ninguém nem mesmo me disse que você existia.

– Benzinho, é ker. E você não foi avisada nem treinada sobre mim por que é muito difícil eu vir. Só venho em caso de extrema necessidade, quando é alguém muito poderoso, as kers são exatamente o ponto fraco de alguém e o seu é o orgulho.

– Eu não sou nada, nenhum pouquinho poderosa. Não tenho poder nenhum. Eu nem sou uma semideusa. Você deve estar confundindo minha energia com a de outra pessoa...

– Não é poderosa? E como você me explica o fato de uma pequena “onda” ter desequilibrado aquela garota da escadaria – disse ela, pronunciando “garota” com nojo.

– Então você também viu! Eu sabia que não era só minha cabeça. Mas, então... Quanto tempo você vai demorar para me atacar? Ou agente vai ficar nessa lenga-lenga para sempre?

Uma ruga de preocupação apareceu na testa dela. Acho que ela finalmente havia percebido o fato de que , ao invés de se aproximar, ela estava se afastando de mim. Também achei muito estranho. Era como se um campo de força estivesse se expandindo envolta de mim. Eu achei muita burrice de minha parte falar pra ela me atacar logo – eu podia ter ficado conversando com ela até alguém notar nossa ausência e vir ver o que estava acontecendo. Mas eu estava achando muito estranho ela se afastar daquele modo.

Então algo ainda mais estranho aconteceu. Ela tentou investir contra mim e eu fiquei paralisada de medo e não me movi. Ela chegou a milímetros de mim. Mas algo estava errado. Ela flutuava no chão, e veio voando ao meu encontro, então era de se esperar que ela fosse rápida. Mas ela se arrastava lentamente até mim, como se estivesse fazendo esforço. Então quando quase conseguia me alcançar, ela foi arremessada para trás, como se o “campo de força” fosse elástico.

Olhei ao redor, procurando algo que me desse alguma pista do que estava acontecendo. Então eu a vi. Mayana estava escondida atrás de uma coluna, fora do alcance da visão de Sra. Comini/Híbride e da minha.

– Mayana?

– O que é isso? – ela disse, assustada.

– Vá embora. Agora!

Nos momentos em que ela hesitou, tentando escolher entre ficar e sair correndo, Híbride avançou um pouco mais. No desespero eu simplesmente soquei a redoma com o arco que estava ao meu lado. Era para ter doído pra caramba e não quebrar, mas, para minha surpresa, aconteceu exatamente o contrário.

Peguei o arco e atirei duas flechas de uma vez na direção da ker. Uma atingiu seu braço de raspão e a outra atravessou sua coxa. Ela uivou de dor. Esperei ela se desintegrar em pó, mas isso não aconteceu. O que não estava nada certo contando que a flecha era de uma Caçadora. Então o arco só podia ser falso. Eu nunca ia vencê-la daquele jeito. Precisávamos de ajuda. Seja lá o que fosse que estava nos protegendo – e eu tinha a impressão de que tinha algo a ver com Mayana –, não ia durar para sempre.

Procurei por algo, fosse o que fosse, desesperada. E abafei um grito quando vi. Ao lado de uma janela, havia uma fonte. Ela jorrava um pequeno esguicho de água, mas era o suficiente para criar um arco-íris. Só havia um problema: minhas dracmas estavam na minha bolsa, no ônibus.

Olhei para Mayana. Meu rosto de iluminou: ela havia pego minha bolsa! Enquanto isso Híbride começava a ter mais sucesso em ultrapassar a “barreira”.

– Eu te amo! – gritei para ela e fui correndo em sua direção pegar minha bolsa.

– Hã... Eu sei. Mas acho que agora não é a melhor hora para um abraço.

Peguei minha bolsa e remexi no fundo dela, tentando achar uma dracma. Híbride chegava cada vez mais perto. Atirei outra flecha nela que atingiu uma das suas asas. Isso! Comemorei, iria atrasar ela. Finalmente consegui pegar uma dracma. Corri e a joguei no arco-íris.

