Não sei explicar o que eu senti quando Wendy desmaiou no parto. Realmente pensava que ela fosse morrer, e o que eu menos queria nessa vida era que Wendy morresse. Quando ela acordou, um imenso alivio tomou conta de mim, e eu não queria sair de perto dela nem por um instante, mesmo que ela tivesse pedido privacidade para dar de mamar o pequeno Daniel pela primeira vez.

Daniel era realmente muito parecido com Wendy. Tinha a pele bem branquinha e os olhos azuis. Pegou de mim apenas os cabelos ruivos.

Os anos foram se passando rápido, e logo ele já tinha três anos. Toda noite Wendy contava histórias a ele. Uma noite, eu a vi toda empolgada contando sobre a Terra do Nunca e decidi me intrometer.

- Existe um lugar... Onde tem fadas, piratas e, principalmente, magia. – Começou Wendy. – Este lugar se chama Terra do Nunca.

- Você já foi lá, mamãe? – perguntou Daniel.

- É claro que ela já foi. – respondi por ela. – E eu também já estive lá.

Nosso filho arregalou os olhos para a mãe, como se precisasse confirmar com ela para saber se aquilo era realmente verdade.

- Sim, é verdade. Peter, não me atrapalhe! Quem está contando a história sou eu!

Daniel começou a rir e pediu para que ela continuasse.

- E esse lugar fica à esquerda da estrela mais brilhante.

- Vem cá que eu vou te mostrar – falei.

- Peter! – Protestou Wendy.

Ignorei seu protesto e mostrei as estrelas pela janela. Logo localizei a mais brilhante, e à sua esquerda, lá estava. Como eu sentia falta daquele lugar...

- Veja, Daniel. – falei, apontando para a estrela. – É lá para onde as crianças vão quando não querem crescer. Este lugar se chama Terra do Nunca. Um dia, um menino escutou seus pais brigando sobre ele crescer e decidiu viver lá. Mas algum tempo depois, ele descobriu que tinha uma garota, aqui em Londres, que contava suas histórias e que acreditava nele. Esse menino decidiu levá-la junto aos seus irmãos para uma aventura na Terra do Nunca...

Vi que Wendy estava ficando emotiva com a história. Ela sabia que aquela era a nossa história e decidiu continuar.

- Ele ensinou essa garota a lutar contra os piratas, e ela ensinou o que era amor.

Daniel nem piscava.

- Mas aquilo não durou... – Continuou, limpando uma lágrima que queria sair do seu olho. – O capitão dos piratas a enganou, fez com que ela acreditasse que se ela se tornasse uma pirata ele deixaria o garoto que ela ama em paz. Mas não deixou. Eles tiveram uma luta, e o garoto quase foi morto...

Uma lágrima escorria devagar sobre seu rosto. Achei que era melhor continuar a partir dali.

- Mas a garota sentia um amor tão grande por ele, que ao dar um beijo de despedida, ele ficou forte e conseguiu afastar o capitão por um bom tempo. O garoto finalmente pensou que os dois fossem ficar juntos...

- Mas a garota não podia permanecer naquele lugar. – continuou Wendy, já com o choro controlado. – Ela e seus irmãos já estavam se esquecendo da família, e teve que voltar para casa.

- Mamãe, eles tiveram um final feliz?

Wendy já estava chorando novamente. Mas dessa vez não era de tristeza, pelas lembranças. Era pela emoção de ter que contar para seu filho que ele era o seu final feliz. Limpou as lágrimas, e disse:

- Venha, eu vou lhe mostrar um livro.

Eu sabia muito bem que livro era. Levamos Daniel ao nosso quarto, e Wendy começou a vasculhar a nossa gaveta de lembranças. Ali estava. Ela logo leu o título em voz alta.

- Peter Pan – O menino que não queria crescer.

Daniel olhou para mim, impressionado, e depois olhou para o desenho no livro, como se estivesse tentando juntar as peças de um quebra-cabeça.

- Todas as crianças crescem... Menos uma. – Wendy começou a contar.

Ela leu o livro até a parte em que aparecia. Então ele entendeu.

- Vocês são o garoto e a garota dessa história?

- Sim, meu filho. E nós tivemos um final feliz. Você é o nosso final feliz, Daniel.