Um toque francês escrita por lufelton


Capítulo 2
Capítulo 2- Pardon, je ne parle pas français!




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– Mãe? O que está fazendo aqui? Você não tinha que estar no trabalho?

– Tinha, mas consegui ser substituída hoje! Eu tinha que te contar essa notícia fantástica. Seu pai não vai poder vir agora, ele disse que nunca esteve com tanto trabalho a ser feito, mas não se importou que eu contasse a você sozinha!- ela parecia orgulhosa e ansiosa ao mesmo tempo.

– Então? - eu insisti. - O que é tão importante?

– Minha amada filha, você vai a Paris!

Parece que meu mundo tinha caído. Absolutamente tudo. Era uma sensação como se todos tivessem esmagado em pedaçinhos tudo aquilo que eu tanto demorei a construir. Pisaram nos meus sonhos. Descartaram os meus desejos. Deixaram de lado o que realmente importa pra mim: estar aqui, em Londres, com saúde e rodeada das pessoas que eu mais gosto. Não pode ser verdade que isso esteja acontecendo.

– O que? Por quê? Eu gosto de Londres, mãe. Não precisamos nos mudar para Paris. Vocês podem ir, eu fico! - disse desesperadamente. Ela me observava como se estivesse tentando decifrar algum enigma.

– Bom, Drew... Na verdade nós não vamos nos mudar. Você vai! Mas achei que você fosse gostar, quer dizer, amar. Estamos falando de Paris, meu amor! A cidade dos sonhos, a cidade do amor, lá que se encontram as coisas mais preciosas desse mundo.

–Não! Eu não ligo se lá encontram-se as coisas mais sagradas do mundo, muito menos se lá é um sonho. Eu amo morar aqui! Tenho os meus amigos, minha vida, meu colégio, meu namorado. Você não pode me mandar para lá. Eu não vou e já está decidido. - disse segurando as lágrimas que estavam prestes a cair de meus olhos. Não é possível que eles possam ser tão insensíveis de me mandar sozinha para um lugar onde eu não conheço ninguém e nem a própria língua.

–Drew, isso não é uma decisão. Você não tem escolha. Você tem que ir. Eu e seu pai mandamos o seu currículo já faz 2 meses para uma academia de dança, onde você ficará hospedada em um local para estrangeiros para poder continuar a estudar e fazer o que gosta: dançar. Fizemos isso como presente para a sua formatura. Mandamos alguns vídeos seus dançando na academia e eles te aceitaram, já transferiram o seu nome para lá para poder participar da competição representando a França e agora, só estão esperando por você. Poxa Drew, nunca tinha pensado na possibilidade de você odiar tudo isso que eu fiz por você. - disse parecendo decepcionada.

– Fez por mim? Você acaba de destruir a minha vida! Isso que você fez. Você percebeu a grande bobagem que você fez? Além de ter mandado um currículo meu sem a minha permissão, sou obrigada a ir para lá! Para a porcaria da França! Representa-los na dança, falar uma língua absolutamente ridícula e tentar fazer amigos sem querer parecer uma retardada. Porque não sei se você sabe, mamãe! Mas eu não sei nem como se diz olá em francês! - eu falava alto demais. Estava tão irritada. Fechei meus punhos com a esperança de que meu sangue parasse de fluir pelas minhas veias, com a esperança de que eu me acalmasse. Mas não era possível. Estava começando a falar coisas sem saber. Tentei parar e pensar, mas minha irritação me dominava por inteira.

– Destruí a sua vida? Mando-te para Paris para você fazer o que mais gosta e você acha que destruí sua vida?- respondeu em mesmo tom alto.

–Sim, mamãe! Você destruiu minha vida, mas não só por me mandar para lá, mas também por não ter tido respeito pela minha privacidade! É isso: respeito! Será que sua mãe nunca lhe ensinou isso?

Passei dos limites.

Toquei em um assunto no qual mais mexe com a minha mãe.
  Minha avó.
  Ela morreu quando minha mãe tinha 19 anos, mas o que a entristecia de verdade não era a morte, era a causa dela. Papai me disse que minha mãe tinha tido uma discussão desagradável com a minha avó, pois ela nunca havia ajudado minha mãe e suas irmãs com os estudos e nem em nada. Gastava seu dinheiro com bebidas alcoólicas e cigarros. Então, minha mãe pegou suas malas, saiu de casa com o carro que tinha comprado com tanto esforço e foi embora. No dia seguinte, ela recebeu uma ligação de uma de suas irmãs dizendo que vovó tinha sofrido um acidente de carro e que não aguentou o impacto. Minha mãe ficou arrasada, teve que ir para não sei quantos psiquiatras. Mas não importa quantos ela tenha ido, ela sempre se culpou. Até porque vovó só tinha saído para ir atrás dela e , por azar, um homem havia ultrapassado o semáforo, no momento em que o impedia, bem na hora em que ela estava na metade do caminho. Não deu outra, o acidente ocorreu e foi, exatamente, no lado de minha avó.

Não demorei nenhum pouco para perceber o que eu tinha acabado de dizer, era só olhar para a sua face, intacta e cheia de tristeza, como se tivesse perdido toda a esperança.

–Mãe, eu não quis dizer...

– Vá para o seu quarto. - disse de modo firme e claro.

Era tarde demais.

– Arrume suas malas, pois hoje é o seu penúltimo dia em Londres.

Subi correndo para o meu quarto e me sentei na beira da cama, levei as mãos ao rosto e comecei a chorar. Como pude ter sido tão insensível? Eu deveria sentir vergonha de mim. Minha mãe só queria o meu bem e nada mais do que isso. O que será que papai vai dizer de mim? Amber? Peter? Michael? Todos me acharão uma estúpida mimada. A dor se instalava em mim como nunca. Na verdade, eu não sabia o que mais doía se era ter que ficar longe de tudo aquilo que me fazia bem ou de ter dito coisas tão horríveis para a minha mãe de modo tão injusto.