– Oh, Iris, deusa do arco-íris! Aceite minha oferenda - a moeda foi engolida pela luz e a névoa tremeluziu. – Me mostre Percy Jackson.

A névoa tremeluziu novamente e meu pai apareceu. Ele estava jogando God of War, de novo. Ele gostava pois era “todos contra Ares”.

– Pai! Ajuda, agora! – ele se virou.

– O que? Espero que seja algo muito importante, porque se você não percebe estou prestes a matar Ares.

– Uma ker ela tá tentando me matar. Mayana ta fazendo um negócio aqui que não deixa ela se aproximar. Acho que ela é uma semideusa. Vem logo!

– Uma o quê tá tentando te matar?

– Vem logo! – gritei e ele saiu correndo. Passei a mão pela névoa e ela se dissipou.

– Haha! Você vai chamar o papai? – Híbride disse, fazendo um biquinho.

Atirei mais uma flecha que foi parar bem no meio da sua testa, mas ela não disse nada. Na verdade, nem pareceu perceber o que estava acontecendo. Pelo jeito a pele era mais dura do que parecia, principalmente na cabeça.

– O que você está fazendo, exatamente? – perguntei a Mayana.

– Não sei – admitiu. – eu só estou desejando com todas as minhas forças que ela fique longe!

– Então, não pare!

– Haha! Você não poderá me aguentar por muito tempo, filha de Hécate! – a ker gargalhou.

Eu e Mayana nos entreolhamos. Então era isso! Ela estava fazendo magia. Ela era mágica. Então talvez a pequena onda tivesse sido obra dela, e não minha. E então me dei conta: ela iria para o acampamento. Ela ia se separar de mim. E ia saber tudo sobre quem eu sou, ia saber tudo sobre meu mundo.

– Mayana! Você é uma semideusa!

– Uma o quê? – Híbride vacilou, chegando mais perto.

– Nada! Se concentre em manter ela longe.

– O.K. – Ela disse e franziu a testa.

Híbride estava se afastando cada vez mais, quase se encostando à parede, mais ou menos 4 metros mais longe de nós. Em compensação, Mayana parecia ficar mais fraca a cada segundo. A cor ia sumindo de seu rosto. Peguei outra flecha e mirei na outra asa. Agora, Híbride voava meio torta. Mas, não ia durar muito. Atirei e pegou certeira bem no meio da asa. Ela caiu no chão gritando.

– Mayana, descanse um pouco. Não tente afasta-la. Apenas manter ela longe – eu disse. Ela pareceu aliviada.

– Eu... Não... Aguento... Por muito... Mais... Tempo...

– Aguente firme, meu pai já deve estar chegando.

Ela estava pálida. Parecia estar fazendo muito esforço. Eu precisava fazer algo, ajuda-la. Atirei mais uma flecha e essa foi em direção ao coração. Mas simplesmente bateu e caiu no chão. A ponta da flecha estava torta ao cair.

– Haha – gargalhou Híbride. – Esse arco não é verdadeiro. Apenas uma réplica.

– Uma réplica, mas é o suficiente para te impossibilitar de voar, não é?

Ela ficou vermelha de raiva – se é que é possível – e investiu. Mas o “escudo” de Mayana era tão forte que ela bateu e voltou com tudo na parede e caiu no chão. Na mesma hora Mayana caiu, desmaiada, ao meu lado. A ker viu e gargalhou. Eu estava frita. Era bom meu pai chegar logo.

Como se fosse combinado, meu pai irrompeu no cômodo ao lado de minha mãe. Arrancou Contracorrente do bolso e deu um golpe, mas ela se desviou. Para o azar dela, pois minha mãe, Annabeth, a estava esperando. Ela deu um golpe com sua faca e arrancou seu pescoço, transformando-a em um monte de pó a não ser pelas asas furadas.



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Notas finais do capítulo

Comentários fazem bem para o coração do escrito :3



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