Respirei fundo. Sequei o rosto com uma toalha em cima da minha cabeceira e peguei meu celular. Disquei o número de Michael, mas não demorou muito e caiu na caixa postal. Ótimo, pensei. Deve estar no banho, mas em seguida ele me liga. Esperei 5, 10, 15 minutos e nada de Michael retornar a ligação. Cheguei a conclusão de que ele não estava com o celular por perto, pois sem dúvida ele me retornaria.

Afinal, sou sua namorada.

Disquei o número de Amber e ela não demorou muito para atender.

– Drew! Como foi o almoço com Michael? Você nem me ligou para contar, sua safada! - ela falava tão rápido que eu era incapaz de acompanhá-la, principalmente, com essa tristeza que me deixava tão lenta.

– Vagance, eu vou para Paris... - foi a única coisa que consegui dizer.

– O que? Tá brincando! Isso é ótimo, amiga! Quando você vai? Aonde vai ficar? Michael já sabe? Imagina se você volta feito uma francesa de verdade! - ela parecia tão animada. Nunca quis tanto mentir para não ter que estragar essa felicidade. Nunca quis ficar longe de Amber, não quando eu mais preciso dela. De repente, me peguei chorando, não conseguia mais segurar. Era muita coisa para mim.

– Drew? Você está chorando? O que aconteceu flor?- disse preocupada.

– Quero que você me escute com muita atenção, Vagance... - eu soluçava. - Eu não vou passar minhas férias em Paris, eu vou morar lá. Sozinha. Minha mãe me disse hoje e vou embarcar depois de amanhã. Eu sinto muito Amber, sinto muito mesmo!

– Sente pelo o que, Drew? Relaxa, está tudo bem. Acalme-se! Escute, você está muito nervosa agora, acho que você deveria desligar o telefone. Amanhã eu vou até aí para a gente conversar melhor. Aproveito e levo Peter comigo. Fica bem, amiga!

– Tc..ch..Tchau. Desliguei. Deitei em minha cama, sem pensar em mais nada, apenas com as minhas lágrimas que desciam queimando lentamente o meu rosto. Elas me aconchegaram, na dor e no calor. Até eu finalmente adormecer.

No dia seguinte, ao abrir os olhos tive a sensação de ter sido maltratada por todo o meu corpo. Tive que me sentar na cama um pouco para amenizá-la e tentar me relembrar de tudo o que tinha acontecido no dia anterior. Lembrei-me da música escolhida, de meu almoço com Michael e de minha mãe dando a notícia de que eu iria me mudar para a Paris.

A partir daí, tudo deu errado.

Eu e minha mãe brigamos, Michael não atendeu nem um de meus telefonemas e nem havia retornado, mas combinei de me encontrar com Amber hoje.

Pelo menos, ela informou que viria.

Sendo assim, verifiquei meu celular, mas não havia nada. Nada de Amber, nada Michael. Decidi então tomar banho, talvez fosse o único remédio para tantar dor, pensei. Fiz com que ele fosse o mais devagar do século, talvez assim eu tenha que ficar o resto de minha vida dentro de um box.

Sozinha.

Sem pais, sem voos, sem amigos.

Quem me dera.

Saí do banho, vesti uma calça jeans azul, botei meus vans azuis, uma camiseta da Calvin Klein que ganhei no Natal passado de mamãe e meu casaco branco, que cabe em mim desde que eu tinha 14 anos. Fui até o andar debaixo, nenhum barulho.

Ninguém em casa.

Não sentia fome. Não sentia nada. A tristeza estava voltando para o seu estado original em mim.

A campainha tocou, deve ser Michael preocupado comigo. Fui correndo até a porta e me dei conta que não era Michael e sim Amber, e Peter logo atrás.

– Drew Kimberley! Você pode me explicar o que deu em você ontem?- ela disse, entrando na minha casa. Peter a seguiu e me deu um abraço.

– Vagance me disse tudo e tenho mais uma notícia pra você: Você vai para o Guiness desse ano por ser a única pessoa que chora ao receber a notícia de que vai morar em Paris... Você está pior do que eu pensava, amiga.

– Você não me entende, Peter! Eu amo Londres! Estou satisfeita aqui! Por que diabos meus pais tem que me mandar para droga de Paris? - estava começando a me irritar.

– Vou fazer de conta que não escutei sua última frase... Mas então, isso quer dizer que você brigou com os seus pais? - enquanto Peter me questionava, Amber parecia atenciosa como nunca.

– Não. Quero dizer, somente com a minha mãe. - disse olhando para baixo.

– Ah, entendo.. Briga feia então?

– Pior do que você pode imaginar. - não conseguia mais me controlar, deixei as lágrimas caírem.

– Ah Drew, não fica assim! Aposto que nem foi nada demais, não é Pet? - disse Amber fazendo uma careta para Peter concordar antes que eu entrasse em uma eterna depressão.

– Foi sim, Amber! Foi horrível! Eu fui! - olhava agora no fundo dos seus olhos, chorosa. - Eu falei sobre a minha avó. Foi sem querer, mas ela ficou muito ofendida! - Amber e Peter não responderam nada. Eles sabem mais do que ninguém sobre o que aconteceu com minha avó. Sobre o acidente. Sobre o sofrimento de minha mãe em relação a isso. Porém, em vez de me criticarem, os dois me abraçaram e se ofereceram para ir lá em cima ajudar a arrumar as malas. Pois a partir de amanhã, estaria arrastando-as no longo chão da estação de trem de St. Pancras.


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